A Utopia, que sempre foi um elemento determinante na prática política, e aqui me refiro a prática delimitada pela lógica eleitoral, foi afastada como matriz de comportamento e ação dos atores políticos no mundo contemporâneo. Na realidade, a política, tal como ela nos é apresentada hoje, foi tomada pela economia. No lugar de ser espaço de grandes confrontos de ideias, se sujeita, agora, aos ditames das relações de mercado, e, inclusive, seus protagonistas — os políticos — por força da lógica desta situação, foram reduzidos a meros produtos, para serem consumidos e descartados. Na outra ponta, também por força desta mesma lógica, constatamos os cidadãos-eleitores reduzidos à figura de consumidores, que escolhem suas preferências conforme o que dita o “marketing” político: a melhor postura, melhor imagem, apelos emocionais, etc.
Desta forma, pouco importa o conteúdo das mensagens, e sim a forma de como elas são ditas-transmitidas, pois o debate passou a ser travado no campo da administração, destacando-se aquele candidato que convencer o eleitor que é o mais capaz de efetuar um choque de gerenciamento na máquina pública. Ou também então aquele que conseguir passar mais emoção aos eleitores colocando-se como capaz de vencer o inimigo que impede o eleitor de ter uma vida melhor.
Ao mesmo tempo, verificamos que as corporações dominaram o parlamento e as votações invariavelmente se dão em torno dos interesses corporativos. Ficaram para um segundo plano os interesses de segmentos sociais fora desses parâmetros: os movimentos de minorias étnicas, movimentos em defesa do meio-ambiente, etc. Poderemos dizer, portanto, que a política tornou-se um negócio, sujeito, como tantos outros, as leis do mercado, sujeitando-se aos seus objetivos e regras específicas. Nesse sentido, seria preciso entender o que pensam estas corporações, que se tornaram corpos vivos, tendo peso nas preferências políticas. Portanto, ideias abstratas como mercado financeiro, agronegócios, etc., tomam forma concreta: como corpos vivos de inegável influência.
O advento das novas tecnologias de comunicação à prática política, tais como as pesquisas quantitativas e qualitativas; técnicas de vendas de produtos-técnicas aplicadas à formação de imagens de produtos, estatísticas, práticas de convencimentos, uso de redes sociais, etc., levou a política para o campo do “marketing”, afastando-a, totalmente, do campo das ideias. Ao contrário do passado, não é mais necessário a um político ter uma opinião própria. Basta a ele conhecer, através das pesquisas, quais são os desejos e também a lógica que permeia a decisão de voto do eleitor a quem ele está se dirigindo, e, através dessas técnicas de propaganda, tocar o seu coração. Isto, somando à montagem de uma competente rede de relacionamento com o dono local dos votos — os chamados cabos-eleitorais — e o conhecimento estatístico das listas de seu partido, e dos demais, resultará, sem dúvidas, numa equação perfeita, que permitirá a um candidato prever com exatidão, o número de votos que alcançará num pleito específico.
Mais racionalizado do que antes, o processo das eleições para qualquer cargo público, pode, certamente, ter um desfecho previsível. É necessário apenas que os atores nele envolvido tornem-se especialistas na manipulação das ferramentas postas a sua disposição. Fazendo a leitura constante dos mapas de pesquisas, vão ajustando o seu discurso àquilo que aparece como o pensamento da maioria do eleitor que ele busca, fazendo as mudanças necessárias sem nenhum compromisso com valores ou mesmo com ideias que antes tenham professado.
A desconstrução adversária tornou-se também é um fator importante na luta política. E neste sentindo ferramentas possibilitadas pela tecnologia digital, tais como as redes socais criaram figuras como as Fakes News que inundaram o campo político com mentiras, em um mundo onde a verdade não tem a menor importância. O conceito do que é verdade ou não passou a ser intensamente vinculado quem emitiu a mensagem. Uma mensagem passa a ser aceita ou não descordo com a origem de que foi o seu emissor: um influenciador digital, um padre ou pastou numa igreja, um líder numa comunidade, etc. Viveríamos então num estágio de guerra semiótica permanente, com a construção e desconstrução de símbolos capazes de alterar a visão de mundo dos eleitores, alterando desta forma a sua decisão de voto.
Passa a reinar, então, um império de mentiras e embustes, dourados por um “marketing” poderoso que ilude o eleitor, ao transformar o político em fiel transmissor de uma ideia que, na verdade, não é sua-uma ideia de ocasião.
É evidente que tal fenômeno não se apresenta meramente no campo da política eleitoral! Poderíamos mesmo estender estes conceitos para o campo da política em geral, aí entendida como política sindical, e também do chamado terceiro setor, tais como Associações Corporativas e ONGs, todas vivamente influenciadas por tal fenômeno, onde as eleições e comportamento de seus dirigentes se dão num quadro racional, plenamente previsível. Direi mais: esse é um fenômeno global, que nas suas características atinge a sociedade mundial. Na verdade, trata — se de uma forma de vida característica da sociedade contemporânea, dominada pela lógica da mercadoria e do capital financeiro.
Só poderemos entender tal fenômeno se entendermos que raiz do fato dele acontecer está no caráter fetichista da sociedade moderna. E para tanto torna-se imprescindível a leitura do capítulo I do livro 1 do O Capital, onde o seu autor, Karl Marx, faz um estudo sobre a mercadoria e o seu caráter fetichista.
Curioso é notar que esta parte do O Capital é uma que menos chama a atenção nos exaustivos estudos da obra deste pensador durante os últimos séculos. Ali Marx nos traz um dos momentos mais enigmáticos de sua vasta obra interpretativa da totalidade do capitalismo. É quase como um trecho de ficção por se aprofundar nos meandros da mente humana e na elaboração de um mundo abstrato que transcende o mundo real.
Serra da Mantiqueira, julho de 2023
Arlindenor Pedro
Referências
O capital , livro 1 – Crítica da Economia Política- Editora Boitempo