O rádio, a televisão e mais presentemente as redes sociais, deixam claro hoje, para todos, uma característica importante da política contemporânea: a existência de padrões, que podem ser apreendidos por especialistas. Refiro-me aqui a um novo elemento que foi acrescentado à política : o da representação, que trouxe para a arena de disputas esta técnica usada no teatro e no cinema.
Porém, quero acentuar que existe aí uma diferença essencial: ao contrário dos atores profissionais que numa temporada interpretam o papel de um personagem específico, abandonando-o quando saem do palco ou acaba a peça, o político incorpora um personagem para todo o sempre. Inclusive passam mesmo a sobrepor este personagem a sua própria personalidade, que se perde, deixando de existir. Neste sentido, a farsa transforma-se em realidade e o sujeito real sucumbe à força do personagem.
Para melhor se adaptar aos veículos de comunicação, tais como o rádio, a televisão, os jornais e a Internet, o discurso político foi então abreviado ao máximo, e, na atualidade, são meras inserções nos intervalos dos programas, parecendo-se cada vez mais com as propagandas de produtos comerciais. Eles acentuam aqueles elementos identificados pelas pesquisas, inserindo o político como um personagem importante na materialização dos sentimentos do eleitor. Os debates, quando existem, se dão, então, seguindo a lógica de um “show” televisivo ou radiofônico, entrecortados de propaganda comercial, procurando, desta forma, atingir um grande público.
Ora, como quem melhor domina esta característica da política contemporânea, em geral, são os comunicadores, e profissionais de mídia, vemos a política ser tomada pela figura do radialista-comunicador-político ou, em muitos casos, do radialista-evangélico, personagens que passaram a dominar a área da representação parlamentar. Eles trouxeram a arena política às propostas de fim religioso, muitas delas com conteúdo escatológico e de ética espiritual.
Ao mesmo tempo, vemos que os consumidores-eleitores, que ainda acreditam na política, passam a acompanhar passivamente, como num filme ou novela, a trajetória dos políticos, sua família, seus hábitos sociais, etc.
Desta forma, o ideal para um político passa a ser a aproximação de sua imagem pública ao da imagem de uma celebridade, notadamente para as comunidades para quem representam.Pouco importa se uma proposta se choca com a realidade da comunidade, ou mesmo se irá prejudicá-la no futuro, pois o que importa de fato é atender aquele eleitor de onde veio o voto, num primeiro momento.
Um exemplo claro está na participação de políticos no incitamento e na proteção às ocupações desordenadas de áreas públicas ou mesmo particulares por comunidades sem-tetos, mesmo que estas áreas estejam em terrenos com riscos para futuros desabamentos, o que vem ocorrendo com frequência. Ou mesmo o apoio a invasões de órgãos públicos, como, por exemplo, invasões dos prédios dos três poderes em Brasília-o que levou à prisão e processo de inúmeras pessoas, que acreditaram num golpe de estado vindo por parte dos militares.
Totalmente envolvidos pelas mensagens destas mídias, os eleitores-consumidores passam a viver num chamado mundo paralelo, sem nenhum senso crítico em relação às mensagens que recebem. Passam, inclusive, a rejeitar qualquer outra informação que não tenha como fonte as lideranças que estão seguindo.
Temos que concluir que a sociedade contemporânea é a sociedade da televisão e da Internet e das Mídias Sociais, e que estas Mídias estão presentes em todos os lugares e ditam plenamente o comportamento do cidadão no seu dia-a-dia. É uma Mídia que está com ele quando acorda, nos ônibus e veículos com que ele se desloca para o trabalho, nos restaurantes onde come e na sala de espera de clientes, com seu médico e dentista. Poderemos dizer, então, que os celulares são na atualidade parte integrante da vida dos cidadãos, acompanhando-os em todos os momentos da sua existência.
Presentes em seu telefone celular e na Internet, acompanhado-o em todos os momentos de sua vida, inclusive na sua casa, à noite, dividindo este tempo precioso com sua família, ditam completamente a sua forma de viver .
Construiu-se, então, uma sociedade onde as emoções individuais são mediadas pelas imagens-a sociedade da imagem, se adequando plenamente ao caráter contemplativo do mundo em que vivemos. Desta forma, o uso apropriado destes veículos pelos comunicadores-políticos, podem traduzir-se em um resultado excepcional, na sua estratégia de chegar ao poder. A perfeita manipulação deste veículo pode dar a vitória eleitoral ou mesmo levar a derrota o oponente.
Tornou-se um clássico nesta área a manipulação exercida pelo Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão no período que antecedeu o debate entre os candidatos Collor e Lula.A imagem do último foi tão distorcida a ponto de o eleitor rejeitar as propostas do então candidato Lula nas urnas. Recordem que Fernando Color ganhou as eleições, embora mais tarde tenha sofrido Impeachment.
Em 2011, em entrevista ao Globo News, Boni, então diretor da emissora, afirmou : “todo aquele debate foi produzido — não o conteúdo, o conteúdo era do Collor mesmo —, mas a parte formal nós é que fizemos”. Não causa espanto, portanto, que tal episódio seja até hoje objeto de estudos na área de comunicação.
Observamos, também, que na atualidade, os jornais e revistas impressos veem perdendo a cor política . Menos ágeis que as novas mídias, como a televisão digital por satélite, a internet e os smartphones que colocam o usuário instantaneamente diante da notícia e de suas interpretações, têm que usar novas estratégias para reter seus assinantes.
Por esta dificuldade de se aproximar dos leitores, estes veículos passaram a viver quase que exclusivamente, da construção e divulgação de escândalos com a participação dos políticos profissionais, num verdadeiro “show” de representações. Presumindo-se como detentores da verdade e do pensamento do povo, em preceitos criados nas suas redações, julgam, condenam e absolvem, conforme os interesses políticos e financeiros com suas corporações naquele momento. Desta forma, estes veículos não possuem mais nenhuma cor política ou ideológica, sendo comum existir nos jornais colunas de articulistas que professam as mais diversas opiniões, desde a esquerda à direita conservadora.
Os jornais, eles próprios, tornam-se, então, uma mercadoria, para ser comprado e consumido pelo leitor, não importando, então, o compromisso que eles posam ter com a verdade dos fatos, sendo apresentados de acordo com seus interesses, numa dada conjuntura. Assistimos, inclusive, uma retração de venda dos jornais tradicionais que estão sendo substituídos pela comunicação on-line muito mais rápida e resumidas.
O jogo político eleitoral torna, então, a Internet como um novo campo, onde os candidatos se apresentam e manipulam avatares, num ambiente virtual construído cientificamente, não tendo nenhum compromisso com a realidade, numa lógica desenvolvida pelo chamado “marketing” — viral.
Num quadro como este, o velho discurso político perde a sua força, ficando mesmo desnecessário, sendo, portanto, substituído por outras técnicas de convencimento, como, por exemplo, as Redes Sociais.
Serra da Mantiqueira, julho de 2023
Arlindenor Pedro