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Emancipação social em tempos de crise-Teses sobre a liquidação do capitalismo-(1)-Norbert Trenkle

arlindenor pedro
Por arlindenor pedro 51 leitura mínima

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Este texto foi retirado da publicação “Emancipação social em tempos de crise- Reflexões sobre a teoria da crise, as alternativas ao capitalismo e a crítica do valor” – Norbert Trenkle publicado pela Krisses, com tradução do alemão de Marcos Barreira

1.

Quando, há mais de 25 anos, o socialismo real colapsou, havia um consenso no público liberal-democrático de que o sistema social baseado na economia de mercado e na democracia triunfara na batalha histórica do »conflito de sistemas«. Francis Fukuyama decretou sua célebre sentença sobre o »fim da história«, que correu o mundo, enquanto a esquerda tradicional perdia o chão sob seus pés. Poucas vozes críticas contrariaram esse clima de euforia. Alguém sugeriu com humor que, em vez de sair vitorioso, o Ocidente seria apenas o último dos derrotados. Longe de promover um bem-estar capitalista geral, o capitalismo desenfreado, sem oposição de um sistema antagônico, desenvolveu sua força destrutiva livre de qualquer inibição. Na perspectiva crítica do valor, tal como era formulada no contexto da revista Krisis, a questão era colocada em termos muito diferentes.2 De acordo com nossa análise, o socialismo de Estado que chegou ao fim não era de modo algum um sistema social alternativo; ele foi somente um regime de modernização recuperadora sob o signo do autoritarismo estatal e que atingiu seus limites históricos, pois sua estrutura esclerosada e inerte não era capaz de acompanhar os novos padrões de produtividade da Terceira Revolução Industrial. Ao mesmo tempo, interpretamos o colapso daquele regime como o início de uma crise fundamental do modo de produção capitalista como um todo, que sufocava a hiperprodutividade por ele mesmo desencadeada (cf. Stahlmann 1990; Kurz 1991). Esse diagnóstico foi amplamente questionado e, durante algum tempo, parecia refutado por um imponente desenvolvimento social real. Mesmo com o atraso de um quarto de século, o sistema mundial capitalista começa agora a desmoronar em uma velocidade incrível. Para compreender as causas e a natureza dessa dinâmica desenfreada, é necessário, antes de tudo, lançar um olhar retrospectivo sobre esse desenvolvimento que ocorreu nas últimas duas décadas e meia.

2.

Pouco depois da ruptura histórica de 1989, o otimismo eufórico arrefeceu. A invasão do Kuwait por Saddam Hussein abalou a arquitetura geopolítica do Oriente Próximo e Médio e assim a questão de uma »nova ordem mundial«, após o fim do confronto entre blocos, voltou à ordem do dia; a intervenção subsequente do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos, resultou em uma estabilização muito precária e efêmera. Pouco depois, com a desintegração sangrenta da Iugoslávia3, a guerra chegou às portas da União Europeia, enquanto nacionalismo e separatismo prosperavam em outros países da Europa e do mundo. Também economicamente, a primeira metade da década de 1990 não era nada promissora. O antigo bloco do Leste afundava, os países do Terceiro Mundo sofriam com o peso de uma dívida terrível e com as políticas de ajuste liberais impostas pelo FMI e o Banco Mundial, enquanto o desemprego estrutural em massa nos centros capitalistas aumentava. Ao mesmo tempo, os novos focos de conflito e guerra civil, associados ao ocaso econômico dos países do antigo bloco do Leste, causaram grandes movimentos migratórios que, por sua vez, conduziram a Europa a reações defensivas histéricas, preparando o caminho para uma política brutal de isolamento liderada pela Alemanha. Mais de um político liberal, dos que acabavam de celebrar a vitória do Ocidente, de repente desejava a reconstrução do muro (cf. Trenkle, 1993).

3.

Se no final dos anos 1990 e na década de 2000 a situação econômica pôde ser estabilizada, foi, sobretudo, graças a um boom da economia mundial, para o qual foi determinante uma gigantesca expansão dos mercados financeiros, i.e., a acumulação maciça de capital fictício. Esse boom parecia refutar amplamente todos os diagnósticos de um »colapso da modernização« como crise fundamental do sistema mundial capitalista. Também o fato de esse crescimento econômico não estar limitado às metrópoles capitalistas tradicionais encorajou muitos dos chamados países emergentes. Especialmente na China, Brasil e Índia, bem como alguns países do Sudeste Asiático, cujos programas de desenvolvimento dos anos 1960 e 1970 naufragaram, experimentou-se um boom sem precedentes sob a “acumulação impulsionada pelos mercados financeiros« que os converteu em gigantes econômicos. Mesmo certo número de países africanos e da América Latina que, no final dos anos 1990, eram considerados os grandes perdedores da globalização, conseguiram, após a virada do século, a partir dessa conjuntura econômica, vender suas matérias-primas e produtos agrícolas, cuja demanda no mercado mundial disparou. Em virtude da exportação de matérias primas, até a Rússia pôde erguer-se, tanto econômica como politicamente e, sob o regime ditatorial de Putin, ampliar sua influência nos eventos geopolíticos.

4.

A recuperação da economia mundial, no entanto, teve um caráter completamente diferente daquele do boom fordista do pós-guerra. Se o fordismo se baseou na valorização de capital mediada pela exploração em grande escala da força de trabalho na produção industrial em massa, ou seja, na apropriação de valor resultante do trabalho passado, a nova dinâmica econômica foi impulsionada pela enorme antecipação de valor futuro. Há razões estruturais para essa mudança fundamental. A crise do modelo de acumulação fordista, nos anos 1970 e 1980, ocorreu porque a aplicação da ciência à produção, na esteira da Terceira Revolução Industrial, tornou-se a principal força produtiva, fazendo com que o mecanismo clássico de valorização do capital colidisse com seus limites históricos. Diante da expulsão maciça e absoluta de trabalho na produção imediata, a criação de valor na produção tornou-se insuficiente para manter vivo o fim em si mesmo do movimento permanente de multiplicação do dinheiro. Desse modo, foi afetado o mecanismo funcional de base do modo de produção capitalista (cf.Lohoff/Trenkle, 2012).

5.

Uma saída temporária para essa crise foi encontrada graças à acumulação em grande escala de capital fictício. Há sempre produção de capital fictício quando títulos de propriedade, tais como títulos de dívida ou ações, são colocados em circulação ou quando sobem os preços dos títulos já em circulação. Esses títulos são promessas de pagamento negociáveis e representam um determinado tipo de mercadoria com características muito peculiares, as mercadorias de segunda ordem (cf. Lohoff/Trenkle, 2012). Por meio da sua venda é possível aumentar o capital investido, sem recurso à força de trabalho e sem o »desvio« pela produção de mercadorias no mercado de bens.

Como isso é possível? Com a aquisição de promessas de pagamento negociáveis , o dinheiro não é simplesmente transferido de um vendedor ao comprador. Na transferência do credor ao devedor, i.e., do comprador para o emissor das ações, há uma duplicação temporária do montante de dinheiro envolvido. Ao lado do capital inicial, agora nas mãos do emissor de crédito ou do destinatário das ações, entra em cena, sob a forma do título de propriedade, a sua imagem especular autonomizada, que representa valor futuro. Pelo tempo em que o título de propriedade for válido, ou seja, ao longo de sua duração, produz-se uma acumulação de capital sem acumulação de valor (Lohoff, 2014).

Longe de ser algo novo, esse estranho mecanismo de duplicação sempre foi um elemento da lógica funcional de base do modo de produção capitalista. Na crise fundamental da valorização, determinada pela eliminação absoluta da força de trabalho devido à Terceira Revolução Industrial, porém, ele assumiu uma característica completamente nova, na qual todo o sistema se apoia: se converteu no motor da dinâmica da economia global. Há muitos anos a opinião pública se escandaliza com o alarmante aumento do capital financeiro, considerando-o uma »aberração« responsável pelos diversos fenômenos de crise. A realidade é que, sem a acumulação de capital autonomizada nos mercados financeiros, o sistema mundial produtor de mercadorias já teria sucumbido há pelos menos três décadas. Sem a »produção« em massa de capital fictício não haveria boom industrial em países como China, Índia, Brasil, etc., nem os antigos países do socialismo real teriam se reerguido. A Terceira Revolução Industrial teria se estrangulado em sua própria produtividade, tornando supérflua em grande escala a força de trabalho e destruindo os fundamentos da valorização do capital.

6.

Essa dinâmica com base no capital fictício apresentou diferenças significativas a partir do boom fordista do pós-guerra. A mais importante é que a acumulação de capital já não depende, em primeiro lugar, do dispêndio da força de trabalho, uma vez que o crescimento do dinheiro ocorre, em grande parte, diretamente nos mercados financeiros. Os vendedores de força de trabalho perderam, assim, muito do poder de negociação, até aqui baseado na dependência da acumulação de capital em relação a eles. No plano estrutural, a posição do trabalho sempre foi mais fraca que a do capital, já que a sobrevivência dos assalariados depende apenas da venda permanente da força de trabalho. Essa situação podia ser atenuada, especialmente nos períodos de maior demanda, graças à organização sindical e política. Na era do capital fictício, em que a acumulação de capital se baseia sobretudo na venda de promessas de pagamento negociáveis, i.e., em mercadorias de segunda ordem, o sistema de coordenadas sociais das relações de força se modificou em benefício do capital. A razão disso é que hoje em dia o capital está na posição cômoda de quem pode »produzir« por conta própria os produtos básicos da acumulação nos mercados financeiros, de modo que resta à mercadoria força de trabalho apenas uma importância secundária no que diz respeito à contribuição para o incremento de capital (cf. Trenkle, 2015b).

A ampla racionalização nos setores-chave do mercado mundial e a simultânea globalização enfraqueceram sensivelmente o poder de negociação dos assalariados, que podem ser substituídos a qualquer momento por sistemas automatizados ou pelos baixos salários em qualquer parte do mundo. Daí resulta logicamente a precarização, a pressão sobre os salários e uma obsessão crescente pela eficiência. Ao mesmo tempo, a produção de bens para o mercado, que durante o fordismo foi o meio principal do movimento de fim em si mesmo da multiplicação do dinheiro, passou por uma transformação funcional no interior do sistema.Decisivo para a valorização do capital era o dispêndio de força de trabalho na produção de automóveis, geladeiras, máquinas e ferramentas etc., enquanto a criação de capital fictício permanecia essencialmente vinculada à dinâmica de valorização. Ela poderia ser financiada com antecedência mediante empréstimos ou ações, por exemplo, grandes investimentos em fábricas e infraestruturas, nos quais a antecipação do valor futuro estava coberta pelo emprego da força de trabalho na produção de bens para o mercado. Essa relação mudou na era do capital fictício. Agora a chamada economia real não é mais o motor da multiplicação do dinheiro, já que esta é altamente dependente da acumulação de títulos de propriedade nos mercados financeiros. Se esse dispositivo travar, tal como em 2008, também seca imediatamente o fluxo de dinheiro destinado ao investimento ou à compra de bens de consumo e a economia real ingressa em uma crise da qual ela só pode sair com um novo impulso na »produção« de capital fictício.A produção de bens de mercado é sistemicamente funcional apenas enquanto oferece um ponto de referência para expectativas de lucro que os compradores de títulos de propriedade usam como orientação; ela proporciona, assim, uma sensação de materialidade ao »mercado de fantasia« sem a qual não ocorre a antecipação de valor futuro (cf. Lohoff/Trenkle, 2012).

7.

A indiferença em relação ao conteúdo da produção, uma das características básicas do modo de produção capitalista, é levada ao extremo. Em nenhum outro momento isso ficou tão claro como na grande crise financeira, quando governos e bancos centrais forneceram centenas de bilhões para salvar os setores financeiro e bancário, considerados (com alguma razão) de »importância sistêmica«, e quebrando, em seguida, os setores sociais e de saúde. Também o aumento exorbitante dos preços dos imóveis, que em muitos lugares fez da habitação um bem de luxo, se deve à dinâmica do capital fictício, que capitalizou as expectativas de lucros futuros; algo semelhante ocorreu com a valorização das matérias-primas, recursos naturais e terras agrícolas (Lohoff, 2015). Não por acaso, nos últimos anos, muitas lutas sociais foram desencadeadas por pessoas expulsas de seus bairros, por causa da mercantilização do espaço público, dos despejos de casas após a crise imobiliária e da apropriação da terra e dos recursos naturais por parte das corporações globais.

A era do capital fictício moldou a sociedade não só em termos econômicos, mas também sociais e políticos. Ela teve início com o desmantelamento da estrutura do Estado social e da regulação fordista, desde o ajuste neoliberal da sociedade, com uma pressão sempre intensa sobre o mundo do trabalho flexibilizado e a mercantilização de todas as relações sociais. O resultado previsível foi o acirramento da concorrência geral e uma progressiva atomização dos laço sociais. Tudo isso anda de mãos dadas com a revitalização do nacionalismo, que parece satisfazer o desejo regressivo de pertencimento a uma coletividade aparentemente protetora, combinando-se com ideologias racistas e social-darwinistas de exclusão ou se alastrando como separatismo regionalista tacanho, seja belicoso e sangrento ou político. Pela mesma razão, o fundamentalismo religioso proliferou em todo o mundo e sob diversas formas– não apenas no islamismo,embora este último, devido à natureza específica do fracasso da modernização recuperadora no Oriente Próximo e Médio, tenha desenvolvido um potencial particularmente agressivo e brutal (Trenkle, 2015a)

8.

Ao mesmo tempo, despontou uma nova força de esquerda, na forma de movimento crítico da globalização, diferente em dois aspectos da esquerda que a precedeu. De um lado, suas estruturas transnacionais em rede, não hierárquicas, refletem as mudanças na forma do mundo, o que, sem dúvida, é um avanço em relação ao »internacionalismo« obsoleto, que ainda mantinha a nação como referência; de outro, as críticas e objetivos do movimento crítico da globalização, pelo menos em suas tendências principais, permanecem presos ao sistema de referências da lógica capitalista. A crítica é dirigida sobretudo ao neoliberalismo e ao domínio do capital financeiro, responsabilizando-os pela crise e pelas distorções socioeconômicas; portanto, a alternativa consiste no mito de um retorno ao capitalismo regulado de bem-estar, que devolveria à »economia real« um papel central.

A pesar dessa crítica redutora (ou talvez por causa dela) o movimento de crítica da globalização ajudou a modificar o clima social: o discurso hegemônico neoliberal foi cada vez mais questionado e ainda foi possível deter, pelo menos em parte, o desmantelamento do Estado social e as privatizações ou mesmo cancelar algumas medidas. Em muitos países da América Latina, na primeira década do milênio, partidos de esquerda conseguiram chegar ao governo e usaram a margem de distribuição aberta pelo boom do capital fictício para implementar uma série de melhorias sociais, legais e políticas para populações até então marginalizadas e desprotegidas.

9.

Com a crise financeira de 2008, no entanto, foi atingido o limite da era do capital fictício. O grande colapso do sistema financeiro internacional e da economia mundial atrelada a ele só foi evitado por meio de uma quantidade enorme de pacotes de salvamento estatais em favor do setor bancário e financeiro e da inundação do mercado com crédito barato dos bancos centrais. Foi nessa situação que a esquerda crítica da globalização se mostrou totalmente impotente.

A demanda por mais controle sobre os mercados financeiros e o fortalecimento da economia real se fez ouvir, após a crise, nos principais meios de comunicação oficiais e isso foi feito pelos governos; paralelamente, ocorreu uma mudança no clima social: o neoliberalismo, na defensiva, perdeu sua hegemonia para um novo tipo de keynesianismo. Na realidade, tratava-se apenas da música de fundo ideológica global dos programas de estímulo estatais, que tinha como objetivo, antes de tudo, sanear os bancos e retomar a acumulação fictícia a qualquer custo. As ideias políticas da esquerda crítica da globalização revelaram-se, assim, totalmente ilusórias. Não houve contenção do capital financeiro e nem o fantástico »retorno à economia real«, mesmo com esse mantra evocado por todos os espectros políticos. Não por falta de vontade política: simplesmente não existia qualquer base econômica para tal retorno. Devido ao nível exorbitante de produtividade que, por sua vez, resulta da dinâmica contraditória do capitalismo, o processo autorreferencial do capital não pode continuar por meio do emprego de força de trabalho na produção, mas depende a qualquer preço da acumulação de capital fictício.

10.

Os partidos de esquerda se viram obrigados a aceitar o plano de resgate para o setor bancário e financeiro ou mesmo a colaborar ativamente em sua execução, evitando o colapso da economia mundial. Só então eles perceberam que o desenvolvimento econômico tornou-se cada vez mais dependente da intervenção do banco central, que, por sua vez, não teve alternativa a não ser inundar o mercado financeiro com um fluxo gigantesco de dinheiro quase sem juros. Isso porque, após 2008, a acumulação de capital fictício no setor privado já não engatou e desde então, na prática, teve de ser subsidiada permanentemente pela política monetária (ver Lohoff/Trenkle 2012, p. 258 e segs.). A capacidade dos governos de controlar a política econômica, por outro lado, era extremamente limitada.

Além disso, o crescimento da dívida estatal, que alcançou níveis estratosféricos, especialmente nos países mais afetados pela crise, tendo em vista a socialização das perdas dos setores bancário e financeiro, confirmou mais uma vez a insanidade da linha dura neoliberal e sua política de austeridade. A situação mais grave ocorreu na Europa, onde alguns países, notadamente a Alemanha, emergiram como ganhadores na crise e agora impõem uma austeridade brutal e insensata aos países do sul europeu. O tratamento dado à Grécia foi especialmente amargo. Mesmo o governo do Syriza, eleito em reação a esse estado de coisas, se converteu, ante a chantagem dos sádicos da austeridade alemães, em executor das políticas contra as quais havia lutado ativamente.

11.

Os dissidentes de esquerda que criticam essa guinada chegaram a conclusões ideológicas ainda piores: estão alimentando a fantasia de que a solução é um retorno à »soberania nacional«, abandonando a zona do euro, a UE e outros contextos supranacionais. Essa ideia é, de fato, completamente ilusória, pois, de um lado, uma separação da rede de conexões globais é simplesmente impossível; de outro, teriam apenas consequências catastróficas para os países que se esforças-sem para implementá-la. No entanto, ela reflete a tendência perigosa e crescente de isolamento nacionalista, que, após a crise do euro – e agora também por causa das políticas díspares sobre o problema dos refugiados – arrisca desintegrar a União Europeia. A consequência dessa política »radical de esquerda« (propagada pelos dissidentes do Syriza, o grupo Lafontaine-Wagenknecht e outras esquerdas na Europa) não seria a restauração da soberania econômica e social dos países, mas um isolamento agressivo juntamente com o empobrecimento interno. Isso abriria caminho para regimes autoritários de crise semelhantes aos que já podem ser vistos na Rússia e na Hungria; a Polônia também parece ter seguido o mesmo caminho.

Esse nacionalismo regressivo, ao mesmo tempo, se mistura sistematicamente com os piores tipos de teoria da conspiração, nas quais os poderes misteriosos externos e forças secretas sempre sabotam políticas em defesa do »trabalho honesto« e contra a especulação. É a outra face de uma ilusão política totalmente infundada que só pode explicar seu fracasso através de personificações projetivas obscuras. Não por acaso, todos os estrategistas de frentes transversais podem facilmente construir a partir disso uma ponte para o antissemitismo aberto e o extremismo de direita.

12.

Essa oscilação entre submeter-se aos ditames da austeridade ou à regressão nacionalista alimentada por teorias da conspiração resulta da fixação na lógica básica da sociedade produtora de mercadorias. A esquerda que aceita sem pestanejar que a riqueza é produzida na forma de mercadorias, que, por sua vez, é apenas um meio para o fim da acumulação capitalista, pode ter apenas um programa para influenciar e controlar politicamente a dinâmica capitalista, de modo que a riqueza produzida nessa forma capitalista seja redistribuída com critérios de justiça social. Durante o boom do fordismo, essa política contava com uma legitimidade relativa e, em essência, ajudou a melhorar consideravelmente, pelo menos em alguns aspectos, as condições de vida e de trabalho de grande parte da população nos centros capitalistas. Na era do capital fictício, porém, ela se tornou uma perversa caricatura de si mesma. Isso porque, como já mencionei, é necessária uma quantidade sempre maior de recursos para manter em movimento a acumulação de capital, enquanto declina a quantidade de riqueza na forma de mercadorias que pode ser redistribuída socialmente. Em outras palavras: o que »realmente conta« é quase ridículo em comparação com os recursos e meios financeiros que devem ser gastos no funcionamento e na manutenção da máquina capitalista.

Enquanto for possível manter em movimento a acumulação de capital fictício,isso não só induzirá um crescimento mais ou menos forte na economia real (Lohoff, Trenkle, 2012, p. 147 e segs.), mas também vai gerar maior influxo de taxas e impostos, que podem dar ao Estado alguma margem de manobra financeira– e de modo algum é irrelevante o modo como ela é usada. Na disputa política, porém, a resposta atual da esquerda é extremamente limitada. Ela se orienta pelos padrões keynesianos clássicos: estímulo conjuntural mediante ampliação do poder aquisitivo das massas, programas públicos de investimento e ao mesmo tempo, uma distribuição mais justa da riqueza. Comparada ao fanatismo da austeridade neoliberal, essa alternativa é sem dúvida melhor, pois tem como objetivo a melhoria ou pelo menos a estabilização das condições sociais de grande parte da população. No entanto, ela é precária em ao menos dois aspectos.

Em primeiro lugar, tais programas de estímulo econômico só podem ter êxito, pelo menos no curto prazo, caso ganhem a famigerada confiança dos atores do mercado financeiro, que mantêm o dinheiro nos respectivos países. Não há dúvida de que os atores do mercado são, em geral, mais pragmáticos do que os ideólogos neoliberais na esfera política, uma vez que eles só se interessam pelo dinheiro, quaisquer que sejam os meios; apesar disso, a dependência imediata do capital fictício reduz fortemente o alcance da ação política. Podem ser implementadas basicamente as medidas que prometem ou que pelo menos não impedem êxitos econômicos de curto prazo e imediatistas. Por exemplo, medidas de política social ou de saúde, voltadas »apenas« às necessidades da população, levam rapidamente à redução da credibilidade do país, colocando em xeque todo o projeto de política econômica. Mesmo os governos »de esquerda« amiúde têm suas preocupações sociais e ecológicas quebradas quando surgem oportunidades para a criação de novos campos de investimento de capital.4

Em segundo lugar, mesmo esses projetos neokeynesianos encontrarão brutalmente seus limites o mais tardar com o próximo grande impulso da crise no mercado financeiro. Ninguém pode prever quando isso vai acontecer, mas é certo que ele ocorrerá e que será muito mais grave que a crise financeira e econômica de 2008. Como o ciclo atual do capital fictício alimenta os mercados com dinheiro sem custos dos bancos centrais, é bastante provável que este seja amplamente desvalorizado e que se produza uma hiperinflação global. Ainda que tal cenário não ocorra de imediato, os bancos centrais, eles próprios apoiados em montanhas de dívidas irrecuperáveis com outros bancos e Estados, terão muita dificuldade em absorver o impulso da crise com os meios adotados até aqui. E os governos já não poderão lançar programas de estímulo colossais como da última vez, já que, pela mesma razão, endividaram-se até o pescoço. Além disso, em uma situação crítica, seria difícil um acordo de intervenção de crise global por parte dos grandes Estados; as forças nacionalistas prevaleceriam, colocando em marcha uma dinâmica centrífuga de corrida pela delimitação e incitação mútua, que dissolveria não apenas as alianças internacionais, mas igualmente a associação supranacional da União Europeia. Com uma concorrência política negativa do salve-se quem puder, como se pode ver no fluxo de refugiados e no processo de desintegração armada no Oriente Médio, foi alcançada uma etapaqualitativamente nova e com dimensões extremamente perigosas do processo de crise.

13.

A situação é ainda mais dramática para a continuidade de uma esquerda que apregoa seus conceitos keynesianos como se fossem a última novidade e que amarra suas próprias mãos sem perceber. Novas possibilidades de ação só serão abertas com a perspectiva de superação do modo de produção e de vida capitalista, que ja não pode ter nada em comum com o merecidamente extinto »socialismo real«. Seu conteúdo pode ser apenas a produção, apropriação e distribuição da riqueza material-sensível e a reorganização das condições da vida social para além da produção de mercadorias, da valorização do capital e da administração estatal. Isso requer novas formas, procedimentos e instituições de discussão e de planejamento social, nas quais os indivíduos livremente associados possam decidir sobre o que lhes diz respeito, sem que seu horizonte de ação seja ditado pelas restrições reificadas e cada vez mais destrutivas da lógica da mercadoria e da “financiabilidade«. É claro que tais formas de associação livre de indivíduos em cooperação não podem surgir do dia para a noite, mas devem ser desenvolvidas e testadas em um processo de transformação social mais amplo. A questão que se coloca é onde identificar os possíveis pontos de partida que teriam relação com esse processo.

No que diz respeito ao desenvolvimento das forças produtivas e do conhecimento social, há possibilidades de um modo de produção descentralizado, mas conectado em termos globais e tecnicamente eficiente, organizado de acordo com critérios da razão sensível-material e compatível com a preservação dos fundamentos da natureza. Alguns exemplos já existem, como o fornecimento descentralizado de energia a partir de fontes renováveis; sob as condições atuais,porém, tais potenciais não podem se desenvolver porque a lógica capitalista tende a centralizar e formar grandes unidades de valorização, de modo que os projetos poupadores de recursos e a produção ecológica são compensados pelo aumento da produção voltada para a acumulação de capital (efeito rebote). Algo semelhante também ocorre com as tecnologias modernas de informação e comunicação que, dada sua capacidade de poupar trabalho, impulsionam o processo fundamental de crise do capitalismo, tornando cada vez mais pessoas »supérfluas« e destruindo as estruturas da vida social. Se fossem utilizados no sentido da produção da riqueza material e da satisfação das necessidades concretas-sensíveis, por outro lado, ajudariam a realizar um velho sonho da humanidade: o de uma sociedade na qual todos têm o suficiente para levar uma boa vida e dispor do tempo.

Uma tarefa muito difícil será desenvolver novas formas não hierárquicas de discussão e deliberação social, necessárias para realmente desenvolver tais possibilidades (para essa discussão, ver Meretz 2005). Essa tarefa só pode ser efetivada no contexto de um amplo setor alternativo e auto-organizado que rompa de modo consciente com a lógica da produção de mercadorias. Tentativas nessa direção já existem e se formam eventualmente no contexto das lutas sociais, sobretudo em situações de crise. Há exemplos na Grécia, onde surgiu em todos os âmbitos da vida social (saúde, habitação, cultura, produção, etc.) um grande número de iniciativas e redes auto-organizadas em resposta à crise e à política brutal de empobrecimento. Essas tentativas (tanto na Grécia como na Espanha, Argentina e outros lugares) sempre sofrem com pouco acesso a recursos sociais; além disso, sua ação é limitada por regulações legais e burocráticas e pela repressão estatal. Como não podem se desenvolver como alternativa social vigorosa, elas parecem uma »linha de defesa« improvisada para lidar com as consequências da política de austeridade. É aqui que se abrem novas alternativas de ação para uma esquerda que entende a si própria como força emancipatória à altura do tempo atual: ela deve fazer o possível para melhorar as condições materiais, legais e sociais das novas formas de solidariedade auto-organizada e emancipatória, a fim de criar as bases de uma alternativa ao modo de produção e de vida capitalista e com a perspectiva de superá-lo.

14.

Alianças eleitorais como Syriza e Podemos, surgidas nos movimentos de protesto social, poderiam desempenhar um papel importante aqui e se destacar como alternativa real à política convencional dos partidos da esquerda. Isso, no entanto, requer uma mudança radical de perspectiva e uma nova autocompreensão. Tanto Syriza quanto Podemos estão prestes a se transformar em partidos perfeitamente convencionais, que procuram colher o legado da velha social-democracia. Muito rapidamente, reproduziu-se a divisão clássica do trabalho, que marcou os últimos 150 anos, entre movimento social e partido político, que consiste essencialmente no primeiro se deixar reduzir a um estado de inferioridade e de impotência em relação ao segundo. O plano da generalidade social é, portanto, deixado à representação parlamentar, que promete traduzir as demandas dos movimentos sociais em projetos de reforma política, programas de ação estatais e regulamentações legais. Em última análise, isso é o mesmo que reconhecer não só a produção da riqueza capitalista como forma social geral, mas também que os partidos, como »candidatos ao governo«, supostamente seriam cada vez mais forçados a se acomodar aos fatos, enquanto os movimentos sociais se dissolvem ou saem da cena.

Na época do movimento de ascensão capitalista, a autolimitação dos movimentos sociais e o abandono dos rudimentos de auto-organização ainda estavam em sintonia com reformas sociais ou jurídicas que conduziram a melhorias relativas nas condições de vida ou que, pelo menos, faziam disso uma promessa plausível. Hoje, no entanto, quando o reformismo, no antigo sentido do termo, já não tem perspectiva, é preciso uma guinada radical. Os movimentos sociais emancipatórios já não devem enxergar a si próprios como etapa de transição para a construção de partidos ou como organizações de base das suas representações parlamentares, aceitando que sejam tomadas em seu nome no plano político as decisões socialmente relevantes. Em vez disso, devem se enxergar como atores sociais relevantes que lutam com todos os meios para ampliar as estruturas solidárias, a auto-organização social, a fim de reduzir gradualmente a condição de inferioridade que leva, de um lado, à delegação de todas as tarefas públicas essenciais ao Estado e, de outro, à economificação de quase todas as relações sociais.

15.

Nas condições do processo de crise capitalista, um movimento emancipatório não pode simplesmente abandonar e ignorar o plano da política e do Estado. A orientação de conteúdo das lutas nesse terreno, apesar disso, deve ser completamente diferente do que tem sido até agora. Por um lado, é preciso canalizar o máximo de recursos materiais e financeiros para o setor auto-organizado (edifícios, meios de produção, etc.) e melhorar as condições básicas para que este se consolide e se desenvolva; mas, ao mesmo tempo, é essencial defender o padrão existente de direitos sociais contra quem pretende eliminá-los. Mesmo que o setor de auto-organização social cresça e se fortaleça, o Estado ainda será um ator central por algum tempo, com capacidade para definir e garantir as condições gerais de vida no capitalismo de crise. Portanto, é claro que a luta contra a privatização dos serviços públicos, contra a redução dos benefícios sociais ou das medidas estatais de controle será de extrema importância.

Os pressupostos dessa luta mudam fundamentalmente quando são combinados com uma nova perspectiva emancipatória de superação da sociedade capitalista. Antes de tudo, porque dessa forma ela perderia seu caráter puramente defensivo, que a caracteriza enquanto tenta apenas renovar o venerável Estado social e regulatório, ainda que não acredite nele. Mesmo como luta defensiva , ela pode ser mais efetiva se colocar de modo consistente a satisfação geral das necessidades concretas-sensíveis no centro, em vez de ser justificada a partir de considerações de política econômica derivadas de um keynesianismo mofado.

Ela ganha, assim, em capacidade de propagação, ajudando a superar a fragmentação particularista de diferentes lutas de interesses muitas vezes concorrentes e, ao invés disso, une forças. Em segundo lugar, um setor de auto-organização social fortalecido é também uma base prática para disputar os conflitos sociais, pois oferece não apenas garantia material, mas também sua própria infraestrutura de apoio solidário, bem como espaços de refúgio contra a repressão. Isso significa que as lutas salariais e trabalhistas, que permanecem importantes enquanto a maioria da população continuar, de algum modo, dependente da venda da força de trabalho, podem se tornar novamente mais solidárias e exitosas do que as atuais.

16.

Esta orientação da emancipação social implica uma relação com o Estado e com a política completamente diferente da que prevaleceu na esquerda tradicional. O leninismo, em particular, acreditava que qualquer forma de auto-organização se subordinava ao objetivo da conquista do poder de Estado para, em seguida, desaparecer ou ser dissolvida pela força. Hoje em dia, pelo contrário, o centro das ações políticas deve ser a criação e o desenvolvimento do setor auto-organizado como base da superação do modo de produção e de vida capitalista. É nessa perspectiva que as lutas devem ser conduzidas no plano político-estatal. Para Lenin e o marxismo tradicional, a morte do Estado era apenas um sonho distante . O conteúdo atual da emancipação social consiste na retração gradual do Estado na sociedade.

Tal orientação decorre diretamente da nossa situação histórica. No início do século XX, o Estado estava iniciando um desenvolvimento que se afirmaria em muitas partes do mundo como a universalidade abstrata que regulava quase todas as áreas e interesses da vida social. Desse modo, ainda podia parecer decisivo conquistar o poder de Estado por meio de eleições ou de uma revolução e, a partir dele, transformar a sociedade.

Hoje sabemos não só que essa estratégia fortaleceu o domínio capitalista, como muitas vezes teve consequências terríveis. Nas condições da crise fundamental do capitalismo, ademais, o que ocorre diante dos nossos olhos é a perda do caráter de universalidade abstrata do Estado. Em alguns casos, ele se desintegra e deixa o campo livre para o domínio de organizações criminosas e gangues, com as quais, pelo menos uma parte do aparelho estatal forma alianças rentáveis; em outros, abdica de todas as tarefas necessárias à garantia das condições gerais de vida, preservando apenas as funções repressivas usadas para organizar a exclusão social. Os dois processos tendem a se confundir e, no pior dos casos, conduzem a uma dinâmica centrífuga entre forças regressivas concorrentes, que, por sua vez, se transforma em guerra civil latente ou aberta. Portanto, a luta atual pela emancipação social é essencialmente uma luta por alternativas à crescente destruição dos fundamentos materiais da vida e contra a desintegração regressiva da sociedade no processo de crise capitalista. Ser de esquerda hoje significa lutar pela deposição emancipatória do Estado e da produção de riqueza capitalista.

Notas 

1 Publicado com o título: Die Abwicklung des Kapitalismus (A liquidação do capitalismo) em: Widerspruch. Münchner Zeitschrift für Philosophie, nº 61/2015, pp.

37–54.

2 O primeiro número de Krisis apareceu em 1990, em continuidade com a antiga revista Crítica Marxista, publicada desde 1986. Ela existiu como publicação regular até 2010, contando 33 volumes [NdT].

3 Para uma análise da desintegração da Iugoslávia a partir do ponto de vista resumido aqui, cf Ernst Lohoff (1996).

4 O exemplo do governo dos Kirchner na Argentina é instrutivo. Tirou o país da miséria econômica antes de tudo e com razão ao se recusar a pagar os empréstimos acumulados de investidores financeiros privados. Em segundo lugar, isso só foi possível porque grande parte desse país enorme e escassamente povoado foi transformada em plantações de monocultura de soja e outros produtos, a fim de gerar as receitas cambiais necessárias via exportação. Embora isso tenha ajudado a estimular a economia do país e a melhorar o sistema social, as consequências são catastróficas do ponto de vista ecológico e da saúde da população rural. Além disso, essa estratégia de política econômica está chegando agora ao seu limite, o que provavelmente explica a derrota do partido dos Kirchner.

Bibliografia

Kurz, Robert (1991): Der Kollaps der Modernisierung, Frankfurt 1991.

Lohoff, Ernst (1996): Der dritte Weg in den Bürgerkrieg. Jugoslawien und das Ende der nachholenden Modernisierung, Horlemann-Verlag, Bad Honnef 1996.

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Lohoff, Ernst/Trenkle, Norbert (2012): Die große Entwertung. Warum Spekulation und

Staatsverschuldung nicht die Ursache der Krise sind, Münster 2012.

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Stahlmann, Johanna (1990): Die Quadratur des Kreises. Funktionsmechanismus und Zu-sammenbruch der sowjetischen Planökonomie, in: Krisis 8/9, Erlangen 1990.

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Trenkle, Norbert (1993): Der demokratische Mauerbau. Elendsmigration und westlicher

Abgrenzungswahn, in: Krisis (Hg): Rosemaries Babies, Bad Honnef 1993.

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http://www.krisis.org/2015/gottverdammt-modern/

Trenkle, Norbert (2015b): Arbeit in Zeiten des fiktiven Kapitals

http://www.krisis.org/2015/die-arbeit-in-zeiten-des-fiktiven-kapitals/

🌍 Emancipação em Tempos Finais:

Crise do Capitalismo e os Horizontes da Autonomia Social

“Ser de esquerda hoje significa lutar pela deposição emancipatória do Estado e da produção de riqueza capitalista.”

— Norbert Trenkle

Introdução editorial

O que significa resistir em uma época em que o próprio capitalismo parece estar se dissolvendo em sua crise terminal? Esta pergunta atravessa o ensaio radical de Norbert Trenkle, publicado originalmente na revista Krisis e agora acessível ao público brasileiro. Em vez de buscar saídas no passado — no velho keynesianismo ou na tomada do Estado —, o autor aponta para outro horizonte: a auto-organização social como forma viva de emancipação.

1. Depois do fim da história

Com o colapso do “socialismo real”, nos anos 1990, o Ocidente Capitalista acreditou ter vencido a batalha ideológica. Mas, como afirma Trenkle, não houve vencedores: apenas o colapso de um sistema que já não servia à lógica da valorização do capital. O verdadeiro ponto de virada viria no esgotamento do próprio modo de produção capitalista diante da revolução tecnológica e da expulsão do trabalho vivo.

2. Capital fictício e a bolha da ilusão

A resposta à crise veio pela via financeira: títulos, ações e dívidas substituíram a produção como motores do crescimento. Mas isso criou um mundo suspenso em capital fictício — um “mercado de fantasias” que não gera valor real, mas apenas posterga a explosão. A crise de 2008 revelou esse esgotamento estrutural. Outras bolhas estão para vir, isto é mais do que claro.

3. O trabalho esvaziado e a nova miséria

A valorização sem trabalho levou à precarização extrema, ao desemprego estrutural e ao colapso da política social. A força de trabalho tornou-se dispensável — e com ela, também o velho pacto do Estado de bem-estar. Em seu lugar, surgiram repressão, exclusão e o retorno das ideologias nacionalistas e fundamentalistas.

4. A esquerda que perdeu o chão

Presos à lógica da mercadoria e da “economia real”, muitos partidos de esquerda apostaram na retomada de um keynesianismo mofado — sem perceber que as bases materiais dessa política já não existem. Syriza, Podemos, Lula, mesmo quando bem-intencionados, não puderam conter a voragem da financeirização.

5. As sementes da emancipação

Contra esse pano de fundo de escombros, Trenkle propõe um outro caminho: fortalecer redes de solidariedade autônoma, produção descentralizada e formas de cooperação baseadas nas necessidades humanas concretas. Não se trata de simplesmente negar o Estado, mas de criar hoje, agora, alternativas vivas que possam sobreviver e florescer à sua sombra — e, com o tempo, superá-lo.

6. Resistência ativa e construção de futuro

O horizonte emancipatório está em um setor social auto-organizado, que combine:

Apoio material (infraestrutura, recursos, redes financeiras ) Resistência ativa à austeridade e à repressão. Expansão de formas de vida não mercantis. Experiências comunitárias .

Essa luta não é meramente política: é uma batalha pela reprodução da vida, contra a lógica mortífera do capital.

Conclusão : ser de esquerda hoje

A crítica de Trenkle é dura, mas necessária. Ela exige que nos libertemos das velhas ilusões — e abracemos a tarefa histórica de inventar outra sociedade, não baseada na mercadoria, no Estado ou na valorização do valor. O novo nasce das ruínas do velho!

A emancipação começa onde termina a fantasia do progresso capitalista.

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Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
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