A meio a uma estabilidade política rara entre nós –, até que a burguesia, embalada pela crise que se abateu sobre o governo Dilma, resolver lançar o PT ao mar, com o intuito de acelerar o ritmo da implantação do que restava da agenda neoliberal, sem ter que “pagar pedágio” na forma de medidas de compensação social.
Aconteceu que, à demonização do PT se seguiu o que não estava previsto no roteiro golpista: a derrocada dos petistas arrastou consigo os seus inseparáveis parceiros-inimigos. Com o enfraquecimento do PSDB, a fronteira à direita do “sistema” ficou desguarnecida e, por ela, adentrou as hordas bárbaras da extrema-direita que iriam em breve se organizar como “bolsonarismo”.
Com isso, ao processo de implantação da agenda neoliberal se somou um projeto de poder até então inédito, cujo objetivo é o de refundar a República com vista à implantação entre nós de um Estado totalitário, de conteúdo abertamente antimoderno, nos moldes do que vem pregando a extrema-direita mundo afora.
A extrema-direita é, em geral, uma força política que não nasce “organicamente” do seio da burguesia. Como força não “orgânica”, a extrema-direita e a burguesia mantêm em entre si, não raro, uma relação a um só tempo de mútua desconfiança e de mútua instrumentalização. (O exemplo “clássico” que ilustra à perfeição essa tese é o nazismo.)
No Brasil não vem sendo diferente…
A burguesia, num primeiro momento, valeu-se do bolsonarismo com vista a levar adiante, em ritmo acelerado e a “custo zero”, a implantação do que resta da agenda neoliberal para, num segundo momento, livrar-se do bode na sala.
A expulsão do bode do bolsonarismo da sala do governo só poderia ser vitoriosa – todos sabíamos disso, menos Ciro Gomes – com a recomposição do “sistema” implodido a partir de 2016, e a burguesia e a grande mídia não tiveram pejo em fazer uma autocrítica na prática, “absolvendo” Lula, ainda que não verbalizada nestes termos.
A recomposição inicial do “sistema” em torno da candidatura de Lula foi suficiente para derrotar eleitoralmente Bolsonaro nas urnas, mas o projeto de poder da extrema-direita continua de pé, ainda que enfraquecido. O bode foi expulso da sala, mas ele sabe que pode encontrar alimento alhures…
O alimento da besta-fera do bolsonarismo é a crise institucional. A anomia é a condição necessária (ainda que não suficiente) para a realização do projeto de poder bolsonarista, e, por isso, o governo Lula fará tudo para evitar o que parece não estar totalmente afastado do horizonte, isto é, a falência múltipla dos órgãos da República, tudo isso sem confrontar, é claro, o que desde a “redemocratização” vem unificando a burguesia.
Lula é o homem certo para esta hora incerta – como negar-lhe os méritos de “conciliador”?
Num movimento semelhante ao da sístole e da diástole, voltou a ser a hora do PT. A lamentar a ausência entre nós de uma força política de claro conteúdo nacional e popular, com capacidade de mudar o rumo dessa prosa…