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Carter X Trump?-Pedro Cláudio Cunca Bocayuva

arlindenor pedro
Por arlindenor pedro 9 leitura mínima

A morte de Carter não parece servir para pensar os rumos atuais e futuros da política dos EUA. Parece que se apagou a memória dos temas da crise e da busca de um via que levasse em conta os desafios da crise de hegemonia aberta com as lutas por direitos civis e a derrota no Vietnã, além dos efeitos da crise do dólar e da energia, etc. O quadro geral do mundo colocava no centro da politica internacional dos EUA o debate da chamada “política dos direitos humanos”

A “crise das ditaduras” que foi bem descrita por Nicos Poulantzas acompanhou as muitas crises e transições que se abriram no Leste e no Oeste, no Norte e no Sul. Um sopro de mudanças se abria com novos movimentos e disputas que partiam da “primavera de 1968”, que foram gerando mudanças nas formas da política e empurrando o sistema mundial para respostas que gerariam o quadro da globalização como forma de mundialização.

No inicio dos anos 80 Reagan ao lado de Tatcher acabou por coroar o experimento golpistas neoliberal chileno. Mas muita água rolaria até que o neoliberalismo pudesse redesenhar o capitalismo financeirizado em rede, até que a morbidez destruísse as formas velhas e as novas de fazer política. Os anos setenta e os anos 80 viram experimentos fracassados e avanços pontuais, o que pede uma reflexão por força da velocidade da mundialização a partir de 1992, em chave cibernética e globalista com novas guerras

Pecisamos considerar que Carter expressava um período em que a batalha de ideias e as lutas ideológicas tinham de lidar com valores resultantes da modernidade e da disputa entre as duas utopias a liberal e a socialista. O “mundo líquido” que acompanhou a crise da modernidade tardo-capitalista rompeu com a busca dos compromissos sociais, um “novo espírito do capitalismo” foi combinado com os processos de exceção. Os poderes, potências e povos são hoje atravessados pela espiral da destruição dos modelos de tipo programático rígido, passando para a flexibilidade com precarização em nome da liberdade de promover desigualdade, um novo impulso de darwinismo social com ‘limpezas étnicas”.

O retorno à guerra, os genocídios e as fornas de banalização da crueldade, com os contornos necropoliticos coloca a necessidade de uma análise crítica que não perca os registros históricos. As contradições norte-americanas são e serão decisivas para nossa leitura do ascenso e declínio do americanismo na chave da desmaterialização do trabalho , do saque, das dividas, das redes de ruptura com a destruição de consensos e da via de mudança por revoluções passivas. A destruição da hegemonia que se subordina a política como guerra na chave da dominação apesar do esforço de captura dos corações e mentes pelos novos agencimentos no plano subjetivo.

A “guerra civil globalizada” no espaço mundo repercute e atravessa o Império em crise e a solução chinesa não dá conta de lidar com a perda de referências e o vazio ligados a um quadro de declínio da disputa de valores, que no passado tiveram impacto decisivo no moderar as forças dos grandes poderes. A crise do “capitalismo real” se desdobra no mesmo processo que arrasou o “socialismo realmente existente”. As chaves da “América Primeiro” e da “Rota da Seda” não dão conta da articulação entre fetichismo, narcisismo e negacionismo.

As guerras da OTAN, a agressão de Putin na ocupação e destruição da Ucrânia, a destruição do Iraque e da,Síria, o genocídio em Gaza e as guerras híbridas parecem apagar os traços da reflexão sobre a “moralidade” nas relações internacionais. As maquinas financeiras, de Estado, militares e de espetáculo se articulam com toda sorte de milícias, máfias e grupos armados, operando mobilizações de medo e pulsões de crueldade , brutalismo e necropolítica que do México até o Brasil, que do Egito até o Sudão deixam um rastro de destruição em guerras contra as populações..

O atual limite das lutas necessárias por identidade precisa de tempo para formar blocos históricos nacionais capazes de projetar modos de vida que lidem com o tema dos valores emancipatórios, no meio das guerras híbridas. O internacionalismo sufocado não renasceu nas fornas cosmopolitas das lutas em redes e movimentos globais anticapitalistas.A morte de Carter revestida de um silêncio ensurdecedor só teve como contraponto sintomático em relação ao trumpismo o fato de que o Brasil ainda emite sinais da necessidade de articular a memória das lutas no tempo presente com uma releitura crítica dos direitos humanos. O que parece ter se manifestado nas lutas contra o negacionismob, no #elenão e como um resíduo de sensibiludade na cultura com as premiações de “Ainda Estou Aqui”.

As disputas para defender a vida no planeta tem tido nas lutas contra o genocídio e o fetichismo do capital, na frente territorial do povo das periferias e das vozes da diversidade, impulsos que provocam fissuras e brechas na dominação. O esboço de uma potência molecular emergente gera práticas, imagens e discursos que cobram a reflexão sobre, como articular a utopia dos direitos com um resgate da noção de “integralidade” ou da grande política? Carter sabia dessa exigência na sua busca de relegitinar o poder moral interno e externo dos EUA via “direitos humanos”. Não basta reler a “guerra nas estrelas” e seu efeito econômico na batalha com a URSS, pois sem esta face “moral” os EUA talvez não tivessem projetado um modo (de curta duração) quase hegemônico ao final da Guerra Fria e do colapso da URSS.

Nossa transição democrática inconclusa e a da Europa Mediterrânea se articulou no quadro destas disputas, que fizeram de Carter uma figura singular de defensor de um tipo de liberalismo político necessário para poder jogar as cartas na crise dos EUA que, paradoxalmente mantiveram vivas as energias do “poder constituinte” naquele país.

Conhecemos os aspectos críticos da impossível articulação entre mercado e democracia que acabou servindo de discurso temporário para o poder unilateral dos EUA, que uma vez implodido revelou sua face bélica, que vai muito além do ethos competitivo, sendo a tendência marcante da política como guerra.Entre as guerras norte-americanas de Biden e o “choque de civilizações” na versão de Trump os EUA não conseguem reencontrar a chave de seu poder constituinte, acentuam seu declínio e buscam na generalização das guerras civis e nas batalhas ideológicas uma saída patética que acentua os riscos da humanidade no capitaloceno.

A catástrofe é sempre um resultado do acúmulo de traumas. O trumpismo é um resultado da liberação da “politica selvagem” na direção da autofagia, como saída que deve servir de fórmula geral como parece sugerir, ainda antes da posse de Trump, o personagem cena do teatro da catástrofe em curso, o bilionário Elon Musk.

Pedro Cláudio Cunca Bocayuva

Professor do PPDH/NEPP-DH/UFRJ

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Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
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