Há muitos anos temos firmado aqui a profundidade da crise do sistema global, que tem sua origem no fato de que o núcleo central do capitalismo contemporâneo sofre de insuficiência dinâmica. Isto porque a mais-valia gerada é crescentemente insuficiente para remunerar o volume de capital existente ao nível adequado, tornando-se por isso incapaz de sustentar o crescimento do sistema.
Observamos, então, que diante da fragilidade dinâmica deste sistema, ou seja, de sua perda de capacidade para gerar mais-valia suficiente para a acumulação de capital, ocorreu então uma exacerbação da acumulação de capital na esfera financeira. Diante disto será sempre inexorável a existência de estouros. Ou seja, a apresentação de colapsos, em encilhamento do capital fictício, num processo de formação das bolhas financeiras que de fato estão se formando desde o começo dos anos 80 do século passado.
Chamamos a isto de capitalismo de casino, que formou um tipo de sociedade sem lastro material, uma verdadeira sociedade do espetáculo. Devido a isto passamos a ver esta crise como uma crise estrutural e não mais como uma mera crise conjuntural, típica do capitalismo de até então. Para nós o capitalismo não nos oferece futuro, e transformou-se no nosso principal inimigo. Ele precisa então ser ultrapassado pela humanidade, que urge trilhar novos caminhos que garantam a sobrevivência da nossa espécie ameaçada.
“Lento e doloroso será o processo de declínio do capitalismo”, lemos em um dos escritos de Robert Kurz, e baseados neste entendimento não temos ilusões sobre os dias futuros que nos aguardam. Não nos apegamos então na esperança de reformas que possibilitem ultrapassar os contornos desta crise. Pelo contrário, qualquer tipo de luta por reformas que não estejam firmemente atreladas a luta pela superação do capitalismo torna-se em uma ilusão, que nos afasta da questão essencial: a luta anticapitalista. Este é então o nosso propósito: direcionar todas as lutas e energias para a superação da sociedade patriarcal produtora de mercadorias. Uma luta que transcenda a totalidade deste sistema falido e inaugure forma uma nova forma de relacionamento entre os seres humanos.
E claro que as lutas operadas naquilo que chamamos imanência do sistema (melhores salários, liberdades democráticas, saúde, educação, igualdade de raças, gênero, etc.) têm importância. Elas podem possibilitar melhores condições de vida para aqueles que nelas estão envolvidos. Mas, compreendemos que se estas lutas não estiverem firmemente atreladas a compreensão da superação deste sistema e a construção, agora, de novas relações entre as pessoas para que isto seja alcançado, se tornará numa clara perda de energia. Os mecanismos de controle da mercadoria são poderosos e sofisticados, verdadeiros fetiches modernos, que nos atrelam a uma visão de mundo competitiva e suicida. Eles precisam ser denunciados e visualizados. É preciso compreender que estamos tratando aqui de um tipo de dominação abstrata e sem sujeito, de um sistema oriundo do Iluminismo e das classes sociais criadas pelo capitalismo. Entendemos, então, que mais do que nos confrontarmos com os agentes e herdeiros deste sistema, é necessário também nos confrontarmos diretamente com o próprio sistema, trabalhado diuturnamente para a sua destruição e superação.
A construção e operação de uma vasta rede anticapitalista, que possibilite as bases de construção de um novo programa que sirva de ferramenta da luta anticapitalista, que tem caráter um transnacional, foi o que nos animou a criar a plataforma das Utopias Pós-Capitalistas. Achamos que ela pode nos ajudar a cumprir estes objetivos. E é com este instrumento de luta teórica e prática que acessamos o ano de 2024 que se aproxima.
Temos a utopia de nos transformamos, com todos os agentes da luta anticapitalista, em arautos deste novo mundo. E este é o nosso propósito: contribuir para a transformação das lutas imanentes em lutas transcendentes, que abalem ainda mais as estruturas do capitalismo e construa as bases de uma sociedade de um ser humano emancipado.
Serra da Mantiqueira, dezembro de 2023
Arlindenor Pedro
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Boa noite grande “historiador, filósofo e sociólogo” Arlindenor Pedro. Entre aspas porque, assim como Darcy Ribeiro, “todos esses títulos foram importantes porque me fazem lembrar do quanto estudei e, também , a minha trajetória […] Mas tudo isso é bobagem burguesa, me considero um homem de muitos fazimentos”.
Quando o leio, lembro do menino de Montes Claros que queria ver o mar e colocou azul de metileno na caixa d’água pra “água do vilarejo ficar azul tão qual”.
Não sei se me fiz entender, mas suas reflexões de “utopias pós-capitalistas” me faz parar, respirar e tentar novamente…
Parabéns pelo texto.
Forte abraço.