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A verdade do Torturador

arlindenor pedro
Por arlindenor pedro 6 leitura mínima

Banalidade do mal é uma expressão criada por Hannah Arendt, teórica política alemã, de origem judaica , falecida em 1975, em seu livro Eichmann em Jerusalém, cujo subtítulo é “um relato sobre a banalidade do mal”.

Arendt, morando nos Estados Unidos, após a derrota do regime nazista, cobriu o processo de Eichmann, que havia sido sequestrado pelas forças de segurança de Israel em 1960 na Argentina ( para onde tinha fugido após o final da guerra ), numa série de cinco artigos para a revista The New Yorker.

Transformado- os em um livro, que publicou em 1963, obteve um grande sucesso devido ao tema que pôs em destaque : a banalidade de atitudes eminentemente desumanas, como por exemplo, o holocausto do povo judeu efetuado pelo Estado Nazista .

Segundo o seu relato nos artigos , para surpresa de muitos, e a oposição das autoridades judaicas durante o processo, em vez do monstro sanguinário que todos esperavam, viu emergir a figura de um mero funcionário, um simples burocrata, que diz para os que o julgam que tudo o que fez foi para cumprir a lei, a ordem estabelecida pelo regime nazista .

Numa mescla brilhante de jornalismo político e reflexão filosófica, Arendt nos mostra , através das ações de Eichmann , a capacidade que tem o Estado de igualar o exercício da violência homicida ao mero cumprimento da atividade burocrática.E é justamente aí que descobre a banalidade do mal , que se repete em qualquer Estado , que funciona como opressor dos homens .

Diariamente vemos a prova disto , imersos nas nossas obrigações de cidadãos , tornado-nos cada vez mais insensíveis num mundo onde a banalidade do mal se faz presente com uma crescente intensidade , na nossa ânsia pela sobrevivência .

Mesmo que olhemos com horror as tropas fanáticas de fundamentalistas muçulmanos a cortar cabeças de seus inimigos , no outro lado do mundo , fechamos os olhos, aqui no nosso país , ao extermínio constante de pobres na periferia , por ser uma pratica cotidiana a ela ter-se tornado banal na nossa existência de relação com o Estado . Meramente, seguimos com nossas obrigações !

Creio que tal pensamento é recorrente quando assistimos ao depoimento prestado à Comissão Nacional da Verdade pelo Coronel do Exército Brasileiro Paulo Malhães , que atuou com destaque na repressão aos opositores da Ditadura Militar de 1964, e que trazemos em vídeo para vocês que nos acompanham neste blog .

Enganam-se aqueles que esperam , como esperava a opinião pública com Eichmann , encontrar um homem monstruoso , um ser disforme que não sabia o que estava fazendo . Pelo contrário , vão encontrar um ser inteligente , articulado, com família, filhos , que fez uma carreira brilhante no Exército .

Vocês verão que em diversos momentos do depoimento , perguntado pelo representante da Comissão se sentia algum arrependimento pelo que fez , ele repete sempre : não , apenas cumpri com o meu dever como membro do Exército ! Reparem : ele não se escudou no fato de cumprir ordens ! Ele achava que suas ações , os sequestros , as torturas , as mortes , faziam parte de um contexto – eram necessárias !

Desta forma, anula-se ai o homem, o ser livre , pretensamente dotado de livre arbítrio . Emerge então o burocrata , o ser que sustenta a máquina de um sistema impessoal , que vai além dele ,transformando-o em mero executor racional de um processo onde o que importa é a sua manutenção, sem qualquer contestação aos meios empregados.

Como Eichmann , Malhães se vê como um injustiçado : como condenar um funcionário público, honesto e obediente, cumpridor de metas, que não fizera mais do que agir conforme a ordem legal vigente na Alemanha daquela época? Na verdade , era isto o que o povo alemão esperava dele, dizia o funcionário nazista !

Como perseguir e criticar um oficial do Exército , graduado com as melhores notas em todos os curso , detentor de várias medalhas, que se posicionou contra os guerrilheiros que queriam dividir o país ? Ele apenas queria cumprir da melhor forma possível o seu papel de defensor da ordem estabelecida , nos diz candidamente o coronel , no vídeo da Comissão da Verdade !

No dia 24 de abril de 2014 o coronel reformado Paulo Malhães, torturador e assassino confesso, foi morto, asfixiado , em sua casa em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro , em um crime que até hoje não foi esclarecido . Ele vinha sofrendo ameaças, e o crime ocorreu logo após aos seus depoimentos, que foram estampados na midia .

Com ele se foram as respostas que a Comissão queria para trazer à tona a verdade dos dias sombrios da ditadura . Mas ficou este depoimento : um importante material de reflexão da transformação do homem em fera !

Serra da Mantiqueira, novembro de 2014
Arlindenor Pedro

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Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
1 comentário
  • Triste episódio na vida de nosso País. Não era necessária tanta violência para conter os então “guerrilheiros”. Era apenas necessária cassar-lhes os direitos políticos e preservar-lhes o direito à vida. Se necessário fosse que ficassem presos mas jamais mortos. A pena de morte é prevista em nosso CPM em casos de traição à Pátria que tenha resultado em perdas insubstituíveis, Ora, os revoltosos apenas queriam ter seu espaço na esfera política e apesar dos crimes que cometeram o fizeram baseadas num princípio legal da quebra do poder constitucional. Erraram feio os militares da época, apesar de seus longos discursos justificativos.

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