“Negatividade e Ruptura : Configurações da Crítica de Robert Kurz ” é o título da Disertação apresentada por Rigardo Pagliuso Regatiere para a obtenção do título de Mestre de Sociologia na Universidade de São Paulo que deu origem ao livro com o mesmo nome editado pela Editora Annablume/FAPESP.
Quando do seu lançamento , publicamos aqui uma resenha do livro escrita por Valeria Dias , e agora sentimos a necessidade de trazer para vocês um de seus Ensaios : ” Desventuras e aventuras do marxismo” ( o livro compõem-se de quatro Ensaios ).
Segundo o autor, discorrendo sobre as características deste Ensaio , ” o pensamento de Marx foi durante anos amoldado a instrumento de luta política, e nesse processo ganharam centralidade questões como a luta de classes, a tomada do poder ou a luta por reconhecimento. Sai do primeiro plano, por um período, a crítica do valor e do fetichismo, dando lugar à preocupação com a condução da revolução ou com a obtenção de melhoria de vida para a classe trabalhadora no âmbito do próprio capitalismo”
A abordagem desenvolvida pelo autor sobre o desenvolvimento do pensamento marxista e a sua transformação em instrumento de luta para os movimentos comunistas dos séculos XIX e XX e a intervenção critica do Robert Kurz, que à luz da Teoria Crítica do Valor nos faz uma nova leitura da obra de Karl Marx , permite-nos ter uma melhor dimensão do capitalismo na contemporaneidade.
Certamente , uma leitura necessária nos dias atuais
Arlindenor Pedro
Engels como sistematizador do marxismo e a socialdemocracia alemã
Foi Friedrich Engels quem deu início à sistematização daquilo que viria a ser conhecido como marxismo. Não obstante sua proximidade com Marx durante a vida deste e de seu trabalho de edição póstuma de obras do amigo, Engels, que viveu doze anos a mais do que Marx, produziu uma versão própria do legado de Marx. Ao passo em que se propunha a organizar, Engels também buscou “complementar” esse legado e, desse modo, inevitavelmente o redefiniu. Essa sua versão foi por ele mesmo denominada socialismo científico. Ainda durante a vida de Marx, Engels publicou, em 1878, Anti-Dühring, que viria a se tornar como que um manual do sistema que adicionou um “ismo” ao nome de Marx. Procurando explicitar, explicar e divulgar o pensamento de Marx, Anti-Dühring promoveu uma ampliação do terreno acerca do qual havia se detido a obra marxiana. Se ainda nesse livro Engels mantinha o “tom polêmico, a negatividade e a crítica imanente”122, em sua versão condensada que organizou em 1880, intitulada Do socialismo utópico ao socialismo científico, a maior preocupação com a facilidade de divulgação alia- se ao “esforço, reiterado em escritos posteriores, para apresentar o marxismo de forma direta e não-polêmica”123. Em Anti-Dühring, a ampliação do escopo das áreas nas quais o marxismo teria a contribuir levou Engels a imiscuir-se no campo das ciências burguesas parciais de então (por exemplo, nas ciências naturais). É pelo ângulo das relações entabladas por Engels com as ciências parciais que se poderia encontrar uma via de acesso para compreender os rumos que Engels dá ao marxismo: “É (…) no quadro instaurado por essas novas ciências, base primeira do ‘socialismo científico’, que cabe examinar as conseqüências da transformação engelsiana do marxismo em um ‘sistema’ orientado para a compreensão geral do homem e da natureza”124.
Entre 1873 e 1882, Engels se ocupou do estudo das ciências naturais, mas somente em 1925 foi publicada Dialética da natureza, reunindo seus desenvolvimentos, realizados àquela altura, em torno do assunto. Para Engels, caberia à dialética a tarefa de ordenadora da parcialidade das descobertas de ciências separadas, permitindo a “articulação de um ‘sistema da natureza’”125. Emana dessa inglória tentativa o caráter positivista imbuído no espírito de organização sistemática. A unificação pretendida por Engels dos domínios da natureza e do espírito, com vistas ao estabelecimento de um sistema, era movida por um élan enciclopedista. A positividade das asserções de Engels é a “marca registrada do ‘socialismo científico’”126. Em 1895, Engels escreveu um prefácio para uma nova edição alemã de As lutas de classe na França. Esse prefácio, a “Introdução de 1895”, precedendo a obra de Marx de 1850, procedia a um balanço histórico-político do século XIX. Segundo a análise de Engels, havia se esgotado o ciclo de revoluções que tiveram lugar sob a influência da Revolução Francesa de 1789, como a revolução de 1830, as revoluções européias de 1848 e a Comuna de Paris de 1871. O fortalecimento dos partidos operários, particularmente do Partido Socialdemocrata Alemão, o advento do sufrágio universal e seu bom uso por esses partidos estabeleceram novas condições para a luta proletária. Engels via no novo cenário possibilidades que favoreceriam o desenrolar das conquistas do proletariado127. Além de ponderar no texto a inadequação das revoluções de barricada, Engels vislumbrava que, pela primeira vez, em diametral contraste com o período revolucionário anterior, todos falavam a mesma língua, ou seja, o marxismo era agora um fator de unificação do movimento operário que não mais se dividia em diversas facções. O mérito de tal feito, para o bem e para o mal, pode ser conferido a Engels, com seu esforço de sistematização e popularização:
(…) é lícito inferir que uma parcela ponderável do êxito da unificação do proletariado sob a bandeira do marxismo deve ser atribuído à exposição geral, sistemática e unitária dessa doutrina como uma concepção dialética e materialista da natureza e da história. Afinal, foi sob a égide dessa imagem uniformizada do conteúdo e da história do marxismo que se conquistou a tão almejada unidade política da classe operária128.
O marxismo codificado por Engels, principalmente em Anti-Dühring, constituiu o fundamento da difusão pedagógica efetuada pelos principais líderes do Partido Socialdemocrata Alemão – Karl Kautsky, Eduard Bernstein, Karl Liebknecht, August Bebel. A partir do marxismo engelsiano desenvolve-se, entretanto, uma série de transformações cujas raízes se podem encontrar em fatores tão distintos como combinações com outras idéias, sejam elas próximas ou não, a fricção com a realidade da prática político-partidária e a necessidade de adaptação a ela, e mesmo grosseiras deturpações. Se o Partido Socialdemocrata Alemão manteve estreita relação com Engels até o fim da vida deste, o arcabouço teórico em grande medida orientador do SPD derivava do amálgama ideológico da Segunda Internacional (1889). Desse amálgama advém o chamado marxismo da Segunda Internacional, a tal ponto vinculado ao Partido Socialdemocrata que pode ser encarado como “a concepção de marxismo peculiar à social-democracia alemã”129. O marxismo da Segunda Internacional resulta de “uma lenta assimilação do socialismo científico” e “completa o processo de transição dos pais-fundadores para uma nova geração de teóricos e políticos”130.
Karl Kautsky foi uma das mais importantes figuras do Partido e sua obra teórica é uma das marcas emblemáticas da socialdemocracia alemã. A partir da década de 1880, com a revista Die Neue Zeit, o termo marxismo, tomado numa acepção positiva, passa a delinear uma linha programática e se torna um instrumento de luta política. Kautsky, por um contato próximo com Engels, se firma como uma autoridade no que diz respeito a temas do marxismo e na década de 1890 ele e a Die Neue Zeit se tornam o tribunal superior do socialismo científico. A obra teórica de Kautsky é marcada por uma interpretação do pensamento de Marx que promove uma integração com o evolucionismo darwinista e alça a história a um patamar privilegiado. A teoria socialista e o movimento operário se cindem em Kautsky, e a primeira é a estrela-guia do segundo, apontando seus rumos para a correta compreensão e para a ação. Como sobretudo um homem de partido, Kautsky subordinou a teoria à prática, às tarefas postas pelo presente à socialdemocracia. A mesma ênfase prática também pode ser atribuída a outro importante membro do SPD, Eduard Bernstein. Enquanto Kautsky admitia uma não-coincidência integral entre a teoria encampada pelo Partido – o marxismo – e a prática que muitas vezes a contradizia, Bernstein não aceitava essa fenda e laborou no sentido de uma reforma do marxismo, que se celebrizou como revisionismo. Propõe, contestando um cenário futuro que era senso comum no SPD – polarização de classes, pauperização do proletariado e certeza quanto ao esgotamento e derrocada do capitalismo –, um programa de reformas que tem por base a confiança no avanço do movimento operário num contexto político mais democrático. A superação do capitalismo e a transição ao socialismo se dariam de forma gradual. Nesse sentido, caberia antes impulsionar o desenvolvimento do capitalismo para consolidar tendências positiva que permitiam vislumbrar o socialismo no horizonte. Sua ênfase na justiça social o faz converter o socialismo em um “‘ideal ético’”131.
Lênin e o marxismo soviético
Se o revisionismo de Bernstein, no campo da socialdemocracia alemã, “sustentava que, dentro da estrutura do ‘capitalismo organizado’, o proletariado poderia continuar a melhorar sua posição política e econômica e, por fim, estabelecer o socialismo por meios legais e democráticos”, a “‘teoria ortodoxa’” de Lênin, no âmbito do marxismo russo, “via no crescimento do capitalismo uma tênue e transitória estabilização, destinada a explodir em conflitos armados entre as potências imperialistas e a provocar e exasperar crises econômicas”132. Aldo Agosti, escrevendo sobre a Terceira Internacional (1919), salienta que Lênin “sempre tentou recuperar histórica e politicamente” a “herança ideológica da Segunda Internacional”133. Um dos elementos da “teoria econômica da Segunda Internacional” que mereceu a atenção e o desenvolvimento de Lênin foi a “análise do imperialismo”134. É à luz de sua interpretação do fenômeno imperialista que se pode compreender o “surgimento do leninismo como uma nova forma de marxismo”135. Procurando determinar o significado das transformações econômicas recentes e seu impacto sobre as perspectivas revolucionárias, Lênin constata um aperfeiçoamento do capitalismo – concentração econômica monopolística, financeirização, repartição e dominação do mundo pelas potências coloniais européias e pelos Estados Unidos, bem como o poder crescente das empresas desses países em todo o globo136 – que tem como conseqüência a vitalidade do reformismo entre o operariado dos países capitalistas centrais.
Esse diagnóstico “quase que forçosamente” leva Lênin a buscar “trazer o campesinato para a órbita da teoria e da estratégia marxistas”137. Tal concepção marca decisivamente a elaboração do marxismo soviético. Seu centro “se torna mais a ‘revolução dos operários e camponeses’ do que simplesmente a ‘revolução dos operários’”138. Ao invés de a revolução irromper no centro do sistema, que contava com um proletariado altamente desenvolvido, o foco revolucionário é deslocado para a periferia capitalista, onde a classe operária inexistia ou existia embrionariamente.
Se, por muito tempo ainda, o potencial capitalista ia ser mais forte do que o potencial revolucionário, se nem mesmo a Primeira Guerra Mundial e seus efeitos sobre a economia haviam podido quebrar a influência do reformismo sobre o “proletariado maduro”, então o agente histórico da revolução havia mudado, num sentido não só geográfico como também social139.
A revolução acaba, assim, por se confinar àquelas áreas marcadas pela “desintegração política acompanhada de atraso econômico”140: nas palavras de Lênin, o “‘Oriente revolucionário e nacionalista’”, sendo o agente revolucionário “‘a população da Rússia, da Índia, da China, etc’”141. Tamanhas modificações relativamente às concepções de Marx e mesmo às do marxismo existente à época permitem a Marcuse afirmar: “A formação da teoria do marxismo soviético se desenvolve tendo como base as interpretações que Lênin fez do marxismo. A teoria soviética não se voltou às fontes primeiras da teoria marxista”142. Ou seja, poder-se-ia considerar que o marxismo soviético levou a cabo o desenvolvimento de uma teoria que tinha em conta a situação econômica e política internacional e concebia qual deveria ser, dadas as constrições, o melhor caminho a trilhar em termos de atuação política.
Esquematicamente, Fetscher delineia três aspectos da concepção leninista de socialismo derivada da análise feita por Lênin das novas condições econômico-sociais. Em primeiro lugar, se, por um lado, Lênin considerava que os países capitalistas industrializados já haviam atingido um grau suficiente de maturidade quanto às condições objetivas para a revolução, por outro, podia, por meio de sua teoria do imperialismo, justificar a irrupção da revolução no “‘elo mais fraco da corrente’”, isto é, na periferia mundial, por exemplo “num país agrário relativamente atrasado como a Rússia”143. Em segundo lugar, dado que nas áreas da periferia capitalista o proletariado industrial não era expressivo, Lênin põe em cena uma “elite revolucionária” com o objetivo de dirigir no sentido da revolução “grupos heterogêneos, todos insatisfeitos com o status quo político e social”144. Um “‘partido de tipo novo’” deveria “recrutar ‘massas’ de pequeno-burgueses, camponeses e intelectuais para a revolução”, constituindo, “com elementos heterogêneos, um substitutivo para a inexistência da classe revolucionária”145. Em terceiro lugar, com a existência de tal partido, uma elite política passa a ser a portadora da consciência revolucionária, e não mais a classe operária. A elite política do novo tipo de partido “torna- se ‘guia e educadora das massas’”146. Segundo Perry Anderson, a “grande ampliação da teoria marxista promovida por Lênin” radica no fato de que ele inaugurou uma “ciência marxista da política capaz de lidar, a partir de então, com uma ampla gama de problemas que até aquele momento haviam estado fora de qualquer jurisdição teórica rigorosa”147. Com isso, Lênin assumiu uma posição de destaque na tradição marxista. A partir dos anos 1920, com a “tradução sistemática” de sua obra, seu “sistema teórico organizado” tornou- se referência num momento em que se afiguravam existir “condições para a difusão internacional e a fertilização da teoria marxista em uma escala inteiramente nova”148.
Korsch e a crítica à ortodoxia marxista internacional
Em 1923, foi publicado Marxismo e filosofia, de Karl Korsch. A recepção tanto do livro de Korsch quanto de História e consciência de classe, de Georg Lukács, que apareceu no mesmo ano, teve um destino comum: a condenação por parte dos teóricos da socialdemocracia alemã e por parte do marxismo soviético. Anos mais tarde, em um texto149 incluído numa nova edição de seu livro, Korsch responde aos críticos desses dois campos, “a velha ortodoxia de Karl Kautsky e a nova ortodoxia do marxismo russo ou ‘leninista’”150. Na “Anticrítica”, em contraposição às duas ortodoxias, Korsch afirma ter elaborado em Marxismo e filosofia uma “concepção do marxismo totalmente adogmática e antidogmática, histórica e crítica, e, portanto, materialista no verdadeiro sentido da palavra”151. Para o propósito delimitado no livro de Korsch, a discussão das relações entre filosofia e marxismo, o autor define “três grandes períodos de evolução que a teoria marxista atravessou depois do seu nascimento”152. O primeiro deles tem início em 1843 com a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. O segundo coincide com o estampido das revoluções de 1848 “e a época subseqüente de desenvolvimento capitalista sem precedentes e de esmagamento simultâneo, nos anos cinqüenta do século dezenove, de todas as organizações e sonhos de emancipação da classe operária surgidos na época anterior”153. O “dobrar do século”154 marca o fim desse contexto adverso e o começo do terceiro período.
A história do desenvolvimento do marxismo esboçada por Korsch advoga um descompasso entre a elaboração teórica de Marx e Engels e a prática política do movimento operário. A derrota dos movimentos revolucionários na metade do século XIX provoca uma viragem de uma teoria produzida de forma profundamente vinculada à prática dos movimentos do proletariado para uma teoria paulatinamente mais afastada da organicidade anterior, mesmo que nunca tenha chegado a se tornar “simples produto de estudos ‘puramente teóricos’”155, caracterizando-se sempre por ser “um resultado das novas experiências práticas da luta de classes, que despertava de novo sob diversas formas”156. Para Korsch, a teoria nesse período, “desenvolvida no sentido de uma perfeição cada vez mais elevada”, passa a manter uma relação indireta com a “prática do movimento operário da altura”157.
Estes dois processos, o desenvolvimento, nas novas condições históricas, da velha teoria nascida numa época histórica passada e a nova prática do movimento operário desenrolam-se lado a lado de forma relativamente independente. É precisamente isto que explica o alto nível, “extemporâneo” em todo o sentido da palavra, que, nesse período, a teoria marxista manteve e mesmo aumentou em Marx e Engels e em alguns poucos dos seus discípulos, tanto no seu conjunto como especialmente no seu aspecto filosófico. Mas, por outro lado, isto explica também a total impossibilidade de uma adoção verdadeira e não apenas formal desta teoria marxista altamente desenvolvida pelo movimento prático da classe operária, iniciado de novo a partir do último terço do século XIX158.
No final do século XIX, após os anos noventa, uma série de fatores na Europa – início de uma fase de prosperidade econômica, anistia aos combatentes da Comuna de Paris de 1871, saída de cena da lei anti-socialista na Alemanha – propiciou novo vigor ao movimento socialista. Nessa altura, emerge “deste contexto prático renovado, como uma espécie de defesa teórica e consolo metafísico, a adesão formal à totalidade do marxismo”159.
O que entrementes se passou foi a adoção de “‘teorias’ econômicas, políticas e sociais isoladas, separadas do contexto da concepção revolucionária de Marx e, já por isso, alteradas no seu significado geral, mas, além disso, falsificadas e mutiladas, a maior parte das vezes, mesmo no seu conteúdo específico”160. O marxismo da Segunda Internacional tinha como substância, segundo Korsch, uma mixórdia de idéias “só muito esporadicamente ‘marxista’”161. O marxismo, longe de ser uma “verdadeira teoria” que servia como orientação nos embates da classe operária, “antes nunca passou de uma ‘ideologia’ recebida prontinha ‘de fora’”162. No que tange à socialdemocracia, a “ortodoxia marxista de Kautsky”163 se complementava com o “revisionismo de Bernstein”164 para compor o quadro do que de fato era o embasamento teórico do movimento de massa. Porém, na visão de Korsch, se não é possível aceitar a tese kautskysta de um contínuo “aperfeiçoamento positivo”, tampouco se pode simplesmente falar de uma “estagnação formal, um retrocesso e atrofia da teoria de Marx no ‘marxismo da Segunda Internacional’”165. Seria o caso de levar em conta que subsiste aí uma relação mais complexa: o marxismo da Segunda Internacional teria, de acordo com Korsch, o status de uma “nova forma histórica da teoria proletária de classe, nascida da modificação das condições práticas da luta de classes numa nova época histórica”166.
A ortodoxia marxista de Kautsky está para a Segunda Internacional assim como a ortodoxia marxista de Lênin está para a Terceira Internacional. Após o apagar da última fagulha revolucionária na Alemanha em 1923, há um movimento crescente no sentido do espraiamento, para o Ocidente, da “filosofia marxista-leninista”167. Conforme Korsch, seus estudos acerca da relação entre marxismo e filosofia o levaram à
constatação nua e crua de que este marxismo russo, acaso ainda “mais ortodoxo” que a ortodoxia marxista alemã, teve, em todas as fases da sua evolução histórica, um caráter porventura ainda mais ideológico e esteve em contradição porventura ainda mais violenta com o movimento histórico real de quem pretendia ser a ideologia, do que foi o caso daquele168.
Isso vale para os três momentos que Korsch vislumbra no desenvolvimento do marxismo russo. De início, o marxismo serviu como cimento ideológico para amalgamar intelectualidade russa na direção de sua reconciliação com o capitalismo. O segundo momento, cujo ápice ocorre em 1905, é marcado pela preponderância de Plekhanov e se caracteriza pela intensa relação entre o marxismo russo e o alemão, sendo o russo o principal elaborador dos fundamentos filosóficos. Tanto na Europa quanto na Rússia, dado o mencionado descompasso visto por Korsch entre a teoria de Marx e Engels e a conjuntura prática reinante, mas de modo ainda mais drástico na Rússia, o marxismo só podia “existir na ideologia e só como ideologia”169. Um terceiro momento “encontrou a sua expressão mais importante na teoria marxista ortodoxa e na prática política totalmente heterodoxa do revolucionário Lênin” e se estendia até a ocasião em que escrevia Korsch, com sua “caricatura grotesca” no “‘marxismo soviético’”170 de então.
Lênin procurou estabelecer bases filosóficas para o marxismo, inspirado em seu mestre Plekhanov171. Enquanto o marxismo socialdemocrata alemão não adentrou pela seara da filosofia, Lênin procedeu à organização de uma filosofia materialista. Korsch não vê nessa tentativa mais do que um reavivamento do “materialismo burguês revolucionário dos séculos XVII e XVIII”172 – como se não bastasse, não se tratava de uma reabilitação ingênua, mas consciente. A filosofia materialista se destinava a ser difundida entre os operários e os segmentos atrasados (camponeses e demais camadas não-proletarizadas) russos e do restante do mundo. Para Lênin, afirma Korsch, a questão central do esquema filosófico que apresentava não era sua verdade ou falsidade, ou seja, não se tratava de uma questão teórica, mas antes da “questão prática da sua utilidade para a luta revolucionária da classe operária ou – nos países que ainda não atingiram o pleno desenvolvimento capitalista – da classe operária e de todas as outras camadas populares oprimidas”173. O cerne da concepção materialista de Lênin consiste numa “acentuação do materialismo em prejuízo da dialética”174. A transição da dialética de Hegel para a de Marx e Engels é encarada por Lênin, de um modo simplista e grosseiro, como o descarte do idealismo hegeliano repondo, em seu lugar, conteúdos materialistas. Mas essa interpretação de Lênin tem como conseqüência dar à sua filosofia materialista um caráter mecanicista, funcionando movida pela idéia de reflexos175.
Grosso modo, é possível dizer que Korsch, tendo em conta a extemporaneidade da teoria de Marx, mostra, sob diversos ângulos, de que formas o corpus teórico daquilo que, em sua época, se chamava de marxismo tem ou não, e em que medida, a ver com a obra de Marx e Engels, bem como apresenta os motivos práticos e teóricos ou, poder-se-ia melhor exprimir, teóricos na medida em que vinculados à prática, que levaram ao desenvolvimento dos conteúdos direcionadores da luta política encampados por vertentes do movimento socialista. O descompasso entre a ação política prática dos partidos e a elaboração intelectual de Marx e Engels abriu espaço para a constituição de um marxismo que, se a ele Korsch se recusa a imputar o rótulo de desvirtuamento, foi no mínimo uma outra coisa. À coletânea de teorias isoladas que guiavam a socialdemocracia alemã corresponde, analogamente, a filosofia materialista de Lênin, com seu retorno para aquém da filosofia idealista alemã de Kant a Hegel. Juntas, essas correntes compunham a “ortodoxia marxista internacional”, objeto de crítica do livro de Korsch, que a despeito de suas diferenças mantinham uma extraordinária “solidariedade”176: “O cientificismo, o objetivismo, a idolatria das ciências da natureza são idênticos de ambos os lados”177.
Lukács: consciência de classe e reificação
Marxismo e filosofia, de Korsch, e História e consciência de classe, de Lukács, têm ambos por foco a “compreensão do método marxiano”178. Ressaltam que a prática política, cujo sujeito segue sendo, em suas abordagens, o proletariado, deve fazer-se acompanhar de um “esforço teórico concomitante”179. Com Korsch e Lukács, inaugura-se o que ficou consagrado para a posteridade como marxismo ocidental. Foi Merleau-Ponty quem, em As aventuras da dialética, de 1955, utilizou o termo como título de um capítulo sobre Lukács. Mas ele próprio diz que, segundo Korsch, foram os críticos russos os que primeiro empregaram a expressão180, nesse caso de forma obviamente pejorativa, para delimitar e separar esse marxismo ocidental do marxismo leninista. De fato, a problematização de Korsch acerca da relação entre marxismo e filosofia e os esforços de Lukács no sentido de um resgate da dialética podem ser vistos como o reverso da filosofia materialista de Lênin que se baseia no simplismo dos reflexos181 (a despeito de qualquer pendor de Lukács, explícito ou implícito, por Lênin). Para Lukács, a dialética tem como categoria central a totalidade. E o ponto de vista da totalidade só pode ser alcançado pela classe operária, em razão de sua específica posição no modo de produção capitalista, que lhe permite desvelar a essência da sociedade.
Justamente porque é impossível para o proletariado libertar-se como classe sem suprimir a sociedade de classes em geral, sua consciência, que é a última consciência de classe na história da humanidade, deve coincidir, de um lado, com o desvendamento da essência da sociedade e, de outro, tornar-se uma unidade cada vez mais íntima da teoria e da práxis182.
Rompendo com o mecanicismo de Lênin, História e consciência de classe não separa em compartimentos estanques a objetividade e a subjetividade, mas sim apresenta o proletariado como o sujeito-objeto da história.
A idéia de sujeito-objeto repõe a abordagem dialética que, pouco a pouco, no processo que incluiu sistematizações, “complementações” e uma miríade de interpretações da teoria de Marx, foi desconsiderada ou, no mínimo, modificada a ponto de não ser mais que mera palavra compondo os nomes das teorias produzidas desde Engels. Assim, “o que Lukács quer preservar – e o que seus adversários atacam – é um marxismo que incorpora a subjetividade à história sem fazer dela um epifenômeno, é o miolo filosófico do marxismo, seu valor cultural, em suma, sua significação revolucionária”183. Merleau-Ponty sintetiza bem o sentido de História e consciência de classe quando escreve: “o marxismo precisa de uma teoria da consciência que dê conta das mistificações sem impedir sua participação na verdade, e era para essa teoria que Lukács tendia em seu livro de 1923”184. Porque, se a possibilidade de acesso à verdade é decerto atributo do proletariado, Lukács não deixa de considerar – na verdade, não só não deixa de considerar, mas essa consideração é de suma importância em seu livro – os obstáculos interpostos ao desvelamento do falso. Resgatar a dialética do limbo legado pelos vulgarizadores foi um dos méritos de História e consciência de classe. Mas há outro, que dali em diante marcará profundamente as leituras de Marx e em especial o marxismo ocidental: a novidade no modo em que Lukács retoma os temas do fetichismo e da reificação. Essa retomada não é uma simples exegese de O Capital, mas inclui apropriações de categorias weberianas. Lukács apresenta o problema e a possibilidade de sua superação.
Lukács procura mostrar como no capitalismo a racionalização é reificante. A teoria da reificação de Lukács parte do fetichismo da mercadoria em Marx e integra a idéia de racionalização de Weber. O diagnóstico de Lukács faz uso da racionalização weberiana numa vertente enraizada em Marx. Lukács ressalta a importância de considerar a “estrutura da mercadoria” para compreender o que se passa no capitalismo185. Para ele, nessa consideração da “estrutura da mercadoria”, está contida a possibilidade de penetrar nas “formas de objetividade” e nas “formas (…) de subjetividade”186 capitalistas. Essas formas têm por base relações sociais reificadas em que o homem se confronta com seu trabalho como algo “independente dele e que o domina por leis próprias”187, estranhas a ele. Lukács enfatiza o papel da divisão social do trabalho e a relação dela com a reificação. No desenvolvimento da divisão social do trabalho, assiste-se a uma “racionalização continuamente crescente”188 do processo de trabalho. Com a racionalização do trabalho, escreve, “o mais importante é o princípio que assim se impõe: o princípio da racionalização baseada no cálculo, na possibilidade do cálculo”189. O desenvolvimento do capitalismo tem por conseqüência “substituir por relações racionalmente reificadas as relações originais em que eram mais transparentes as relações humanas”190.
Uma das novidades que Lukács introduz é o fato de se debruçar sobre a reificação mostrando como ela penetrou até o íntimo dos homens: “Do mesmo modo que o sistema capitalista produz e reproduz a si mesmo econômica e incessantemente num nível mais elevado, a estrutura da reificação, no curso do desenvolvimento capitalista, penetra na consciência dos homens de maneira cada vez mais profunda, fatal e definitiva”191. O paralelo que Lukács faz aqui é com o fetichismo crescente que Marx apresenta no decurso dos três livros de O Capital, perfazendo o movimento desde a mercadoria até as formas mais fetichizadas, como os preços e o capital a juros. Lukács afirma que a racionalização implica na especialização, na fragmentação do processo de trabalho e na fragmentação do sujeito. A racionalização e os fenômenos da especialização e da fragmentação do trabalho e do sujeito fazem com que se perca a possibilidade de compor uma imagem da totalidade. A racionalização reificante imprime sua marca “em toda a consciência do homem; as propriedades e as faculdades dessa consciência não se ligam mais somente à unidade orgânica da pessoa, mas aparecem como ‘coisas’ que o homem pode ‘possuir’ ou ‘vender’, assim como os diversos objetos do mundo exterior”192.
As formas da consciência fragmentada do trabalhador assalariado têm a sua contraparte no mesmo fenômeno que também tem lugar entre a classe dominante intelectualizada, mas de modo intensificado. O “caráter contemplativo”193 do “operário em relação à máquina”194 também se reproduz, em outros termos, em ocupações como a burocracia, o direito e o jornalismo. O caráter contemplativo do sujeito pode ser descrito como aquela atitude de apenas acompanhar o desenrolar das leis que regem a vida no capitalismo, que parecem imutáveis, e de se adaptar a elas, de se adaptar ao mundo tal como dado. “Com a especialização do trabalho, perdeu-se toda imagem da totalidade”195, diz Lukács. No entanto, em seu livro, essa reificação aparentemente integral do mundo tem seus limites. Pois a posição específica que ocupa no capitalismo o proletariado permite a ele acessar o ponto de vista da totalidade. Enquanto o ponto de vista burguês sempre terá, sob o modo burguês de produção, algo a encobrir, a consciência de classe do proletariado nada tem a esconder. Pode efetuar livremente a crítica já que não pretende salvaguardar a ordem existente. Quanto mais o proletariado conhecer e decifrar a sociedade, mais conhece e decifra sua opressão. Para Lukács, “apenas a consciência de classe do proletariado, que se tornou prática, possui essa função transformadora”196. A revolução aparece como o momento da consciência de classe tornada prática, que alcança a totalidade e faz explodir o status quo. Se para Weber não há contracorrente que se interponha à racionalização, visão que o leva a uma atitude resignada quanto ao mundo racionalizado, para Lukács, a despeito da força penetradora da racionalização reificante, a possibilidade de ruptura aparece encarnada na consciência de classe do proletariado que, potencialmente, tem a seu alcance o desvelar da totalidade.
Horkheimer e Adorno: o poder da dominação
A teoria de Lukács exposta em História e consciência de classe é a última grande teoria revolucionária. Se para Lukács a reificação traz consigo mesma seus limites e a possibilidade de sua superação, para Max Horkheimer, em 1937, no ensaio Teoria tradicional e teoria crítica, o diagnóstico se afigura diverso. O contexto em que escreve Horkheimer é o da “desmobilização e dissolução globais da organização e do poder operários com a dupla derrota diante do nazi-fascismo e do stalinismo”197. O declínio do proletariado, sujeito revolucionário precípuo até Lukács, marca profundamente esse diagnóstico dos anos 30: “A âncora da teoria na época de Lukács e Korsch, um sólido proletariado organizado e poderoso que parecia ensaiar seus movimentos na direção da revolução social, subitamente desmanchou-se no ar”198. Nesse momento histórico, de refluxo e destruição do movimento operário e de adesão das massas aos poderes totalitários, o proletariado não encerrava mais, para Horkheimer, a promessa da perspectiva da totalidade: “A consciência de qualquer camada na situação atual pode reproduzir-se e corromper-se por mais que, devido a sua posição dentro da sociedade, seja destinada à verdade”199, isto é, “nesta sociedade tampouco a situação do proletariado constitui garantia para a gnose correta”200. Em Teoria tradicional e teoria crítica, Horkheimer coloca o acento na integração das massas à ordem existente201, não só no sistema soviético e nos países onde haviam se estabelecido o nazismo e o fascismo, mas também no capitalismo, no qual Horkheimer enxergava que se processara uma mudança estrutural. Essa transformação estrutural corresponde à passagem do capitalismo liberal dos pequenos empresários autônomos para um capitalismo monopolista controlado por managers que não são mais os proprietários dos meios de produção e sim somente diretores de grandes conglomerados. Esse processo, longe de acarretar efeitos apenas na esfera estritamente econômica, tem conseqüências que se espraiam para o “Estado e a sua organização de poder”202: a influência dos managers e demais prepostos dos monopólios sobre a política é crescente. “No fim deste processo perdura uma sociedade não mais dominada por proprietários independentes, mas por camarilhas de dirigentes industriais e políticos”203.
Tal é a análise da situação efetuada por Horkheimer, que lhe permite dizer que “mesmo os grupos mais avançados da sociedade são desencorajados, tomados pela total desorientação reinante”204. O desencadeamento, pelo capitalismo, de potências jamais antes vistas, que foi considerado por Marx e pelo marxismo até então como uma importante etapa no caminho da efetiva libertação humana, que seria conquistada com a derrubada desse sistema, ganha, em Horkheimer, uma nova e inaudita interpretação. Ao definir de forma sucinta o que é a teoria crítica, Horkheimer escreve:
(…) a teoria crítica da sociedade em seu todo é um único juízo existencial desenvolvido. Formulado em linhas gerais, este juízo existencial afirma que a forma básica da economia de mercadorias, historicamente dada e sobre a qual repousa a história mais recente, encerra em si as oposições internas e externas dessa época, e se renova continuamente de uma forma mais aguda e, depois de um período de crescimento, de desenvolvimento das forças humanas, de emancipação do indivíduo, depois de uma enorme expansão do poder humano sobre a natureza, acaba emperrando a continuidade do desenvolvimento e leva a humanidade a uma nova barbárie205.
A reificação, possível de ser rompida pelo proletariado em Lukács, é vista agora, no mundo do capitalismo monopolista dos grandes trustes, como sedimentada e cada vez mais difícil de ser contrarrestada: “Com a dissolução de um dos pressupostos da política socialista tradicional, o confronto direto classe contra classe, o fetichismo da mercadoria passa ao primeiro plano como impedimento maior de qualquer tentativa de libertação social”206. Teoria tradicional e teoria crítica, entretanto, em que pese contestar o potencial do pilar revolucionário assim concebido desde Marx e sublinhar o poder da reificação, não procede a um total fechamento do horizonte emancipatório.
Horkheimer aposta nos “sujeitos do comportamento crítico”, para os quais “o caráter discrepante cindido do todo social, em sua figura atual, passa a ser contradição consciente”207.
Ao reconhecer o modo de economia vigente e o todo cultural nele baseado como produto do trabalho humano, e como a organização de que a humanidade foi capaz e que impôs a si mesma na época atual, aqueles sujeitos se identificam, eles mesmos, com esse todo e o compreendem como vontade e razão: ele é o seu próprio mundo. Por outro lado, descobrem que a sociedade é comparável com processos naturais extra-humanos, meros mecanismos, porque as formas culturais baseadas em luta e opressão não são a prova de uma vontade autoconsciente e unitária. Em outras palavras: este mundo não é o deles, mas sim o mundo do capital208.
A teoria crítica é a forma que assume a crítica emancipatória no sombrio período de eclipse no qual escreve Horkheimer. Ela não tem um portador privilegiado, específico209. De forma totalmente distinta da idéia da classe como o sujeito coletivo destinado à compreensão correta do capitalismo e à sua deposição, para Horkheimer “a verdade pode refugiar-se nas minorias”, nos “grupos inquebrantáveis” compostos de sujeitos do comportamento crítico que podem elaborar a teoria crítica210.
Anos depois, em 1944, ainda em plena Segunda Guerra Mundial, Horkheimer conclui, juntamente com Theodor Adorno, a redação da Dialética do Esclarecimento. Escrito no exílio nos Estados Unidos, o livro foi publicado em 1947 em Amsterdã. Seu objetivo, tal como enunciado no prefácio, é extremamente ambicioso: “O que nos propuséramos era, de fato, nada menos do que descobrir por que a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie”211. O diagnóstico feito a essa altura é que o declínio da anarquia econômica propiciado pela planificação não conduziu a sociedade a um estágio melhor, mas a encaminhou crescentemente para a barbárie. Sob o peso do nazi-fascismo, do stalinismo e – assim como o nazismo do qual escaparam, uma experiência muito marcante para eles pelo fato de naquele momento estarem imersos na sociedade norte-americana – do americanismo, puderam ver semelhanças estruturais entre eles. São filhos legítimos da Aufklärung, para Adorno e Horkheimer, a sociedade democrática de massas, prototipicamente representada pelos Estados Unidos, a barbárie nazista e o terror stalinista, concepção que se encontrava na contramão das interpretações então reinantes, que em uníssono condenavam o nazismo mas localizavam a morada da liberdade ou na democracia ou no socialismo que o Estado soviético representaria212.
Contrariamente a essas posições, a Dialética do Esclarecimento vê uma lógica de dominação que se desdobra desde os primórdios do processo civilizatório. O cerne dessa lógica é a dominação da natureza, a autoconservação, o desenvolvimento ampliado de uma razão instrumental. A “terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal”213: a promessa da emancipação iluminista “se converte, a serviço do presente, na total mistificação das massas”214. A abstração, que em O Capital está na base da constituição do valor, uma vez projetada lato sensu para o desenrolar da civilização, permite mostrar que a emergência e desenvolvimento do capitalismo radicalizam uma razão calculadora que se liga à autopreservação. A categoria marxiana da reificação é expandida vis-à-vis Marx e Lukács, mostrando como os sujeitos estão colonizados até seu íntimo pelos ditames dos aparatos de controle e pelo poder das mercadorias. A dominação que os autores descrevem não é a pura e simples obediência a ordens emitidas a cada momento, mas corresponde à interiorização de padrões, esquemas, modelos, clichês que formam uma personalidade profundamente adaptada ao status quo.
Desse modo, a teoria crítica exposta na Dialética do Esclarecimento promove uma viragem de larga significação para o campo teórico cujo precursor é Marx. O livro, ao passo que tem conceitos de Marx como categorias centrais, se inicia com uma clara referência a Weber215, não deixando de tê-lo em conta em todo seu decorrer, e se desenvolve por meio de um diálogo contínuo com a filosofia e a psicanálise – Kant, Hegel, Nietzsche, Freud, para citar alguns. Pode-se dizer que a Dialética do Esclarecimento não tem uma teoria da revolução e sim uma teoria da dominação. Se até História e consciência de classe uma construção teórica baseada em Marx sempre andava pari passu com uma teoria da revolução e se em Teoria tradicional e teoria crítica, a despeito do fechamento do horizonte emancipatório, este ainda não havia se esvaído por completo, na Dialética do Esclarecimento o poder da dominação social potencializado pelos monopólios econômicos e pela indústria cultural aponta para a obstrução das possibilidades de emancipação. O mundo administrado é aquele do controle, se não total, quase total. Com Dialética do Esclarecimento, o marxismo ocidental não se guia mais pela luta de classes, não tem o proletariado como redentor e vê pouca margem de manobra no sentido da emancipação. Fetichismo e reificação passam definitivamente para o primeiro plano. Num ambiente social abstratificado, impõem seu domínio por meio das mercadorias e da cultura de massas: ambas trazem já inscritos os comportamentos prescritos.
Kurz e o duplo Marx: teoria da modernização e crítica categorial
“Aqueles de quem se diz estarem mortos vivem mais” [Totgesagte leben länger]216: com esse provérbio alemão, Kurz inicia sua introdução à coletânea de textos de Marx que publicou em 2001. A leitura aí proposta por Kurz é a contraposição de um Marx crítico do valor e do fetichismo e outro Marx instrumentalizado para a luta política. Valor e fetichismo, aspectos soterrados na história da tradição do marxismo, fornecem a base a uma crítica categorial do capitalismo que não foi senão retomada no início da década de 1920, com Rubin e Lukács, e, posteriormente, no pensamento de Adorno e Horkheimer, e pelas mãos de Rosdolsky. Enquanto o marxismo do movimento operário ocidental pôs o acento na luta de classes, em uma crítica do capitalismo a partir do ponto de vista do trabalho, na luta por reconhecimento e melhoria das condições de vida dos trabalhadores no interior do sistema, e o marxismo dos movimentos revolucionários da periferia capitalista (retardatários históricos do Leste e do Sul) correspondeu a uma ideologia de modernização, as categorias do valor e do fetichismo permitem uma crítica de outra ordem, que indaga a própria constituição da sociedade produtora de mercadorias como tal. A luta de classes, questionando as posições das dramatis personae da cena capitalista, deixa de pôr em cheque o ambiente de névoa mística onde o enredo se desenrola, ambiente no qual a abstração e a inconsciência fetichista imperam. A crítica do capitalismo a partir do trabalho promove o golpe falhado de reificar uma categoria capitalista – o “trabalho” como categoria que subsume atividades humanas diversas e as equaliza – e usá-la como aparato crítico contra o próprio sistema. A luta por reconhecimento não visa mais do que a realização daquilo que a sociedade burguesa promete: a justa repartição sem questionar o status quo, a conquista da plenitude jurídica, ou seja, a igualdade dentro da camisa-de- força capitalista, proclamada pela primeira vez no século XVIII. O marxismo como roupagem da modernização na realidade serviu à implantação das categorias capitalistas onde essas inexistiam ou estavam deficientemente estabelecidas.
A primeira frase da introdução de Kurz faz referência aos questionamentos, que atravessaram a década de 1990 e se arrastam até hoje, a respeito da validade da teoria de Marx. No contexto da queda, como peças de dominó, das ditaduras do bloco soviético, Marx pareceu, aos olhos de muitos, morto. O fim da história foi anunciado, e não sem haver os que acreditassem nessa Aufhebung torta. Com vistas a apresentar uma explicação acerca do significado do socialismo, Kurz lança mão de uma teoria da modernização. Em linhas gerais, considera que foi levada a cabo, na economicamente pouco desenvolvida Rússia – e, depois, na seqüência, nos países do Leste europeu integrantes da órbita de influência soviética, na China, e em países da periferia capitalista do Sul global –, uma “modernização recuperadora [nachholende Modernisierung]”217. Para Kurz, o que fracassou, na verdade, foi todo um largo espectro de interpretações de Marx que se traduziu em específicas práticas políticas218, mas sua teoria não perdeu a vitalidade. Além das utilizações da obra de Marx que fundamentaram a prática política, ficam a meio caminho, também, as interpretações teóricas que não alcançam uma crítica categorial do sistema capitalista. No caso da utilização para a prática política, podem-se distinguir, para Kurz, ao menos duas correntes principais. Uma delas é essa da modernização recuperadora, mais recente, cuja derrocada histórica ensejou o enterro de Marx tanto por parte dos adeptos do mercado, que viram nessa derrocada a comprovação indubitável da superioridade e inevitabilidade do capitalismo, quanto pelo lado de seus antigos fiéis, que perderam o chão e subitamente acreditaram se encontrar do lado “errado” – o corolário dessa decepção foi a conversão em massa de muitos desses devotos para a defesa apaixonada e hardcore do capitalismo. A outra corrente é aquela do marxismo do movimento operário da Europa ocidental. Esses desdobramentos são tratados por Kurz sob o ângulo de uma não-simultaneidade [Ungleichzeitigkeit] interna e uma não- simultaneidade externa do capitalismo219.
O ainda jovem e em consolidação modo de produção capitalista nos países europeus industrializados no século XIX era até à época, a despeito da vigência da igualdade formal, jurídica, entre os cidadãos, atravessado por resquícios de traços pré- modernos, o que se fazia sentir, por exemplo, nas relações de trabalho entre capitalistas e operários. Um dos pontos centrais da pauta das organizações operárias era a reivindicação da efetiva introdução dessa igualdade jurídica, com vistas a se libertar dos últimos traços senhoriais. Partindo disso, Kurz afirma:
Exatamente por conta disso, a luta de classes tornou-se o motor da história de imposição capitalista, e a crítica ao capitalismo frente aos capitalistas-proprietários pessoais só equivalia na verdade à pura lógica do próprio capitalismo, nomeadamente a lógica de um sistema de igualdade estritamente formal de indivíduos abstratos, os quais aparecem de certo modo como átomos de um processo econômico que se autonomiza frente a eles 220.
Se a teoria de Marx – dado o momento histórico em que foi produzida, no qual nem mesmo a própria igualdade jurídica, apesar de considerada por Marx nada mais do que isso, vigorava plenamente – era ela mesma atravessada pela duplicidade de uma crítica aos resquícios feudais e uma crítica categorial ao modo de produção capitalista, foi sobretudo sua “canonização e dogmatização”221 por teóricos de partido como Kautsky, que pôs o relevo nos aspectos úteis às tarefas da luta política, tirando assim de foco a crítica categorial, não só menos afeita a se cambiar em palavras de ordem como também mais difícil de ser apreendida em uma conjuntura de difusão bem-sucedida das idéias de Marx transformadas em doutrina.
Ao passo em que se desenrolava internamente, nos países economicamente mais avançados, essa pugna do movimento operário para que seus membros se firmassem como sujeitos do Estado de Direito capitalista – mesmo que o objetivo das organizações fosse eventualmente o de derrubá-lo –, ou seja, em última análise, como sujeitos mercantis, ocorria também, no plano externo, uma disputa entre nações no que tange à posição que ocupavam no sistema econômico mundial: “O século XIX esteve, na Europa e no círculo daqueles países que já se começava a chamar vagamente de capitalistas, essencialmente sob o signo de uma luta para ganhar terreno [Aufholjagd]”222. A Inglaterra despontava inconteste como o país capitalista moderno par excellence. Na Europa continental, a França e a Holanda figuravam como as nações mais desenvolvidas, enquanto a Alemanha e a Itália estavam ainda às voltas com a unificação nacional.
Esta primeira modernização recuperadora criou (na concorrência entre Inglaterra e França) um verdadeiro paradigma que marcou vigorosamente o desenvolvimento da Alemanha e da Itália. Na Ásia, veio também juntar-se a esses países o Japão, enquanto do outro lado do Atlântico os EUA já iniciavam uma súbita mudança, buscando um enfoque autônomo de desenvolvimento industrial capitalista223.
Kurz estabelece a vinculação do movimento operário desses países, que vieram a se tornar os países centrais do sistema mundial, com a concorrência intercapitalista para ganhar terreno:
Nas relações de concorrência, da maneira como elas foram marcadas pela constelação da modernização recuperadora no século XIX, todos os partidos operários acabaram assumindo o ponto de vista nacional-econômico e nacional-estatal de “seu” país, uma orientação que, como se sabe, levou os movimentos operários nacionais “amigos” a se reencontrarem nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial. Sob o efeito da modernização recuperadora, essa virada para a posição de concorrência nacional- econômica na não-simultaneidade externa estava intimamente relacionada, seguindo uma necessidade lógica, com o papel de vanguarda assumido pelo movimento operário no tocante à não-simultaneidade interna do sistema capitalista: A oposição social para dentro e o conformismo nacional para fora não eram na verdade tão antagônicos como talvez possam ter parecido à primeira vista224.
O século XX assistiu a “uma segunda grande onda da ‘modernização recuperadora’. Só então as grandes regiões da periferia capitalista mundial, a grande maioria da humanidade, como já uma década antes previra Marx, entraram para a história mundial”225. Já estabelecido o centro capitalista mundial, o marxismo de modernização tem com essa segunda onda sua “segunda primavera”226. A periferia global teve como pano de fundo de suas revoluções uma “teoria ocidental universal” que
ao mesmo tempo, enquanto teoria de legitimação universal voltada para a história mundial capitalista, devia ter um caráter historicamente oposicionista, para poder ser instrumentalizada para a concorrência entre a periferia, ocupada com sua modernização recuperadora, e os centros do capital já estabelecidos227.
A “segunda primavera” do marxismo tem 1917 como sua data inaugural, com a Revolução Russa, prossegue com a Revolução Chinesa, de 1949, com as revoluções anticoloniais da África e Ásia e com as revoluções na América Latina. Seu paradigma é a teoria de Lênin. Os países nos quais floresceu pertenciam a regiões que apresentavam um enorme atraso em termos de desenvolvimento capitalista relativamente ao centro capitalista àquela altura instaurado. Diferentemente da luta por reconhecimento travada pelo movimento operário ocidental e da luta para ganhar terreno da primeira modernização recuperadora, nesse caso se tratava da
implantação recuperadora das próprias categorias sociais capitalistas, e na verdade bem além das exigências daquele processo semelhante de modernização recuperadora da Alemanha, Itália e Japão no século XIX. Pois, em primeiro lugar, o atraso em grau de socialização capitalista moderna era muito maior em comparação com as discrepâncias que existiam na Europa, em segundo lugar, a “luta para ganhar terreno” tinha de ser realizada em um prazo de tempo bem mais curto e em um nível de desenvolvimento do capital mundial bem mais alto e, em terceiro lugar, isso só podia acontecer numa concorrência precária frente a um círculo dominante já global, formado por poderes centrais capitalistas altamente desenvolvidos e fortemente armados228.
Não-simultaneidade interna e não-simultaneidade externa, primeira e segunda ondas de modernização recuperadora permitem, sob o ângulo de Kurz, explicar o “grande cisma do movimento marxista mundial”229. As questões postas, por um lado, para o movimento operário ocidental e, por outro, para os revolucionários da periferia capitalista eram sobremaneira diferentes:
No estrato mais antigo da via de desenvolvimento ocidental, a questão girava em torno do simples reconhecimento dentro do Estado moderno já estabelecido, enquanto no estrato mais novo das regiões Leste e Sul tratava-se de conquistar o poder do Estado com vistas a instalar uma máquina estatal moderna cuja função seria a de portadora [Träger] da industrialização capitalista de Estado230.
O grande cisma a que Kurz se refere diz respeito ao predomínio do comunismo na União Soviética e em seus países satélites do Leste europeu, bem como nos países da periferia global onde ocorreram revoluções, enquanto nos países centrais a socialdemocracia se desenvolveu abandonando o que restava de marxismo em sua constituição, voltando-se, após a Segunda Guerra, ao keynesianismo. Mas o ponto principal para Kurz é que, como substrato das diferentes interpretações, incorporações e utilizações de Marx, vigorou sempre um denominador comum, que, se não une, pelo menos aproxima as dissensões. Fundamentalmente, esse denominador comum é o fato de o marxismo da luta política ter se apoiado no Marx que tematiza a luta de classes, a oposição entre burguesia e proletariado, entre capital e trabalho231. Foram, porém, tirados de foco temas de um Marx voltado à crítica categorial e de difícil instrumentalização para a luta político-partidária, como a crítica do valor e do fetichismo desenvolvidas em O Capital – Kurz menciona que a seção sobre o fetichismo foi muitas vezes considerada, nessa longa história de divulgação e transformação das idéias de Marx, uma especulação filosófica infrutífera.
Kurz propõe, desse modo, uma leitura que considera um “’Marx duplo’ [‚doppelten Marx’]”232, distinguindo um Marx “’exotérico’” de um Marx “’esotérico’”233. O primeiro o Marx exotérico, é “voltado para fora, de fácil recepção”, enquanto o segundo, o Marx esotérico, “pensa categorialmente, [é] de difícil acesso”234. Guigou e Wajnsztejn, em L’évanescence de la valeur, consideram que com isso resultam um Marx útil e um Marx inútil235 e que esse tipo de corte [découpage] reproduz dicotomias como a separação entre o Marx humanista e o Marx científico de Althusser e entre o jovem Marx e o Marx maduro que teria sido feita pela extrema esquerda236. Uma consideração atenta da idéia do Marx duplo, entretanto, poderia mostrar coisa diversa. A abordagem de Kurz não pretende jogar fora alguns elementos da teoria de Marx e o corte que ela introduz não se vincula cronologicamente à obra. A totalidade do pensamento de Marx não sai do horizonte de Kurz e é possível evidenciar isso pelo fato de que ele problematiza o campo de tensões em que se forma a teoria. Esse campo de tensões é marcado pela não-simultaneidade interna e externa do capitalismo e, segundo Kurz, Marx leva isso em conta. Vendo como se processa a contradição imanente da teoria, pode-se avaliar qual a relação existente entre o Marx exotérico e o Marx esotérico e compreender por que não há como isolar cirurgicamente o que, pretensamente, seria útil do que seria inútil, já que há uma imbricação inextricável entre ambos.
Por um lado, faz-se presente, no pensamento de Marx, uma idéia de modernização das estruturas do ambiente social, ainda não completamente tornadas capitalistas. Esse impulso, conforme Kurz, já existia no nascente movimento operário e a teoria de Marx, ao conferir “expressão científica a esse impulso”, pôde se tornar “representante científica do movimento operário” no sentido de um “motor interno de desenvolvimento do capitalismo [inneren Entwicklungsmotor des Kapitalismus]”237. O fato de, como um alemão, escrever “a partir da perspectiva do específico ‘subdesenvolvimento’ [‚Unterentwicklung’] capitalista alemão”238 apenas reforçava esse viés. Kurz cita o conhecido trecho de Marx do prefácio da primeira edição de O Capital – o que, ademais, mostra que o corte nada tem de cronológico –, no qual se lê:
Em todas as outras esferas, tortura-nos – assim como em todo o resto do continente da Europa ocidental – não só o desenvolvimento da produção capitalista, mas também a carência de seu desenvolvimento. Além das misérias modernas, oprime-nos toda uma série de misérias herdadas, decorrentes do fato de continuarem vegetando modos de produção arcaicos e ultrapassados, com o seu séquito de relações sociais e políticas anacrônicas. Somos atormentados não só pelos vivos, como também pelos mortos. Le mort saisit le vif!239.
Na passagem acima, na afirmação de que o “país mais desenvolvido mostra ao menos desenvolvido tão-somente a imagem do próprio futuro” e, poder-se-ia acrescentar também, na advertência aos alemães “De te fabula narratur!”240, depara-se com um Marx aferrado ao conceito iluminista de progresso e à filosofia da história hegeliana. Kurz escreve: “Em sua referência teórica positiva e em certo ponto histórico-filosófica tanto à não- simultaneidade interna quanto à não-simultaneidade externa do capitalismo no século XIX, Marx pode ser lido como um refletido [reflektierter] teórico da modernização”241. É nesse terreno que se encontra “o conhecido Marx da ‘luta de classes’, do ‘interesse econômico’, do ‘ponto de vista do operário’, do ‘materialismo histórico’, etc”242.
Por outro lado, a teoria de Marx está bem longe de se deixar absorver por esses traços de teoria da modernização: “mesclada e cruzada com aquela análise da não- simultaneidade interna e externa do capitalismo e aquela representação da classe operária voltada simplesmente para o reconhecimento ‘dentro’ do capitalismo”, o pensamento de Marx encerra uma “crítica categorial de base [grundsätzlichen kategorischen Kritik]”243. Quando, por exemplo, em O capital, Marx trata das categorias de mercadoria, trabalho abstrato, valor, dinheiro e fetichismo, sua crítica se dirige aos fundamentos mesmos da modernidade, é marcada pela negatividade e não pela positividade. Dela se depreende que enquanto a reprodução social for dominada por essas categorias, não há escapatória. Kurz afirma que as “modernas categorias capitalistas” são encaradas por Marx “como formas de uma forma profundamente irracional, destrutiva e, no final das contas, autodemolidora [selbstzerstörerischen], da sociedade”244. Desse modo, está-se diante não de um Marx positivamente ligado à sociedade burguesa, mas de um Marx que expõe e critica a lógica cega de seu automatismo. É essa crítica categorial, negativa por natureza, que Kurz sustenta que urge recobrar, contra as apropriações empobrecedoras e instrumentalizadoras. Não se trata de separar o que é útil e o que é inútil, como propõem os autores franceses de L’évanescence de la valeur, mas antes de, em certo sentido, fazer justiça ao potencial crítico dos conceitos. O Marx duplo é uma unidade indissolúvel, e se existe uma contradição imanente na teoria, isso se deve às condições históricas de sua gênese e ao modo como Marx se posicionou frente a elas.
Como a essa altura fica evidente, foi a teoria do Marx exotérico que animou tanto os partidos políticos de esquerda nos países industrializados do Ocidente quanto as revoluções de modernização recuperadora.
Os movimentos históricos na periferia do capitalismo não puderam romper o invólucro das formas de fetiche modernas, mas, pelo contrário, ainda tinham apenas por fim a implementação social das categorias reais do moderno sistema produtor de mercadorias. Isto também se aplica, se bem que de outro modo, ao movimento operário ocidental, o qual se esforçou principalmente por reivindicar o seu “reconhecimento” como sujeito do direito e da cidadania, precisamente naquelas formas sociais cujo pressuposto lógico era o trabalho abstrato, sobre o fundamento deste sistema que já tomara forma nos países industriais europeus. Este contexto histórico permite explicar porque se perdeu o conteúdo crítico do conceito marxiano de trabalho abstrato e porque tanto o movimento operário ocidental como o socialismo de Estado do Leste, assim como os posteriores movimentos de libertação nacional do Sul, estavam ideologicamente presos por completo à ontologia do trabalho burguesa245.
Em sentido contrário, a proposta de Kurz é uma leitura que persegue os rastros do Marx esotérico, hermético. A nova revista da qual Kurz foi um dos fundadores, EXIT!, enuncia no texto que delineia seu projeto teórico:
Enquanto o marxismo tradicional da luta de classes [traditionelle Klassenkampf- Marxismus] tinha problematizado apenas a apropriação jurídica superficial da mais-valia pelos capitalistas, a “EXIT!” tematiza a forma social de “sujeito automático” que se encontra na base. A mais-valia deixa de ser um objeto positivo, que uns têm e outros não têm, e que se possa exigir ou tirar. Pelo contrário, trata-se de um irracional fim em si mesmo [irrationalen Selbstzweck], que está acima de todos os sujeitos atuantes. “Valorização do valor” significa o reacoplamento cibernético do valor a si mesmo, como uma espécie de máquina social. Tal como o valor como forma da acumulação sem fim, também o “trabalho abstrato” como seu conteúdo se torna igualmente um irracional fim em si mesmo, indiferente a qualquer qualidade social ou material. O marxismo tradicional fez da forma e do conteúdo do fetichismo moderno condições ontológicas e transhistóricas para a suposta conditio humana. Mas agora é o caso de historicizar essas categorias e com isso tornar então pensável a sua superação [Überwindung]. A crítica do capitalismo do marxismo tradicional se restringia à crítica do invólucro jurídico superficial da propriedade privada, enquanto a forma e o conteúdo da própria reprodução capitalista eram positivados acriticamente. Valor e “trabalho abstrato”, enquanto “trabalho” em geral, enquanto “dispêndio de nervo, músculo e cérebro” (Marx), não permanecem como fundamento ontológico “depois do capitalismo”, como colocado por uma crítica reduzida da mais-valia focada na forma jurídica e na distribuição; pelo contrário, o “trabalho” e o “valor” conformam a existência da mais-valia [bilden „Arbeit“ und „Wert“ das Dasein des Mehrwerts] e portanto do capital, ou do próprio “sujeito automático”. O programa da crítica não deve ser a distribuição justa do valor, mas sim a sua abolição [Abschaffung], enquanto forma irracional de uma “riqueza abstrata” (Marx) destrutiva. Não são o “ponto de vista do trabalho” nem o “orgulho pela criação de valor” que conduzem para além do capitalismo, mas sim, pelo contrário, a crítica radical das modernas “abstrações reais” de trabalho e valor246.
Rumos da crítica
Não é das mais gratas tarefas estabelecer “filiações”. Mas valeria seguir algumas pistas com o objetivo de apontar fontes que informam a construção teórica de Kurz: autores que, no âmbito da leitura e interpretação de Marx, se debruçaram sobre os aspectos da crítica categorial do capitalismo, por vezes também se opondo explicitamente ao marxismo tradicional, à vulgata doutrinária. Sem dúvida, há que se destacar Rubin247 e seu tratamento da teoria do valor de Marx, bem como Rosdolsky248, com sua reconstrução e análise do processo que vai dos escritos preparatórios dos Grundrisse ao plano final e redação de O Capital. Lukács, com História e consciência de classe, teve o mérito de problematizar a questão da reificação de um modo inovador, com uma importância histórica dupla: tanto resgatar o tema quanto lançar as bases para novas elaborações. A teoria crítica de Adorno e Horkheimer é uma dessas novas elaborações e, se tem a discussão luckásiana da reificação como precursora, também incorpora outras matrizes teóricas e se atira a estudos de espectro mais amplo. É uma das teses aqui neste texto desenvolvidas a idéia de que se pode considerar Kurz como, em certo sentido, um “herdeiro” da teoria crítica. Nesse caso, diferentemente de Habermas, por exemplo, ele seria um herdeiro “não-oficial”. Note-se, inclusive, que partindo dos mesmos pontos da teoria crítica deixada por Adorno e Horkheimer, Habermas e Kurz chegam a resultados diametralmente opostos. É esse o caso, por exemplo, do tratamento que um e outro dão à questão do sujeito249.
É um fato constatável pela leitura dos textos de Kurz que sua teoria em grande medida se constrói relacionando-se com os postulados da teoria crítica, num processo de incorporação e crítica. Há, com Adorno e Horkheimer, às vezes explícita, outras implicitamente, um constante diálogo crítico. A esse respeito, além das referências veladas ou diretas à teoria crítica em seus ensaios de Krisis e EXIT!, não se pode deixar de lembrar que, em 1997, por ocasião dos cinqüenta anos de publicação da Dialética do Esclarecimento, Kurz escreveu um artigo sobre o livro para o suplemento Mais!, da Folha de São Paulo, intitulado “Até a última gota”. “Sobre esse texto pode-se dizer, sem hesitar, que introduziu uma mudança de paradigma rica de conseqüências para a teoria social”250, afirmava Kurz então. Mas se a obra anuncia “o programa de uma crítica social nova e diversa, que até hoje aguarda seu cumprimento”, para Kurz, “Horkheimer e Adorno não cruzaram a porta por eles franqueada”251. O artigo reverente e elogioso não evita colocar a questão que, se é possível assim dizer, afigura-se como o ponto de ruptura de Kurz com a teoria crítica: “a despeito de sua mudança de paradigma”, Adorno e Horkheimer permanecem “filhos do Esclarecimento”252. Esse movimento de incorporação e crítica conta, talvez seja banal dizê-lo, com um elemento que faz toda a diferença, qual seja, a história desde então decorrida. Kurz escreve sobre os desdobramentos do sistema capitalista mundial, sobre o marxismo e desenvolve sua crítica da modernidade burguesa a partir de um outro momento histórico: não se pode deixar de considerar a distância temporal que o separa de Adorno e Horkheimer. Se se pensar que Kurz procede a uma atualização da teoria crítica para as condições do presente histórico, é imprescindível contabilizar esse fator no rol daquilo que lhe permite fazê-lo.
Notas :
122 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 83.
123 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 84.
124 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 86.
125 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 90.
126 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 92. Ver também Ricardo Musse. “A dialética como método e filosofia no último Engels” e Ricardo Musse. “Sistema e método no último Engels”.
127 A visão de que se “nadava com a corrente” (Walter Benjamin. “Sobre o conceito da História”, p. 227), posteriormente objeto de crítica de Benjamin à socialdemocracia alemã, já tem aqui seu gérmen.
128 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 100.
129 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 104
130 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 106.
131 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 131.
132 Herbert Marcuse. Marxismo soviético, p. 36.
133 Aldo Agosti. “As correntes constitutivas do movimento comunista internacional”, p. 48.
134 Aldo Agosti. “As correntes constitutivas do movimento comunista internacional”, p. 48.
135 Herbert Marcuse. Marxismo soviético, p. 37.
136 Cf. Vladimir Ilitch Lênin. O imperialismo: fase superior do capitalismo.
137 Herbert Marcuse. Marxismo soviético, p. 37.
138 Herbert Marcuse. Marxismo soviético, p. 3
139 Herbert Marcuse. Marxismo soviético, p. 50.
140 Herbert Marcuse. Marxismo soviético, p. 42.
141 Herbert Marcuse. Marxismo soviético, p. 53.
142 Herbert Marcuse. Marxismo soviético, p. 45.
143 Iring Fetscher. Karl Marx e os marxismos, p. 325
144 Iring Fetscher. Karl Marx e os marxismos, p. 325.
145 Iring Fetscher. Karl Marx e os marxismos, p. 325.
146 Iring Fetscher. Karl Marx e os marxismos, p. 325.
147 Perry Anderson. “Considerações sobre o marxismo ocidental”, p. 33.
148 Perry Anderson. “Considerações sobre o marxismo ocidental”, p. 39.
149 “A situação atual do problema ‘marxismo e filosofia’ (Também uma Anticrítica)”, conhecido simplesmente como “Anticrítica”.
150 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 15.
151 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 17.
152 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 18.
153 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 19.
154 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 19.
155 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 31.
156 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 32.
157 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 32.
158 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 32.
159 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 26.
160 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 25.
161 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 26.
162 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 29.
163 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 26.
164 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 27.
165 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 27.
166 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 27.
167 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 34.
168 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 55.
169 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 56.
170 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 56.
171 Sobre Plekhanov, escreve Korsch: “O mestre de filosofia de Lênin, o teórico russo Plekhanov, considerado, durante um determinado período histórico, como a verdadeira autoridade em todas as questões filosóficas do marxismo por toda a ortodoxia marxista do Ocidente e do Oriente” (Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 49 [nota de rodapé]).
172 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 43.
173 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 43.
174 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 49.
175 “Lênin e os seus, ao transferirem unilateralmente a dialética para o objeto, para a natureza e a história, e ao qualificarem o conhecimento de simples reflexo e reprodução passivos desse ser objetivo na consciência subjetiva, destroem efetivamente toda a relação dialética entre o ser e a consciência e também, como conseqüência necessária, a relação dialética entre a teoria e a prática” (Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 47-48).
176 Karl Korsch. Marxismo e filosofia, p. 57.
177 Maurice Merleau-Ponty. As aventuras da dialética, p. 71 [nota de rodapé]. 178 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 176.
179 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 178.
180 Cf. Maurice Merleau-Ponty. As aventuras da dialética, p. 72.
181 Merleau-Ponty afirma que, a essa altura, “Lukács entrava em choque com Materialismo e empiriocriticismo, que estava se tornando o manual do marxismo russo” (Maurice Merleau-Ponty. As aventuras da dialética, p. 71-72).
182 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 174.
183 Maurice Merleau-Ponty. As aventuras da dialética, p. 46.
184 Maurice Merleau-Ponty. As aventuras da dialética, p. 47.
185 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 193.
186 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 193.
187 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 199. 188 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 201.
189 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 202.
190 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 207. 191 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 211.
192 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 223.
193 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 218.
194 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 219.
195 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 228.
196 Georg Lukács. História e consciência de classe, p. 404.
197 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 197.
198 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 198.
199 Max Horkheimer. “Teoria tradicional e teoria crítica”, p. 68.
200 Max Horkheimer. “Teoria tradicional e teoria crítica”, p. 48. “A participação do proletariado na formulação do marxismo é assim reduzida ao mínimo. Sua ação não configura mais um exemplo vivo e concreto a ser seguido, mas apenas uma possibilidade que, apesar de demonstrada historicamente no passado recente, não apresenta sinais de retomada” (Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 200)
201 Ver Vladimir Ferrari Puzone. Da revolução à integração: a trajetória do proletariado vista por Max Horkheimer.
202 Max Horkheimer. “Teoria tradicional e teoria crítica”, p. 63.
203 Max Horkheimer. “Teoria tradicional e teoria crítica”, p. 64.
204 Max Horkheimer. “Teoria tradicional e teoria crítica”, p. 65.
205 Max Horkheimer. “Teoria tradicional e teoria crítica”, p. 58.
206 Ricardo Musse. De socialismo científico a teoria crítica, p. 201 [nota de rodapé]. 207 Max Horkheimer. “Teoria tradicional e teoria crítica”, p. 44.
208 Max Horkheimer. “Teoria tradicional e teoria crítica”, p. 44.
209 Inexiste, conforme Horkheimer, “uma classe social em cujo consentimento [a teoria crítica] se possa basear” (Max Horkheimer. “Teoria tradicional e teoria crítica”, p. 68).
210 Max Horkheimer. “Teoria tradicional e teoria crítica”, p. 67.
211 Max Horkheimer e Theodor W. Adorno. Dialética do Esclarecimento, p. 11.
212 Variações sobre o tema por certo não deixaram de existir, apontando, por exemplo, os “desvios” do regime soviético no caminho do socialismo.
213 Max Horkheimer e Theodor W. Adorno. Dialética do Esclarecimento, p. 19.
214 Max Horkheimer e Theodor W. Adorno. Dialética do Esclarecimento, p. 52.
215 “O programa do esclarecimento era o desencantamento do mundo” (Max Horkheimer e Theodor W. Adorno. Dialética do Esclarecimento, p. 19).
216 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 15.
217 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 21 e segs.
218 Deve-se, nesse momento, levar em conta que Kurz, tendo vivenciado a evolução e a queda dos regimes do Leste Europeu, pôde analisar esses acontecimentos a partir de um específico ponto de vista histórico.
219 Cf. Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”.
220 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 20.
221 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 29.
222 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 22.
223 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 22.
224 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 23.
225 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 30.
226 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 31.
227 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 31.
228 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 31-32.
229 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 33.
230 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 33.
231 “Para o marxismo tradicional, a confrontação fundamental do capitalismo é o conflito entre trabalho e capital, entre trabalho vivo e trabalho morto (isto é, trabalho objetivado). (…) Esta fixação, não sobre a abstração real que é o ‘trabalho’, mas sobre uma das suas formas empíricas e derivadas, designadamente o trabalho assalariado na sua oposição ao capital, uniu entre si todas as correntes do marxismo e parece hoje constituir ainda o menor denominador comum entre os marxistas sobreviventes.” (Anselm Jappe. As aventuras da mercadoria, p. 93-94).
232 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 28.
233 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 28 e segs..
234 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 28.
235 Cf. Jacques Guigou e Jacques Wajnsztejn. L’évanescence de la valeur. Une présentation critique du Groupe Krisis, p. 61 e segs.
236 Cf. Jacques Guigou e Jacques Wajnsztejn. L’évanescence de la valeur. Une présentation critique du Groupe Krisis, p. 27.
237 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 24.
238 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 24
239 Karl Marx. O Capital, Livro Primeiro, vol. I, p. 18.
240 Karl Marx. O Capital, Livro Primeiro, vol. I, p. 18.
241 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 25.
242 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 25.
243 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 28.
244 Robert Kurz. “Die Schicksale des Marxismus”, p. 28.
245 Robert Kurz. “Die Substanz des Kapitals. Erster Teil”, p. 68.
246 EXIT!. “Kapitalismuskritik für das 21. Jahrhundert”.
247 “Isaak Iljic Rubin (1885-1937[?]) foi nos anos vinte um professor de nomeada no quadro da economia política soviética nascente. O seu principal livro, Estudos sobre a teoria do valor de Marx, surgiu em 1924, em Moscou, no âmbito de uma polêmica de caráter acadêmico. Era de leitura obrigatória para os estudantes; mas quando o autor foi preso em 1930, acusado de ‘menchevismo’, e enviado para a Sibéria, os seus livros foram também retirados de circulação. Em 1937, Rubin desapareceu durante o terror stalinista. (…) O estudo de Rubin sobre a teoria do valor não foi apenas um dos primeiros sobre esse tema, mas permanece ainda hoje um dos melhores. O que é mais extraordinário ainda sabendo-se que Rubin, que conhecia bem as discussões havidas no âmbito da Segunda Internacional, não tinha, pelo contrário, como é evidente, qualquer contacto com o marxismo hegeliano ‘ocidental’ dos anos vinte. O seu livro permaneceu totalmente desconhecido no Ocidente (Rosdolsky é o único a mencioná-lo) até 1969, altura em que foi publicada uma tradução americana. Esta edição americana serviu depois de base a outras traduções em línguas européias (Alemanha, 1973, Argentina, 1974, Itália, 1976, França, 1978). (…) Quase todos os autores que, depois de 1970, se ocuparam do problema do valor em Marx, foram buscar elementos essenciais à argumentação de Rubin; muitas vezes devem-lhe bastante mais do que deixam perceber” (Anselm Jappe. As aventuras da mercadoria, p. 77 [nota de final de capítulo]).
248 “Roman Rosdolsky nasceu em 1898 em Lvov. De 1927 a 1931 colaborou na primeira grande edição das obras completas de Marx e Engels (MEGA). Depois de ter passado a Segunda Guerra mundial nos campos de concentração alemães, emigrou para os Estados Unidos, onde morreu em 1967 em Detroit. O seu principal livro, no qual trabalhou durante vinte anos, foi publicado em 1968 na Alemanha com o título de Gênese do ‘Capital’ em Karl Marx. Apesar ou por causa do caráter muito filológico desse trabalho, a obra conheceu uma grande repercussão que dura até ao presente. (…) Aqueles que, depois de 1968, descobriram a problemática do valor e do método em Marx reconheceram também o papel precursor de Rosdolsky” (Anselm Jappe. As aventuras da mercadoria, p. 129 [nota de final de capítulo]). O percurso de Rosdolsky foi sempre entremeado de dificuldades, como narra Jappe em outro texto: “As raras informações biográficas disponíveis sobre o autor nos fazem pensar que a sua vida não foi particularmente feliz: era sempre um homem errado, no lugar errado. Nascido no ano de 1898 em Galizia (uma parte histórica da Polônia) aderiu ao socialismo durante a primeira Guerra Mundial. Colaborava na edição das obras completas de Marx e Engels em Moscou, quando Stalin decide, em 1931 acabar com este empreendimento. Estava na Polônia quando da invasão dos nazistas, que o levaram preso para um campo de concentração, e depois, finalmente emigrou para os EUA, onde naquela época a vida não era muito fácil para um estudioso marxista” (Anselm Jappe. “Sobre o livro de Roman Rosdolsky”).
249 Em Habermas, o tema está principalmente nos dois tomos da Teoría de la acción comunicativa e em O discurso filosófico da modernidade. Em Kurz, ver a discussão a seguir.
250 Robert Kurz. “Até a última gota”.
251 Robert Kurz. “Até a última gota”.
252 Robert Kurz. “Até a última gota”.