Quando coloquei a mão no bolso e vi que o meu Iphone4 não estava mais lá, e que simplesmente tinha sido pungado, sinceramente: foi como se o mundo tivesse acabado. Nem a música contagiante do Bloco das Carmelitas que cantava com alegria o que era a dor dos que perderam o Bonde, pode me devolver o bom humor!
Definitivamente, o carnaval tinha acabado para mim, naquela tarde, nas calçadas de Sta. Teresa.
Como poderia viver sem o meu IPhone de última geração ? ( bem que depois eu soube que ele já tinha sido ultrapassado por um bem melhor, o Iphone4S). Como geraria rede WF para o meu IPad2? Como receberia em tempo real os meus emails? Tinha agora que ligar para operadora, bloquear o meu chip, bloquear o aparelho e voltar a ser um simples mortal: um sem Iphone. E refleti: como eu me tornei dependente dessa maquininha de comunicação da era digital?
Como todos, algumas semanas atrás, tinha tomado ciência e ficado consternado pela morte do fundador da Apple, Steven Jobs, após uma longa luta contra o câncer. Tratava-se, sem dúvidas, pensava eu, de um personagem importante da minha geração – a geração pós-guerra – e um dos pilares da 3º Revolução Industrial, a revolução digital, que preparou o mundo para uma nova forma de ser e viver . Um mundo de bits e bytes: a chamada Era do Conhecimento, que veio a substituir a Era Industrial, dentro do modo de produção capitalista.
A morte sempre é um assunto delicado para todos os seres humanos, e, existem muitas pessoas que não entendem como ela ainda pode acontecer dentro de um quadro com tantos avanços tecnológicos e, segundo eles, com a total submissão da natureza. E isto se deu também com Steven Jobs, que lutou com garras e energias para que a morte não chegasse.
Steven Jobs, assim como Bill Gates, Mark Zuckerberg, Sergey Brin, Larry Page, e outros, fazem parte da galeria de jovens que ao seu tempo deflagraram atitudes para o estabelecimento de uma Nova Era.
Enquanto nas ruas havia um processo de mudança de comportamentos – a revolução dos anos sessenta, nas garagens, eles promoviam uma outra revolução – a revolução do computador pessoal. Eles estão para o mundo digital assim como Henri Ford, Henri Fayol e Frederick Taylor estão para era industrial, do século passado.
Na verdade, esta relação conflituosa do homem com a morte faz parte da história humana e sempre ocupou a mente dos mais importantes filósofos, desde os profundos confins das “calendas gregas”.
Acredito, como alguns deles, que isto faz parte da intrincada relação entre os deuses Dionísio e Apolo, que na Grécia primitiva estavam em equilíbrio. Mas, notadamente após Sócrates, Platão e Aristóteles, pendeu para a construção de um mundo que se transformou no “império da razão”, com o predomínio dos conceitos apolíneos.
Desprezo interpretações simplistas acerca dos efeitos maléficos da chamada revolução digital. Não a menosprezo, e sou um entusiasta dos benefícios dos avanços científicos para humanidade, e suponho seja por isso que gostava tanto do meu falecido IPhone4. Portanto, não me comporto como os operários do início da revolução industrial que quebravam as máquinas, pois as julgavam causadoras da onda de desemprego que o capitalismo criou nos seus primórdios.
Mas, em momento algum me oriento para o conceito de que está no domínio absoluto da ciência a panacéia da libertação do homem sobre o seu maior predador – o próprio homem.
A vida mostra que isto não é verdade. Pelo contrário! O “esclarecimento” visto aqui como o Iluminismo, não libertou o homem com as luzes do seu conhecimento, como pensava Platão, afastando-o daquilo que o impedia de ver a realidade. Na verdade, apenas substituiu o deus, das religiões primitivas e da Idade Média, para um outro deus, onipotente e infalível – a ciência.
Foi criando, então, um mundo mais desigual ainda; mais automatizado, onde todos são meramente consumidores e onde o próprio trabalho, entendido aqui, como o trabalho abstrato, formado no mundo erigido pela burguesia liberal,essência até então da relação entre os possuidores e os despossuidos, abre espaço para uma nova lógica produtiva.
Nessa nova logica produtiva, onde assistimos ao casamento entre ciência, tecnologia avançada e grandes investimentos, podemos antever um futuro, um futuro muito próximo, em que este trabalho abstrato será desnecessário, lançando a humanidade em um era de trevas sem precedentes. Como diria o filósofo Roberto Schwarz, comentando o livro do pensador alemão Robert Kurz, ” O colapso da modernização “:
” a mão de obra barata e semiforçada com base na qual o Brasil ou a União Soviética contavam desenvolver uma indústria moderna ficou sem relevância e não terá comprador.Depois de lutar contra a exploração capitalista, os trabalhadores deverão se debater contra a falta dela, que pode não ser melhor.b,Ironicamente a exaltação socialista do herói proletário e do trabalho consagrava um genero de esforço históricamente já obsoleto, de qualidade inferior e pouco vendável, superado pelo capital e não pela revolução.” ( Roberto Schwarz, em artigo na Folha de São Paulo)
Esse conhecido axima da obra de Adorno e Max Horkheimer, “A dialética do Esclarecimento”, resume bem tal situação:
“Num sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar o homem do medo e investi-lo na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal”.
Pergunto, então: por que, dispondo o homem de um conjunto monumental de conhecimento técnico, de instrumentos científicos fantásticos, mantém um mundo desigual, famélico, miserável, instável e sem perspectiva de futuro?
Sei que se torna difícil argumentar em um plano de intensas paixões, onde a mídia, que está sempre criando heróis para o consumo midiático, nos embaça os sentidos e nos afasta da realidade.
Mas temos que ver a Apple, Windows, Facebook, Google, IBM, etc., todos dentro da lógica do mercado e da necessidade que tem o capitalismo em tentar racionalizar cada vez mais o processo produtivo de mercadorias.Nada de novo sob o sol. Trata-se de ferramentas utilíssimas dentro do quadro capitalista. Servem para o bem ou para o mal (detesto esta comparação maniqueísta, mas… vamos lá!). Torna-se imprescindível, então, saber quem está no controle.
E na verdade, todos nós sabemos que os avanços científicos não se têm voltado para o bem estar da humanidade, mas para a perfeição dos instrumentos, que se não surgir uma outra lógica, irão nos levar, como já está levando, à barbárie.
Não tem sentido a visão de “progresso” visto apenas dentro do quadro dos avanços científicos.
Foi esse “canto de sereia” que seduziu os lideres das Utopias modernas tais como o chamado “socialismo real” da U. Soviética, da Alemanha do Nacional Socialismo e da Itália Fascista, e hoje enche os ouvidos da China oriunda do Maoísmo. Em ultima instancia, diria Guy Debord: “tudo acaba se sujeitando ao Império da Mercadoria”. Acabam todos reduzidos a animais na busca da felicidade através do consumo desenfreados de bens de consumo, a exemplo das guerras de facções do tráfico no Rio de Janeiro ou nas explosões de ruas dos jovens excluídos, nos guetos de Londres ou Paris.
Steven Jobs não cursou até o fim a Universidade. Nesse sentido seguiu um caminho semelhante ao do nosso presidente Lula, que também não precisou de um diploma para obter êxitos na política. Ambos deram maior valor ao espírito intuitivo, que os levou, em suas áreas, à vanguarda de ações práticas.
Mas, em determinado momento de suas vidas públlica renderam-se à Coruja Ateniense, recebendo comendas nas grandes catedrais do conhecimento- as Universidades, que na verdade costumam ser as avalistas das trajetórias dos grandes personagens da sociedade em que vivemos. Homenagens àqueles que contribuíram para um chamado “mundo melhor”, segundo a sua perspectiva, fazendo hoje o mesmo papel que o Papa fazia, ou mesmo os reis com suas comendas, nas sociedades passadas.
Para melhor conhecer esses personagens sugiro que procurem o filme “Piratas do Vale do Silício”em alguma locadora.
Piratas do Vale do Silício é um filme feito para a televisão, pela TNT, escrito e dirigido por Martyn Burke. Baseado no livro Fire in the Valley: The Making of The Personal Computer, de Paul Freiberger e Michael Swaine, o filme oferece uma versão dramatizada do nascimento da era da informática doméstica, desde o primeiro PC, através da histórica rivalidade entre a Apple e seu Macintosh e a Microsoft, indo desde o Altair 8800 da empresa MITS, passando pelo MS-DOS, pelo IBM PC e terminando no Microsoft Windos.
Trata-se de um filme interessante, onde veremos que a logica que impulsionou aqueles jovens está inteiramente calcada no casamento entre ciência,capital e tecnologia , que é o fundamento da sociedade de mercado contemporânea
Não está na concepção “progressista” a formula do desenvolvimento da humanidade, que assiste perplexa a volta de atitudes totalmente inumanas com o uso de tecnologias de ponta. Fico aqui com as palavras do filósofo:
“A humanidade não representa um desenvolvimento rumo ao melhor ou ao mais forte ou ao mais elevado tal como hoje se acredita. O “progresso” é meramente uma idéia moderna, ou seja, uma idéia errônea. O valor do europeu de hoje fica muito abaixo do europeu da Renascença; não há qualquer relação necessária entre evolução e elevação, intensificação, fortalecimento ( F.Nietzche )
Serra da Mantiqueira, novembro de 2011
Arlindenor Pedro