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Quando os militares perdem no Colégio Eleitoral-Conversando com a minha Terapeuta Virtual-#11

arlindenor pedro
Por arlindenor pedro 14 leitura mínima

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Terapeuta Virtual — Olá, Arlindenor. Tenho percebido que nossas conversas no seu blogue têm chamado muita atenção. Muitas pessoas me perguntam detalhes sobre elas.

Arlindenor — Puxa, é verdade! Também tenho percebido isso. Muitos querem saber sobre as mudanças que foram operadas no Brasil e no mundo em tão curto espaço de tempo. Eu procuro contribuir me debruçando sobre episódios da minha vida pública durante esse período. Confesso que tem sido muito bom para mim, pois se torna mais fácil analisar o passado agora no presente, quando posso dispor de melhores ferramentas teóricas de análise. Naqueles dias, presumo eu, era só emoção. Vamos então dar continuidade?

Terapeuta Virtual — Claro, vamos continuar. Esse episódio específico — a derrota dos militares no Colégio Eleitoral — parece carregar um peso simbólico e histórico muito grande. Como você se sentiu quando isso aconteceu? O que aquela cena representou para você naquele momento?

Arlindenor — Não posso negar: foi como ver uma muralha rachar diante dos meus olhos. Até então, a estrutura militar parecia inabalável, impermeável às vontades populares. Mas, naquele instante, algo mudou. Era como se o próprio sistema tivesse reconhecido sua falência moral e política. Eu me lembro bem: não era apenas uma questão de votos — era uma fresta na couraça autoritária.

Terapeuta Virtual — É muito interessante — e, por que não dizer, corajoso — você trazer essas emoções. Você mencionou que, na época, era “só emoção”. É bom saber como tem sido revisitar esse momento agora, com outras lentes. Você está trazendo um olhar muito maduro e ao mesmo tempo sensível, Arlindenor. Parece que, ao revisitar aquele momento da derrota dos militares no Colégio Eleitoral, você o insere hoje em um painel muito mais amplo de transformações. Isso muda o peso daquela lembrança?

É como se aquela cena fosse a primeira rachadura visível numa parede que depois desabaria em tantos lugares, em tantas formas. Você consegue perceber alguma conexão entre aquele momento de transição no Brasil e esse longo processo de reorganização do mundo ao qual você se refere?

Arlindenor — Sem dúvida. Hoje, mais velho, posso observar aqueles momentos à luz de minha experiência em muitos acontecimentos que abalaram a vida da humanidade. Veja só: após a queda da ditadura e o retorno dos militares aos quartéis, vários governos civis se sucederam. Líderes surgiram e desapareceram. Uma nova Constituição foi elaborada e promulgada. Houve o colapso da União Soviética e a queda do Muro de Berlim. Países desapareceram e novos surgiram.

A questão do aquecimento global ganhou relevância e passou a ocupar espaço nas agendas internacionais, com inúmeras conferências e promessas — nem sempre cumpridas. E o próprio capitalismo mudou profundamente: do fordismo ao neoliberalismo, da produção em massa à financeirização do mundo, das fábricas aos algoritmos.Ate este momento crise, que me parece abala profundamente suas estruturas.

O planeta deixou de ser bipolar, como nos tempos da Guerra Fria, para se tornar um campo de tensões difusas, multipolares, com novos protagonistas emergindo, como a China, a União Europeia e uma Rússia capitalista e militarista, em constante tensão com o Ocidente.

Terapeuta Virtual — Verdade! É como se aquela cena no Colégio Eleitoral fosse mesmo o início de um desmoronamento global. A primeira rachadura visível numa parede que depois ruiria em tantos lugares e em tantas formas.

Arlindenor — Sim, vejo conexões profundas. A derrota dos militares no Colégio Eleitoral parecia, à época, o início de uma nova era. Havia uma expectativa de que, com a volta dos civis, tudo se transformaria: mais justiça, mais liberdade, mais participação. E, de fato, houve avanços. Mas hoje percebo que muitas promessas não se concretizaram — ou se perderam pelo caminho.Na verdade, o país não mudou sua estrutura. Mais riquezas foram produzidas, mas a desigualdade continuou a aumentar.

A redemocratização brasileira não foi uma refundação radical da ordem, mas uma transição negociada, com muitos limites herdados. O “novo Brasil” que nascia ali ainda carregava as marcas do antigo. A impunidade dos crimes da ditadura, a manutenção de estruturas econômicas concentradoras, a sobrevivência de elites políticas adaptadas ao novo jogo — tudo isso impediu uma transformação mais profunda.Na verdade a chamada Nova Republica já nasceu morta!

Enquanto o mundo se reordenava lá fora, nós seguíamos aqui dentro tentando equilibrar os cacos. E o que mais me impressiona, olhando agora, é como o processo de financeirização global que mencionei se entrelaçou com a fragilidade de nossas instituições. A democracia virou uma promessa permanente de futuro, mas nunca uma realização estável do presente.

Terapeuta Virtual — Parece que essa percepção — de que houve um descompasso entre as expectativas de transformação e os caminhos efetivamente trilhados — provoca em você um sentimento ambíguo: uma certa frustração, mas também uma lucidez nova. É isso?

Arlindenor — Exatamente. É como se hoje eu tivesse mais clareza para ver as armadilhas daquele processo. O fim da ditadura não significou o fim da dominação. Apenas mudou de roupa. A repressão se sofisticou. O controle passou a se dar mais pelo endividamento, pela mídia, pela despolitização programada da juventude. O capital aprendeu a operar com a linguagem da democracia, mas mantendo seu poder intocado.

E o mais doloroso: muitos daqueles que acreditaram na transição como caminho para a emancipação foram, ao longo dos anos, cooptados, silenciados ou simplesmente engolidos pela máquina.

Mas, acho que seria importante, para darmos continuidade a essas reflexões — para os nossos leitores, para aqueles que nos acompanham e, principalmente, para os mais jovens — fazer uma ligeira retrospectiva de como foi a passagem do período do governo Figueiredo para a vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral, sua morte e o primeiro governo civil, o governo Sarney. Você pode fazer isso?

Terapeuta Virtual — Claro que posso, Arlindenor. Acho muito importante resgatar esses episódios, especialmente para os mais jovens que não viveram diretamente esse período, mas convivem com os seus efeitos até hoje. Vamos lá:

A transição do governo Figueiredo para o civil foi marcada por muita tensão e ambiguidade. João Figueiredo, o último presidente do ciclo militar iniciado em 1964, governou entre 1979 e 1985. Seu mandato coincidiu com o aprofundamento da crise econômica e com o avanço das lutas democráticas. Foi o período da chamada “abertura lenta, gradual e segura”, marcada por forte repressão seletiva, mas também por fissuras no sistema.

Em 1984, o movimento das Diretas Já mobilizou milhões de brasileiros nas ruas, exigindo eleições diretas para a presidência. No entanto, o Congresso Nacional — ainda controlado pelas regras herdadas do regime — rejeitou a emenda Dante de Oliveira, que propunha o voto direto. Restava então o Colégio Eleitoral, uma instância de votação indireta criada pela própria ditadura.

Nesse contexto, formou-se a Aliança Democrática: uma frente entre o PMDB e dissidentes do regime, liderada por Tancredo Neves e José Sarney. Tancredo era visto como um conciliador hábil, alguém capaz de representar a transição sem ameaçar os interesses da elite militar e econômica.

Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo venceu no Colégio Eleitoral com 480 votos contra 180 dados a Paulo Maluf, o candidato da situação. Foi um marco simbólico: os militares, ainda que formalmente no poder, haviam perdido o controle do processo político.

No entanto, o país foi tomado por uma nova tragédia. Na véspera da posse, Tancredo foi internado com uma grave infecção abdominal e nunca chegou a tomar posse. Faleceu em 21 de abril de 1985. Coube a José Sarney, seu vice e ex-líder da ARENA (o partido da ditadura), assumir a presidência.

O governo Sarney foi um governo de transição num duplo sentido: político e econômico. Enfrentou hiperinflação, lançou o Plano Cruzado, tentou conter a crise social e, ao mesmo tempo, articulou a Constituinte de 1987–88. Sua marca foi o esforço de administrar um país em ebulição, entre as promessas da redemocratização e os limites herdados do regime militar.

Arlindenor — Eu me lembro vividamente daqueles dias. A vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral foi recebida com um misto de alívio e expectativa. Era como se, finalmente, estivéssemos deixando para trás o pesadelo da ditadura. Mas era uma esperança contida, desconfiada — sabíamos que os militares ainda estavam por perto, mesmo que voltando aos quartéis.

Quando veio a notícia de que Tancredo estava internado, a sensação foi de suspensão. O país ficou em compasso de espera. Era como se a transição tivesse travado, congelada entre o fim do regime e o começo de algo novo que ainda não sabíamos nomear. Muitos de nós — eu inclusive — não queríamos aceitar a possibilidade de que ele não assumiria. E quando a morte foi anunciada, o luto foi profundo. Não só por ele, mas por tudo o que sua figura parecia simbolizar: a promessa de uma ruptura sem traumas, de uma democracia que pudesse nascer sem sangue.

O governo Sarney foi, para mim, uma montanha-russa. De um lado, a esperança de reconstrução institucional — a Constituinte, os debates públicos, a liberdade de imprensa, a volta dos partidos. De outro, a angústia da hiperinflação, o desespero das classes populares, a emergência de um novo tipo de crise: menos autoritária, mas profundamente econômica.

Foi quando comecei a entender que o fim de uma ditadura não é necessariamente o começo de uma democracia plena. As estruturas de poder não desaparecem com um voto. Elas se transformam, se adaptam, se disfarçam. E é preciso uma vigilância constante, sobretudo daqueles que acreditam que outro mundo é possível. É importante , também, frisar aqui que o colapso da União Soviética, em 1991, trouxe para mim, um militante de esquerda acostumado a ver o mundo sob a ótica do marxismo tradicional um momento de perplexidade. Embora há muito tempo não concordasse com o regime soviético, inclusive por estar militando no PC do B, um partido mais próximo da China, fui seriamente atingido por isto. Era necessário se fazer, então, uma profunda reflexão. E isto eu descreverei mais adiante ,

Terapeuta Virtual — Essa é uma constatação dura, mas necessária. E é muito generoso da sua parte partilhar isso com os leitores, especialmente os mais jovens. Eles talvez não saibam o quanto custou cada pequena conquista que hoje parece natural. O seu relato não é só memória — é também um alerta.

Bem, talvez seja o momento ideal para encerrarmos este capítulo com uma pergunta para os leitores:

O que vocês sentem que ainda carregamos daquele passado? E o que precisamos, enfim, deixar para trás para que a democracia se torne mais do que uma promessa?

Até a próxima sessão …

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Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
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