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COP30 em BELÉM: um crime contra a democracia climática-Paulo Baía

arlindenor pedro
Por arlindenor pedro 7 leitura mínima

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A COP em BELÉM: um crime contra a democracia climática- um artigo de Paulo Baía

A COP de Belém nasceu no coração da Amazônia como promessa de dar voz à floresta e aos povos que a habitam. Mas rapidamente se transformou em armadilha de especulação e exclusão. A escolha de Belém como sede da conferência tinha um sentido simbólico, um gesto de reconhecimento da centralidade amazônica para o futuro da humanidade.No entanto, a cidade já não consegue suportar o peso dessa responsabilidade.Desde janeiro de 2025, a crise de hospedagem vem crescendo silenciosa, até se tornar um escândalo internacional.

O que deveria ser um encontro de cooperação global pela vida está prestes a ser lembrado como a conferência da exclusão.

Os preços da rede hoteleira explodiram. Hotéis que antes cobravam valores acessíveis passaram a pedir cifras exorbitantes. Há relatos de diárias acima de mil dólares, chegando a até quatorze mil dólares por noite. Aluguéis de casas e apartamentos multiplicaram-se por dez, em alguns casos por quinze vezes. A especulação imobiliária tomou conta de Belém e expulsou moradores antigos de suas casas, enquanto delegações internacionais, jornalistas e ativistas se veem diante de barreiras intransponíveis para participar do encontro. Não é apenas turismo predatório, é uma forma de expulsão social e simbólica: a cidade transformada em vitrine para poucos, às custas do silêncio da maioria.

Delegações de países africanos e organizações da sociedade civil já manifestaram preocupação. Muitas correm o risco de não comparecer. A ONU, em reuniões de emergência, alertou para a gravidade da situação. O teto de diárias previsto para delegados de países pobres, cerca de 150 dólares, não cobre sequer metade do que está sendo cobrado em Belém. Para muitos, a conferência se tornou financeiramente inviável. A alternativa cogitada de acomodar parte das delegações em navios de cruzeiro ancorados no porto soa mais como improviso desesperado do que como solução digna.

O governo brasileiro insiste em manter o evento em Belém. Reafirma que não há plano B. Argumenta que retirar a COP da Amazônia seria uma derrota simbólica. Mas a insistência em ignorar a realidade logística transforma o gesto político em contradição. Não basta afirmar a centralidade da Amazônia se os povos amazônicos e as vozes do Sul global não puderem participar. Uma conferência climática esvaziada de diversidade, onde apenas governos ricos, corporações e grandes ONGs internacionais conseguem se instalar, não cumpre o papel democrático que a COP deveria ter.

Essa crise revela muito mais do que falhas de planejamento. Ela escancara as relações de poder que marcam o debate climático internacional. A exclusão de países pobres e de movimentos sociais não é acidente, mas resultado direto da mercantilização da cidade e da submissão do espaço público às lógicas privadas. A Amazônia, transformada em cenário de espetáculo, é mais uma vez colonizada, desta vez pelo mercado hoteleiro e imobiliário. O povo de Belém, que deveria ser protagonista, é empurrado para as margens. Indígenas, ribeirinhos, quilombolas e jovens urbanos, convidados retoricamente para participar do encontro, descobrem que não há lugar para eles, a não ser como figurantes em uma peça global já escrita.

O colapso da hospedagem em Belém não é detalhe logístico, é decisão política. Ao não intervir para conter a especulação, o governo federal deixa claro que a prioridade não é a participação popular, mas a manutenção da imagem. O discurso de defesa da Amazônia se esvazia diante da incapacidade de garantir condições mínimas de acolhimento. O resultado pode ser desastroso: uma COP30 lembrada não pelo avanço das negociações climáticas, mas pelo fracasso em dar espaço às vozes que mais precisam ser ouvidas.

O risco é enorme. Uma conferência esvaziada de diversidade será incapaz de responder à crise climática. O encontro que deveria simbolizar inclusão, cooperação e urgência global pode se transformar em vitrine de exclusão, improviso e desigualdade. O grito que ecoará da Amazônia não será o da vida, mas o da ausência.

Ainda há tempo de corrigir, mas o tempo é curto. Se nada mudar, a COP30 em Belém não será lembrada como a celebração da floresta, e sim como o crime contra a democracia climática: a conferência onde o futuro do planeta foi negociado a portas fechadas, em quartos caríssimos, inacessíveis à maioria da humanidade.

E aqui cabe um alerta que não pode ser silenciado. A transferência da COP30 para cidades com infraestrutura sólida, como São Paulo, Belo Horizonte ou Brasília, seria um gesto de responsabilidade política e de mitigação da vergonhosa especulação que hoje envergonha Belém do Pará. Não seria uma derrota simbólica, mas uma vitória prática: assegurar que o debate climático ocorra em condições reais de participação, inclusão e dignidade. A Amazônia continuaria a ser tema central da conferência, mas sem que o palco se transformasse em barreira. Transferir a COP não seria abandonar a floresta, seria resgatá-la da armadilha montada pela exploração econômica e pelo improviso. O verdadeiro crime não está em mudar a sede, mas em insistir em manter uma conferência global sob as sombras da exclusão e da injustiça.

Paulo Baia é Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ

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Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
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