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quando a câmera de vídeo de um youtuber mobiliza a opinião pública e leva o Poder Legislativo a agir para proteger crianças contra exploração sexual


Vivemos uma era em que a lente de uma câmera pode ter o mesmo – ou maior – poder do que o microfone de um parlamentar. Com uma câmera nas mãos e coragem na voz, o youtuber Felca protagonizou recentemente um dos episódios mais impactantes do cenário digital brasileiro ao denunciar, em vídeos amplamente compartilhados, a normalização e a exposição de conteúdos com apelo pedófilo em redes sociais e plataformas de vídeos.
Ao ligar a câmera e expor um mundo que muitos preferem ignorar, Felca rompeu o silêncio e colocou um holofote sobre uma questão urgente: o uso de crianças como objeto de fetichização em ambientes digitais. O mais chocante não foi apenas o conteúdo em si, mas o fato de que ele estava, em muitos casos, ao alcance de qualquer clique – e supostamente protegido por algoritmos que deveriam impedir esse tipo de disseminação.
Diante da repercussão, a Câmara dos Deputados foi forçada a agir. Não se tratou de um movimento espontâneo de sensibilidade legislativa, mas de uma reação provocada pela pressão popular que se formou a partir da viralização dos vídeos. Parlamentares se manifestaram, audiências públicas foram convocadas, projetos de lei adormecidos ganharam nova vida. A Comissão de Segurança Cibernética, por exemplo, iniciou debates urgentes sobre responsabilidade das plataformas e a criminalização mais severa do consumo e promoção de conteúdo de apelo pedófilo.
O trocadilho não poderia ser mais apropriado: foi a câmera, neste caso, quem enquadrou a omissão – e obrigou a Câmara a sair do foco desfocado da inércia. A denúncia de Felca escancarou não só a existência de crimes repugnantes na internet, mas também o abismo entre a velocidade da produção de conteúdo digital e a lentidão das estruturas legislativas em enfrentá-los.
É importante destacar que esse movimento não é apenas uma vitória da exposição, mas da coragem. Ao se arriscar e usar sua influência para denunciar um problema sistêmico, Felca rompeu a bolha do entretenimento e mostrou que criadores de conteúdo podem, sim, ser agentes de transformação social.
Agora, a responsabilidade está nas mãos dos legisladores. Não basta agir sob pressão momentânea. A Câmara precisa sair do papel de coadjuvante e assumir o protagonismo na criação de políticas públicas e marcos regulatórios que protejam as crianças no ambiente digital. A legislação brasileira ainda engatinha quando se trata de crimes virtuais, especialmente os que envolvem crianças e adolescentes.
Que a lente de uma câmera continue servindo como instrumento de denúncia contra o submundo do crime – mas que a Câmara finalmente entenda o seu papel de ser mais do que uma plateia reativa.
O Brasil precisa de uma legislação que esteja tão vigilante quanto os olhos que hoje assistem às imagens que denunciam e exigem mudança.

Etevaldo Mendes do Nascimento é Bacharel em Direito, pós-graduado em Docência do Ensino Superior pela UFRJ e especialista em Direito do Consumidor.
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