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Consequências e perspectivas da unidade monetária europeia-  Norbert Trenkle e Ernst Lohoff

arlindenor pedro
Por arlindenor pedro 53 leitura mínima

 

Ao tentar justificar as vantagens de uma unificação monetária, seus defensores assumem, em geral, o ponto de vista das grandes empresas transnacionais e tratam o estabelecimento de uma “moeda unitária européia como a conseqüência lógica do cálculo microeconômico das empresas européias” (l). Se forem eliminados das transações os custos decorrentes da moeda para os “global players” que operam na Europa, é o que diz a justificativa padrão dos defensores da Unidade Monetária Européia (UME), os efeitos daí decorrentes seriam salutares para o crescimento econômico, o que, em última análise, beneficiaria a todos. Com essa argumentação, totalmente adepta de uma visão harmoniosa do mercado, os paladinos da UME não apenas se mostram cegos aos “efeitos colaterais” que vêm junto com a preparação indiscriminada da sociedade para as necessidades das empresas individuais, como também não se manifestam quanto às novas contradições macro-econômicas que o atual processo de globalização desencadeou no nível da ordem monetária internacional. Uma investigação critica que pretenda compreender a UME em seu contexto histórico deve, no entanto, levar em conta esse ponto, ou seja, deve-se compreender esse projeto também como uma reação aos problemas de política monetária surgidos na esfera européia com a globalização dos mercados financeiro e de divisas.


1. A POLÍTlCA MONETÁRIA EUROPÉIA APÓS O FINAL DO SISTEMA DE BRETTON WOODS

1.1 A “serpente monetária” e seu fracasso

No apogeu da grande expansão fordista da economia nas décadas de 50 e 60, a Europa desfrutava de relações monetárias relativamente estáveis. Com o acoplamento, previsto no sistema de Bretton Woods, do valor externo de todas as moedas européias ao dólar, ainda vinculado ao ouro, as taxas de câmbio na esfera européia também eram fixas. O longo vínculo a sistemas de controle de câmbio (até 1958) e a segmentação nacional dos mercados do ouro, até a década de 60 assegurada principalmente por meio de controles dos fluxos de capitais, garantiam que essa ordem não pudesse ser transtornada por movimentos especulativos. No entanto, o enfraquecimento crônico do dólar desde a metade da década de 60 (guerra do Vietnã), provocado por déficits permanentes na balança comercial e também por déficits orçamentários, aliado à importância crescente de mercados monetários desnacionalizados (“mercado de eurodólares”), puseram fim a essa situação.

Com o desatrelamento da liderança monetária americana do ouro, no início da década de 70, desmoronava-se definitivamente o sistema de câmbio fixo, e as taxas de câmbio eram liberadas. Sem dúvida, a Comunidade Européia (CE) tentou, pelo menos internamente, estabilizar as relações cambiais (flutuações em bloco) e instalou em 1972, na fase de desintegração do sistema de Bretton Woods, uma cadeia monetária (a “serpente monetária”), na qual as oscilações das taxas de câmbio deviam permanecer limitadas a 2,25 por cento. Mas o débil crescimento da década de 70 e os esforços dos governos nacionais de enfrentá-lo através de políticas keynesianas deficitárias levaram, na esfera da União Européia (UE), a um afastamento das metas econômicas estipuladas, especialmente no que dizia respeito às taxas de inflação. Esses desdobramentos eram incompatíveis com a manutenção de taxas de câmbio estáveis. Os governos inglês, italiano e francês não estavam dispostos a aceitar a sobrevalorização crônica de suas moedas com relação ao marco alemão, o que também não seria justificável em termos da política de emprego, e saíram da “serpente” já nos primeiros dois anos de seu surgimento. Com isso, essa cadeia monetária deixou de ser européia, degenerando num “bloco do marco alemão”, ao qual pertenciam, além da própria Alemanha, apenas os países do Benelux, a Dinamarca e mais dois países na época não membros da CE, a Áustria e a Suécia. Essa cisão da política monetária da Europa e do espaço da UE foi consolidada pelo sucesso do marco alemão, que, em razão das dificuldades por que passava o dólar, passou a ser a segunda mais importante moeda-reserva do mundo.

1.2 A política monetária européia na era da especulação

No final da década de 70, a UE deu início a uma segunda tentativa de reorganizar as relações monetárias na Europa. Ao contrário de seu predecessor desaparecido, o Sistema Monetário Europeu (SME), surgido em 1979, estava destinado, em princípio, a um sucesso muito maior. Institucionalmente o SME distinguia-se da destroçada “serpente” fundamentalmente por desistir de paridades rígidas, prevendo, desde o início, a possibilidade de readaptações periódicas das taxas de câmbio, os chamados “realinhamentos”.

Mas, sobretudo, as condições estruturais da economia mundial – alteradas com a passagem para o “capitalismo de cassino” (eminentemente especulativo) das décadas de 80 e 90, e que qualquer política monetária e financeira tinha de levar em conta – eram propícias ao fortalecimento da liga do SME em dois aspectos. De um lado, reduzia-se, na década de 80, a pressão por valorização ou desvalorização entre as moedas européias, na medida em que, com a queda gradual das taxas de inflação nos países ocidentais, as diferenças na elevação dos preços entre os países membros da UE também haviam diminuído; de outro, o desacoplamento da oferta de capitais da poupança interna e sua crescente dependência do crédito transnacional se encarregavam de fazer com que a opção de desvalorização se tornasse muito custosa e, assim, pouco atraente para os países mais fracos.

Ainda na década de 70, quando, graças ao elevado grau de liquidez internacional, o capital em dinheiro em busca de investimento era disponível em abundância e dessa forma podia ser obtido em condições extremamente favoráveis, os governos dos países mais fracos da Europa ocidental podiam dar-se ao luxo de exercer uma política monetária orientada para o crescimento interno, mesmo que isso se fizesse às custas de uma redução no valor externo de suas moedas. No entanto, quando, no decorrer da década de 80, o capital em dinheiro transacional tornou-se uma mercadoria escassa, mas mais que nunca indispensável diante dos estoques crescentes de dívidas, essa estratégia perdeu o sentido. Na exata medida em que a solvência de cada país tornava-se um fator decisivo nos mercados de crédito transnacionais, surgia uma nova pressão pela defesa irrestrita do valor externo da moeda nacional. Apenas disseminando a confiança quanto à desistência de correções imediatas e futuras das taxas de câmbio com relação à moeda européia dominante (o marco alemão), é que os parceiros do Ocidente europeu podiam garantir minimamente taxas de juros suportáveis para sua enorme necessidade de refinanciamento.

Essa pressão se tornou ainda mais eficaz na medida em que, a partir de 1987, com o desmoronamento da “economia Reagan” nos Estados Unidos, se estabelecia uma nova elevação do marco alemão. A orientação pelo primado absoluto da estabilidade do valor externo de todas as moedas européias com relação à moeda-âncora (o marco alemão) e a desistência quanto a qualquer “realinhamento”, resultantes da pressão dos novos movimentos do mercado financeiro, tornavam o SME um sistema completamente assimétrico. A concorrência das moedas nos mercados financeiros transformou a liberdade de ação da política monetária num privilégio exclusivo do banco emissor de um país. Com isso, o Banco Alemão assumia “de fato” o papel de um banco central de toda a Europa, sem que se visse obrigado, ao estabelecer suas metas, a levar em conta aspectos relativos a toda a Europa. A longo prazo, os parceiros da UE, especialmente a França, naturalmente não podiam ficar satisfeitos com essa situação. Dentre as condições que vigoravam, no entanto, apenas uma saída apresentava-se para recuperar pelo menos algum controle sobre a política monetária. A moeda hegemônica deveria desaparecer em favor de uma moeda da comunidade, que deveria ser administrada coletivamente.

Por parte do Bundesbank, a iniciativa de uma unificação monetária despertou sentimentos mistos. A administração do marco em Frankfurt acalentava, de um lado, a esperança de que uma possível moeda européia, sucessora do marco, estaria inequivocamente menos sujeita a movimentos especulativos nas taxas de câmbio do que o estivera a moeda alemã na década de 80. Por outro lado, no entanto, também não era segredo para que direção os parceiros da UE muito provavelmente orientariam a política monetária, numa futura unificação monetária. Nesse sentido, o temor, não sem fundamento, era que, na ausência da pressão exercida pelo marco alemão, a tão enaltecida nova “cultura da estabilidade” européia poderia muito rapidamente terminar em fumaça.

Quando, no início de 1992, os ministros das finanças e do exterior da UE acordaram o caminho que levaria à unificação monetária, apresentou-se como prova do quanto a Europa teria amadurecido para a fusão monetária o relativo silêncio que tomou conta do SME após 1987. Mas não demoraria muito para isso ser desmentido. O desmentido partiu dos mercados financeiros, que, nessa situação, acabaram curiosamente por atuar como uma espécie de “princípio de realidade”: através de duas grandes ondas de especulação em 1992/3 contra a peseta, a libra, a lira e o franco, produziu-se uma adaptação violenta das taxas de câmbio às efetivas discrepâncias existentes no lado real da economia. O SME não resistiu e, após a Itália e a Inglaterra terem de sair, foi de fato desativado através da ampliação para 30% das margens de flutuação admissíveis para as oscilações monetárias. Com isso, naturalmente, não eram afastados os problemas que haviam levado os parceiros europeus a renunciar aos realinhamentos. Dessa forma, uma situação análoga à predominante antes do fracasso do SME voltava a existir após a turbulência. A diferença estava apenas em que o vínculo do valor externo das moedas européias ao marco ocasionava agora custos ainda maiores, uma vez que a Alemanha, em conseqüência do processo de sua unificação, convertera-se, de maior credor, num grande, mas também privilegiado, sorvedor de créditos.


2. A INTENSIFICAÇÃO DA CONCORRÊNCIA ATRAVÉS DA UME

A abertura completa dos mercados de trabalho e de capitais, também visada com a unificação monetária, torna este o projeto que mais bem se enquadra no atual processo de globalização. A UME não é um plano visando o desenvolvimento interno da Europa, mas sim uma plataforma para os “global players” do mercado mundial. Os defensores do Maastricht não apenas não fazem disso segredo algum, mas chegam mesmo a alardeá-lo. A unidade monetária e o afastamento dos últimos obstáculos à transferência de capitais são, afirma-se, uma necessidade imperativa, se a Europa quiser sobreviver à competição – juntamente com as outras regiões da “tríade”, ou seja, o sudeste asiático (Japão e os “tigres”) e os Estados Unidos. Ao estimular a submissão aerodinâmica da Europa à lógica da globalização, os adeptos da UME, no entanto, ignoram um ponto central. Na Europa, o maior mercado interno do mundo, a magnitude do desenvolvimento econômico, ao contrário do que acontece com os pequenos tigres exportadores asiáticos, vai depender fundamentalmente dos efeitos internos produzidos pela reorganização das relações de concorrência no interior da própria estrutura européia. Se, para a eliminação definitiva das fronteiras do mercado comum em nome da globalização, os assalariados de diferentes regiões da Europa tiverem de ser transformados em vítimas, em termos de seus ganhos e disponibilidade de empregos, nenhum sucesso esmagador das exportações jamais poderá compensar essas perdas.

2.1 A concorrência após o término da válvula de escape da taxa de câmbio
 

A introdução da moeda unitária altera as condições de concorrência dos capitais produtivos e do “fator de produção trabalho”, sobretudo num aspecto. Com o estabelecimento do euro, os países da UME submetidos à corrida pela produtividade perdem a possibilidade de, através de adaptações nas taxas de câmbio, compensar pelo menos em parte as conseqüências de tal corrida para a política de empregos. É certo que as pressões provenientes dos mercados financeiros vêm dificultando o uso desse mecanismo de proteção desde a metade da década de 80. A passagem para a UME, no entanto, significa a completa desmontagem dessa válvula de segurança já bastante emperrada

Sem dúvida, o debate sobre a UME na esfera da ciência econômica discute integralmente a tarefa tradicionalmente atribuída às adaptações das taxas de câmbio, mas sua função compensatória no entanto é habitualmente relacionada apenas ao desenvolvimento diferenciado entre a inflação e os salários. A partir disso, não é difícil aos defensores da UME apresentar a ideologia neoliberal como substituto adequado para o mecanismo de adaptação perdido. Como numa área monetária unitária dificilmente se pode esperar desvios no comportamento da inflação, isso torna-se suficiente, se a estrutura salarial “se acomodar”.

A visada “diferenciação dos salários na esfera européia” deve ser rejeitada pelo simples fato de que ela resulta efetivamente num chamado para o dumping salarial na Europa. Mas, para além disso, também quando considerada imanentemente à economia, continua sendo uma solução desesperada e de resultados improváveis, mesmo que os assalariados, em especial os dos países membros menos desenvolvidos da UME, estivessem todos dispostos a converter-se em jejuadores profissionais. Na verdade, a oposição básica entre os países europeus não deve ser buscada nas diversas “culturas de estabilidade” aí existentes, isto é, numa suposta disposição, em especial dos “sul-europeus”, em viver com índices de custo de vida mais altos e em sua “incapacidade” de criar uma política salarial que atenda à exigência de estabilidade. Apesar de apregoada com sucesso pelos neoliberais, essa argumentação racista confunde causa com efeito. Nas regiões com as mais altas taxas inflacionárias e os mais altos custos salariais da periferia européia, esse fenômeno é secundário. O problema básico, a queda da produtividade na esfera européia, nunca poderá ser resolvido através da contenção de salários. Em conseqüência, a exigida flexibilidade dos salários não conduzirá a um crescimento conjunto e orgânico da economia européia, mas a uma cisão, isto é, a uma Europa dividida em, de um lado, umas poucas regiões centrais de alta tecnologia e, de outro, uma gigantesca periferia de subempregados, apenas participando da produção de valores através de uma força de trabalho cada vez mais desvalorizada. Em outras palavras: a queda da produtividade na esfera européia se faria notar, sob as condições da união monetária, como um aumento gigantesco do desemprego em massa, e uma simultânea diferenciação regional.

2.2 Polarização regional no interior das antigas economias nacionais

A unificação monetária libera tendências à desintegração no que tange ao lado real da economia. Isso se aplica não apenas às relações entre as antigas esferas monetárias. Ao contrário, deve-se antes contar com uma intensificação permanente das disparidades regionais no interior das antigas economias nacionais que estarão então compreendidas no interior da UME. Os sectores produtivos dirigidos para o mercado mundial, que atualmente as administrações em toda parte se empenham em estimular de modo unilateral, em parte alguma contribuem para um desenvolvimento dos países que coincida com seu espaço territorial. Ao contrário, o capital de investimento em nível global fixa-se exclusivamente numas poucas regiões situadas em locais favoráveis ao tráfego, nas quais a necessária infra-estrutura já se encontra presente, e reage de modo extremamente susceptível quando se exige que ele ajude a financiar o alto custo da construção de infra-estrutura fora dessas ilhas de modernização e desenvolvimento.

2.3 A concorrência local dos governos: o dumping social, ecológico e dos impostos na Europa

Para se aplicar medidas compensatórias, ainda que meramente paliativas, a esse efeito duplamente polarizador sobre o lado real da economia (polarização entre as antigas economias nacionais européias e polarização regional no interior dos próprios países), seriam necessários programas governamentais intensos, tanto no nível da Europa como no nível de cada país individualmente. No entanto, o estabelecimento da UME reduz, e de modo permanente, a liberdade de ação que ainda resta aos governos em sua função de redistribuidores de renda. Onde, juntamente com o risco monetário, são suprimidos os últimos obstáculos ao movimento do capital em busca de investimentos, as empresas podem, numa escala inédita, furtar-se às responsabilidades com relação a “seu” país. Elas consideram agora os múltiplos ofertantes de “mercadorias públicas” e desfrutam do privilégio de poder escolher entre eles. Com isso, rompe-se a aliança tricentenária entre o Estado territorial e o capital. Os países, individualmente, vêem-se num novo tipo de competição pelo favor dos investidores. Isso é a princípio percebido no nível da política tributária. Se as empresas e os detentores de capital monetário, graças a uma contabilidade inovativa, outsourcing e a uma liberdade sem fronteiras no movimento dos capitais, podem escolher em que país da Europa querem pagar seus impostos, aos governos fica cada vez mais difícil tributar o altamente móbil fator “capital”. Sob as garras do fisco permanece, no longo prazo, apenas a mercadoria força de trabalho, à qual, naturalmente, falta a necessária flexibilidade de evasão.
Com as chamadas “reformas tributárias” que, na etapa pré-UME, se iniciam em diversos países, os governos se submetem, e satisfeitos, à “força dos fatos” que eles mesmos criaram. Mas dificilmente essas mudanças permanecerão nas medidas já adotadas. Muito provavelmente está em preparo uma verdadeira corrida de dumping tributário. Uma esfera monetária unificada, sem um sistema tributário homogêneo, não apenas expressamente convida à exploração, pelo capital privado, das diferenças existentes, mas também à busca dos interesses próprios de cada governo em particular. Em especial no caso dos pequenos países europeus, como Luxemburgo, Bélgica e Áustria, será mais que nunca extremamente atraente recrutar em massa, através de taxas exorbitantemente baixas, pagadores de impostos e investidores estrangeiros. Embora com um número relativamente pequeno de pagadores de impostos locais, as perdas em impostos por cabeça serão muito rapidamente compensadas pela migração dos impostos. É evidente o que isso significa para o futuro desenvolvimento das finanças governamentais nos países com superfícies maiores.

A mesma lógica do dumping que está por destruir as bases do “Estado de impostos” naturalmente também ameaça o “Estado de obrigações”. A livre circulação do capital, combinada a uma externalização incondicional dos custos, produz uma imensa pressão pelo enfraquecimento dos padrões sociais e ecológicos. Diante de um nível de desemprego mais alto e de um tesouro público vazio, a concorrência local na esfera européia, sob a pressão da UME, sempre se mostrará mais forte do que qualquer consciência ecológica e social porventura ainda existente.


3. COMO A UNIFICAÇÃO MONETÁRIA PRENUNCIA A CISÃO DA POLÍTICA ECONÔMICA EUROPÉIA

3.1 Sobre o problema da redistribuição na esfera da UME

O desenvolvimento capitalista é per se um desenvolvimento desigualmente equilibrado. Ele produz e reproduz continuamente disparidades regionais. Contra essas tendências centrifugas, o Estado funciona, classicamente, como corretivo, pois, com sua capacidade distributiva, garante a homogeneização necessária das condições de vida e das relações de exploração. Com isso, independentemente de qualquer estímulo regional especial, a simples massa dos meios recolhidos pelo Estado, e posteriormente gastos no país inteiro, já produz um efeito equilibrador.

As disparidades que se avolumam com a introdução da euro deverão aumentar a necessidade de intervenção numa proporção muito além do usual nos Estados nacionais, sem que essa necessidade possa ser atendida, pelas razões acima mencionadas. As disparidades são desde o início demasiado grandes para que possam ser enfrentadas pelos clássicos mecanismos redistributivos em mãos do Estado. Uma infra-estrutura social e um sistema de seguridade unitários que abranjam toda a Europa, não são nem financiáveis nem desejados pelos detentores de capital voltados para o mercado mundial.
A planejada UME leva em conta esse fato na medida em que renuncia a uma comunitarização, por meio de orçamentos públicos, dos ônus decorrentes da UME. Além disso, a redistribuição, no pós-euro, vai permanecer limitada às esferas nacionais. Por mais inevitável que essa “auto-regulação” seja para a concretização da UME, tanto mais desastrosamente ela deve atuar sobre a coesão da mesma UME. Onde nem a desativada válvula de segurança das taxas de câmbio nem os mecanismos de compensação redistributivos estiverem equilibrando as tensões que forem surgindo, elas irão se acentuar e por fim irromper por outras vias.

3.2 A Europa das diferentes velocidades: sobre a relação entre os ins e os outs

Os critérios de convergência que devem decidir quanto à admissão na UME são na verdade unilateralmente orientados por metas monetárias e não por objetivos relacionados ao lado real da economia. No entanto, eles irão efetivamente excluir da participação principalmente os países membros menos produtivos da UE, em especial os do sul da Europa. Os defensores da UME alegam, sempre que possível, que a “Europa das duas velocidades” não deverá levar a uma sociedade de duas classes na UE e que os provisórios “outs” poderão mais tarde ser admitidos. Essa perspectiva no entanto é irrealista
A própria (e previsível) reação dos mercados financeiros diante da decisão sobre a questão dos participantes pode vir a funcionar como uma espécie de “profecia auto-realizadora”. Tão logo se delineiem claramente quais serão os países da EU que poderão participar na união monetária, as moedas consideradas muito fracas ficarão todas sob pressão por desvalorização. Com a elevação dos “prêmios de riscos”, isto é, com o encarecimento errático do afluxo de capitais monetários, estreita-se de modo decisivo a liberdade de ação dos países excluídos. A iminência de um choque de juros irá não apenas dificultar o financiamento dos déficits do Estado, mas também conduzirá os países em questão a uma profunda recessão. Nessas circunstâncias, não pode mais existir nenhuma política de convergência. Diante dessa perspectiva nada encorajadora para os que ficarem marginalizados do processo, é compreensível a ansiedade com que os governos de quase todos os países membros da UE se empenham em participar da UME. Um país como a Bélgica, por exemplo, que detém o recorde europeu de dívida pública, muito rapidamente ficaria à beira da ruína, devido à elevação dos juros.

A bipartição da UE representa um problema sério não apenas para o potencial grupo dela marginalizado. Também os “países centrais” estão diante de um dilema em última análise insolúvel. Se importantes parceiros comerciais europeus, como a Itália e a Espanha, forem excluídos, a UME não atinge sua ambiciosa meta: “um mercado interno – uma moeda”. Os previsíveis distúrbios entre “centro” e “periferia” dificultariam as relações de modo ainda mais intenso que as atuais oscilações das taxas de câmbio na esfera de toda a UE e romperiam os laços produtivos existentes. Por outro lado, se a Itália, a Espanha e a Bélgica forem admitidas na UME, isso poderá abalar ainda mais a já fraca confiança na “estabilidade” do euro junto aos mercados financeiros, lançando a UME, logo no seu início (ou até mesmo antes disso), numa grave crise.

Aparentemente os governos europeus pretendem fechar os olhos a esse dilema fundamental, visto que, nos planos desenhados para a efetivação da UME, os problemas previsíveis de uma cisão em “ins” e “outs” não receberam, até agora, qualquer atenção adequada, e a impressão que se tem é que essa situação não vai mudar. Dessa forma, fica também explicado o entusiasmo com que todos os governos dos países da UE desde o início se empenharam em fazer parte da UME, mesmo que a política de desregulamentação imposta pelos critérios de convergência arruíne seus países.


4. A FICÇÃO DA “COMUNIDADE ESTÁVEL”

Nossos propagandistas da UME falam constantemente de uma “comunidade estável”. O que entender com essa afirmação, repetida como uma ladainha? Para responder a essa pergunta é necessário examinar o teor e a solidez dos chamados critérios de convergência, que são tratados como garantia de uma Europa na rota do crescimento e imune a tendências inflacionárias.

4.1 O que significam os “critérios de convergência”?

Nos “critérios de convergência”, chama imediatamente a atenção o fato de que eles são orientados exclusivamente pelos prazos-limites da política monetária e de forma alguma refletem a compatibilidade, em termos da economia real, entre as diversas economias nacionais. Aplicando o padrão estipulado em Maastricht a diferentes economias’, chegamos a resultados estranhos. De modo paradoxal, um país completamente desindustrializado como a Argentina preenche esses critérios, mas não os Estados Unidos ou o Japão, que em razão de sua alta dívida pública não teriam qualquer perspectiva de admissão.

Os critérios falham não apenas como índice de convergência em termos da economia real. Sua força comprobatória permanece extremamente limitada mesmo em seu terreno próprio, o da pura política monetária. Isso se aplica principalmente ao estabelecimento de metas para a inflação e a dívida. Não existem bases objetivas para estabelecer com precisão os valores adequados à estabilidade; valores mais altos ou mais baixos do que os escolhidos seriam também perfeitamente legítimos. Pior ainda acontece com os critérios relativos a taxas de juro e de câmbio. Eles não garantem seletividade alguma, pois são puramente tautológicos, refletindo tão-somente, nesta etapa pré-UME, a própria expectativa dos mercados financeiros a esse respeito e que é, em fim de contas, aquilo que na verdade determina a admissão ou não admissão de um país.
Mesmo não fazendo jus a seu nome, os “critérios de convergência” no entanto não são desprovidos de função. O arbitrário tem sua lógica. Numa época de especulação, na qual os países e a economia real dependem basicamente do desenvolvimento do mercado financeiro, cabe a esses critérios principalmente estimular a estabilidade da política monetária que torna a esfera monetária atraente para investidores potenciais. A UME estará desde o início condenada ao fracasso, se não conseguir mostrar como plausível aos mercados financeiros que seus membros estão decididos, a qualquer custo, a fazer o euro surgir como moeda corrente. Os “critérios de convergência” são eficazes desde que o capital monetário e financeiro, investido no crédito e na especulação na Europa, não escape da própria Europa e que a área da UME possa garantir que sua provisão de capitais, após a troca de moeda, esteja em condições relativamente favoráveis.

Nesse sentido, não deixa de ser irônico o fato de que essa tentativa de simulação de “estabilidade” ameace agora, por si mesma, soçobrar, Nesse meio tempo, tornou-se claro que nenhum dos países, exceto o Luxemburgo, pode preencher todos os critérios. Em especial a dívida pública revela-se, apesar de todos os artifícios utilizados para disfarçar a situação, como uma barreira insuperável. Com isso, os governos europeus estão mais que nunca presos a um dilema. Se abrandam os padrões de estabilidade auto-impostos, podem vir a detonar um movimento de desligamento em massa da Europa de antemão programado nos mercados financeiros. Um adiamento da UME, de outro lado, equivaleria, sem dúvida, a uma renúncia de fato, uma vez que a base de confiança seria destruída e as condições econômicas e financeiras certamente piorariam ainda mais.

4.2 O insolúvel problema da dívida pública

Já nesta etapa pré-UME o problema da dívida pública é causa das maiores dificuldades para os candidatos à admissão. Com a passagem efetiva para a UME, esse problema passará para uma fase de lenta combustão, na qual a dita “cultura da estabilidade” conduzirá ao absurdo.

As ideologias neoliberais podem elaborar os mais fantásticos planos de tortura em termos de política orçamentária, que ainda assim não conseguirão bloquear a tendência secular ao crescimento da dívida pública. Particularmente a partir da fase fordista do pós-guerra, o Estado tornou-se um fator estrutural decisivo das economias nacionais e não pode mais, impunemente, retirar-se de cena. Onde o faz, ele bloqueia as próprias fontes de receitas.

Na Europa, o fracasso dos conceitos neoliberais se manifesta de modo especialmente drástico no exemplo inglês. A redução dos gastos públicos, pela qual o thatcherismo deu-se tanto crédito, foi aí basicamente conseguida à custa do negligenciamento da infra-estrutura. No entanto, a prática desse tipo de autocanibalismo pode ser exercida apenas por um limitado espaço de tempo, sem comprometer estruturalmente a situação econômica. Para impedir a derrocada do país, os conservadores ingleses foram por fim forçados a abandonar o dogma de uma redução da dívida pública. Se em 1989 a dívida pública acumulada estava em 37 ,6% do PIB, hoje ela está novamente em 57 ,6% e, dessa forma, pouco mais baixa do que no ano recorde de 1984. Dificilmente se pode esperar que a repetição desse exercício no cenário europeu possa conduzir a um resultado melhor. Aquilo que, na esfera do acordo de Maastricht, recebe o nome de “política de estabilidade” não garante a consolidação dos orçamentos públicos, mas sim um novo surto de endividamentos sob a égide da UME.

4.3 A incongruência entre uma área monetária unificada e políticas econômicas nacionais

A tendência a um permanente endividamento estatal também tem seu lado estrutural-institucional. Ao rejeitarem a possibilidade de uma ampla redistribuição por toda a Europa, os signatários do acordo de Maastricht não podem impedir que a UME funcione como uma “comunidade de obrigações”. Eles apenas deslocam o nível em que o compartilhamento dos ônus se torna perceptível. No lugar da redistribuição não implantada (ou seja, no lugar da obrigação “direta”) aparece, sob as condições de um espaço unitário no nível monetário, mas estilhaçado em termos da política econômica, a obrigação indireta, na forma de uma comunidade de dívidas e de inflação.

Existem duas razões para se considerar um tal desenvolvimento como altamente provável. De um lado, impõe-se o caminho do endividamento adicional dos governos nacionais, na medida em que a UME lhes bloqueia as possibilidades tradicionais advindas da criação de moeda e que a política de empregos só se torna possível através de empréstimos. De outro, a opção do endividamento ganha uma nova atratividade, porque os efeitos negativos dos juros em crescimento nos mercados de capitais devem ser repartidos, através da moeda unitária, com todos os países membros, enquanto que os efeitos positivos (estímulo ao crescimento, subvenções, políticas sociais) beneficiarão apenas o país que se endividar.

A objeção contra essa previsão, segundo a qual, também após o estabelecimento da UME, os governos que se endividarem além da conta serão penalizados com juros correspondentemente mais altos, mantendo-se assim internalizados os custos do endividamento excessivo, não é correta. As diferenças até agora existentes nas taxas de juros dos diversos países da Europa não refletem, na verdade, os diferenciados pesos das dívidas públicas, mas são, ao contrário, “prêmios de risco” pagos em função de possíveis desvalorizações monetárias. Sendo assim, essas diferenças desaparecerão com a unificação monetária. Taxas mais elevadas para governos mais pesadamente endividados poderão sem dúvida existir, mas elas se moverão em limites estreitos, pois somente farão sentido se a obrigação puder ser restringida ao devedor. Mas não se pode seriamente contar com isso. Apesar da exclusão recíproca das obrigações contratualmente estabelecida, em caso de dúvida, os países da UME terão de escolher, para prestar ajuda, um dentre os países mais pobres que estiver com sua capacidade de pagamento ameaçada.

4.4 O Banco Central Europeu: um guardião da estabilidade num dilema

O acordo de Maastricht concede ao Banco Central Europeu (BCE), segundo o padrão do Banco Alemão, um alto grau de independência. O BCE deve, sobretudo, ser um guardião da estabilidade do valor da moeda, devendo levar em conta outras metas de política econômica, somente na medida em que isso não se choque com a exigência de combate à inflação. Essa garantia institucional, no entanto, está longe de assegurar que o BCE possa manter esse alinhamento unilateral a longo prazo. Se a UME, como é previsível, produzir distorções sociais e econômicas profundas, e os governos nacionais, queiram ou não, tiverem de adotar medidas compensatórias, o BCE se colocará no centro das disputas da política econômica. Justamente porque vai escapar da geração de demandas políticas que permanecerão nacionalmente determinadas e organizadas, o BCE praticamente se oferecerá como o principal alvo dos ataques nacionalistas e populistas. No longo prazo, isso dificilmente deixará de afetar sua política monetária. Sob a pressão de governos democraticamente legítimos, a posição do BCE poderá se relativizar muito rapidamente. Além disso, de um ponto de vista central, a responsabilidade pelo curso dos acontecimentos vai escapar da política monetária do BCE. O destino da política cambial está nas mãos do Conselho Europeu dos Ministros de Economia e Finanças (Ecofin) e também nesse nível estão previstos conflitos quanto às metas a serem estabelecidas.


5. O EURO E OS MERCADOS FINANCEIROS INTERNACIONAIS

5.1 A herança do marco alemão como maldição para o euro
O marco alemão tem, juntamente com o dólar, uma posição privilegiada no mercado financeiro. Uma parcela considerável da liquidez mundial e das reservas monetárias está investida em marcos alemães. Essa preferência pelo marco alemão foi inicialmente a “conseqüência” de sua superioridade no que tange às variáveis reais da economia. Mas, desde o crescimento explosivo da dívida externa, em conseqüência da unificação alemã, ela foi se convertendo cada vez mais na “condição” da força alemã na esfera européia. A confiança dos mercados financeiros conquistou para a Alemanha não apenas o acesso, em condições muito favoráveis em termos internacionais, ao capital monetário mundial: na medida em que os investidores estrangeiros se apegam ao marco alemão, eles ao mesmo tempo absorvem a maior parte dos montantes em moeda emitidos pelo Banco Alemão e dessa forma garantem à Alemanha um gigantesco “crédito”, sem qualquer custo.

Esse privilégio se tornará sem dúvida uma maldição, tão logo cesse de existir. Quando os investidores internacionais começarem a se afastar do marco alemão, essa mesma espiral irá girar no sentido contrário ao que sempre empurrou para cima, durante décadas, o valor externo da moeda alemã. A Alemanha vê-se assim ameaçada de ser inundada pela massa de marcos alemães em refluxo. A passagem para o euro torna manifesto esse perigo potencial. Caso a “simulação de estabilidade” européia não tenha sucesso, o marco alemão sofrerá, ainda antes da passagem para o euro, uma violenta queda. Se, no entanto, os mercados financeiros depositarem inicialmente sua confiança nessa passagem, deve-se então contar com uma pressão crônica sobre o euro (com as conseqüências correspondentes para o nível dos juros europeus), tão logo as debilidades estruturais se tornem manifestas. Não faltará ocasião para o desencadeamento de ataques especulativos contra o euro. Disso, aliás, já estão encarregadas as oposições de interesse existentes na esfera européia quanto à questão do valor externo do euro.

5.2 A retração das reservas monetárias européias

Dificilmente se pode esperar um desenvolvimento tranqüilo e suave da taxa de câmbio européia, pois a implantação da UME impõe à capacidade de investimento e de manobra do BCE uma pesada hipoteca. Os bancos centrais têm empregado como antídoto contra os movimentos de especulação nos mercados de divisas, além de modificações nos juros, sobretudo o instrumento da compra e venda de reservas monetárias. Como os bancos centrais europeus possuem uma grande parcela de suas reservas monetárias em francos, florins, libras, liras e sobretudo em marcos alemães, isto é, em moedas que devem ser absorvidas pelo euro, na noite de passagem de 31/12/98 para 1/1/99 cerca da metade de todas às reservas monetárias européias converter-se-á em liquidez no espaço europeu! A tentativa do BCE de voltar a aumentar o volume dessas reservas, isto é, trocar os euros, incapazes agora de desempenhar essa função, pelo iene ou pelo dólar, está, em princípio, proibida. Uma tentativa como essa poderia mesmo dar início à especulação contra o euro, ao invés de impedi-la.

 

 

 

6. PERSPECTIVAS DE UMA CRÍTICA EMANCIPATÓRIA DA UME

 

Diante de conseqüências tão desastrosas, deve-se contrapor à perspectiva de implantação da UME uma política emancipatória, “assentada em princípios e sem concessões”. Diante das dimensões desse projeto, porém, tal política não deve restringir-se a isso. Um movimento anti-UME somente poderá ser bem sucedido, se desenvolver uma estratégia ofensiva de emancipação social de grande amplitude, dirigida contra a transformação neoliberal “como um todo”, no contexto da qual o projeto da UME deve ser considerado.

6.1 O nacionalismo do marco alemão: o outro lado do radicalismo do mercado 

Uma atitude de pura negação à UME e a transformação dessa recusa num “programa de um único ponto” seriam no entanto fatais, também devido ao fato de que a oposição à unificação monetária apresenta uma configuração bastante diversificada. Um movimento anti-UME orientado por metas emancipatórias não deve perder de vista o contexto político em que está situado. Ele somente poderá constituir-se diferenciando-se claramente das formas reacionárias de rejeição ao euro, cujos contornos já hoje se delineiam.
Sem dúvida, nem o nacionalismo do marco alemão nem os correspondentes desdobramentos da reação nos outros países europeus têm a oferecer um conceito social e econômico consistente como alternativa à UME. Isso, porém, não causará nenhum prejuízo a sua eficácia ideológica, pois eles podem servir ao fortalecimento de ressentimentos profundamente enraizados. Se se acentuarem no decorrer da crise da unificação européia e assumirem formas mais exacerbadas, essas tendências poderão romper a coesão não apenas da UME, mas da própria Europa.

Em termos de argumentos, os grandes partidos do sistema não têm nada a contrapor ao estridente nacionalismo; na verdade, eles acabaram, cada um a seu modo, por abrir-lhe o caminho. Tanto a coalizão de Bonn quanto os parlamentares do SPD (Partido Social Democrata) apoiam-se no construto do “marco alemão forte” e situam particularmente no sul da Europa os “companheiros não confiáveis” – que na verdade estariam apenas se utilizando da UME. Assim os bodes expiatórios já estão constituídos. Muito antes de o maior experimento monetário de todos os tempos entrar em sua fase decisiva (na qual deve fracassar). É a tais argumentos nacionalistas e racistas que a política emancipatória deve se contrapor com determinação.

6.2 De que servem para a Europa os conceitos da esquerda keynesiana?

A critica keynesiana de esquerda à UME, que na Alemanha é representada principalmente pelo Memorandumgruppe de Bremen, dirige-se per se não contra a integração monetária e econômica da Europa, mas apenas contra os sintomas neoliberais sob os quais ela presentemente vem sendo realizada. Em seu apego à defesa da capacidade reguladora do Estado, os neokeynesianos de esquerda estão até mesmo inclinados a acolher uma unificação monetária e econômica. Em tempos de globalização do capital, essa é sua idéia básica, um tal projeto poderia restaurar a capacidade de ação da política econômica, na medida em que, pelo menos em parte, seria possível transpor o abismo existente entre o domínio (ampliado) da economia de mercado e o espaço da regulação nacional.
No entanto, diante de uma polarização social e regional agravada com a intensificação da concorrência local, o padrão clássico de uma política econômica fordista com seu Estado redistribuidor nunca conseguirá se elevar – independentemente da vontade política – ao nível europeu. Como indicamos, a necessidade de uma redistribuição nacional em toda a Europa transborda em muito a capacidade de regulação e de intervenção do Estado, o que se notará, principalmente, na escassez de financiamentos. Dessa forma, falta também total fundamento à “teoria do coroamento”, segundo a qual as condições sociais e econômicas seriam primeiramente equilibradas e então, numa conclusão triunfal, seria adotada a moeda comum. A UME, tal como desenhada no acordo de Maastricht, não é (exceto por algumas questões de detalhe) expressão de uma política de integração falsa ou unilateralmente orientada; ao contrário, é a única forma possível de uma unificação monetária na Europa. Por isso mesmo ela deve ser incondicionalmente rejeitada. O “sim, mas” dos keynesianos de esquerda mente a si mesmo sobre isso e obstrui, assim, a possibilidade de se prosseguir com as reflexões sobre alternativas sociais.

6.3 Por uma reorientação radical

O ponto de partida para a busca de uma perspectiva emancipatória dirigida contra a UME e a concepção neoliberal que a acompanha deve ser o fracasso duplo do mercado e do Estado. Nem a “mão invisível” do mercado, nem o Estado redistribuidor estão em posição de resolver a crise da sociedade do trabalho. Constatar isso não significa no entanto afastar a política e o Estado de sua responsabilidade pelas catastróficas conseqüências ecológicas e sociais da crise capitalista. Mas deve-se, sem dúvida, abandonar a idéia compulsiva de que o Estado, a um custo financeiro crescente, deveria manter contrafactualmente uma “normalidade”, em termos da sociedade do trabalho, que há muito se tomou obsoleta e indefensável.

Por outro lado, o movimento emancipatório deveria trazer para o centro do debate a luta pelo desatrelamento sucessivo entre aspectos centrais da reprodução social e a lógica mercantil. Isso significa, em primeiro lugar, a cessão de meios públicos socialmente úteis (ecológicos e sociais), também incondicionalmente exigidos, mesmo onde isso colidir com o bom andamento do mercado. Em segundo lugar, a criação de estruturas de reprodução cooperativas, (auto-organizadas e não mediadas pelo mercado), deveria ser estimulada e patrocinada de modo abrangente, isto é, em termos materiais, financeiros, jurídicos e políticos, não apenas em nível local e regional, mas também em nível supra-regional.

Na verdade, é evidente que uma tal perspectiva de política emancipatória, aqui apenas toscamente delineada, deve ser desenvolvida e posta em termos concretos no debate com os defensores do “terceiro sector” e da oposição social à ofensiva neoliberal. Naturalmente a busca, de saídas do domínio totalitário do mercado não pode limitar-se ao nível regional ou nacional. Também, e justamente no que concerne à UME, protestos isolados em países isolados de nada adiantam. Eles correm mesmo o risco de ser apropriados pelo nacionalismo. Se não queremos aceitar nem uma Europa de fronteiras neonacionalistas nem uma Europa de concorrência de mercado desenfreada, devemos elevar até o nível de toda a Europa a oposição à UME e o discurso sobre novas perspectivas sociais. Organizar isso (por exemplo, através da realização de um congresso anti-UME de âmbito europeu) deve ser um objetivo imediato. Para além disso, a estratégia de um desacoplamento progressivo entre mercado e Estado deve radical e ofensivamente ser introduzida no debate sobre as alternativas à política econômica neoliberal. Deve-se também, em especial, esclarecer e colocar em termos concretos de que modo tal estratégia poderia ser estimulada e patrocinada em termos materiais, financeiros e jurídicos, para além do pano de fundo político-institucional.


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Tradução de Maria Clara Cescato e revisão técnica de Leda Maria Paulani.
(1) Collington, 1993, p. 108.

 

NORBERT TRENKLE e ERNST LOHOFF são pesquisadores do Institut für kritische Gesellschaftstheorie de Nuremberg, que edita a revista Krisis.
Publicado na Revista PRAGA, nº 4, S. Paulo, Dezembro de 1997

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Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
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