Viviam numa fazenda perdida no fim do fim do mundo. O pai, a mãe e o filho. A vida rotineira que levavam quase que dispensava totalmente as palavras. Me passa o café, a vaca Malhada está prenha, prenda as galinhas que vai chover. A história dos dias era sempre a mesma, monótona e previsível, naquela dura vida de trabalhos no campo. Seu pai lhe deu um conselho que o marcou muito. As palavras, ele disse, são flechas, depois que são lançadas pelo arco não voltam mais. As flechas ferem, mas as palavras podem até matar. As palavras, ele concluiu, eram realmente perigosas.
A rotina diária só era quebrada uma vez por semana quando iam levar os seus produtos para a feira da cidade. Foi lá que ele conheceu uma moça que tomava conta da barraca das flores. Comunicavam-se timidamente, mais por olhares do que por palavras. Naquela noite, depois que voltaram da cidade, na hora do jantar, ele perguntou ao pai sobre uma palavra que a moça tinha lhe falado e que ele não conhecia:
Amor. Pai e mãe se entreolharam surpresos e assustados. É uma palavra muito perigosa, lhe disse o pai. Mas o que significa?, ele insistiu. Significa afeição, amizade. Mas também pode significar desilusão, desengano, decepção, mágoa, desgosto, ressentimento e até coisa pior. Nossa!
Quantas palavras novas o pai tinha falado. O mundo das palavras era mesmo muito complicado e perigoso. Mas a atração que ele sentia pela moça, algo novo, desconhecido na sua vida, foi mais forte e ele não se intimidou.
Na semana seguinte, a moça lhe ensinou outra palavra: Paixão. Quando naquela noite ele perguntou o que significava paixão, o pai percebeu que tinha perdido o filho. A paixão era uma palavra incontrolável, arrebatadora, que desafia o bom senso e a razão. Irresistível, o pai sabia bem.
E foi assim que um dia, tristes mas conformados, deram sua benção ao filho que foi embora para encontrar aquela moça que conhecia palavras tão bonitas. E foi com ela que ele aprendeu outra palavra: Felicidade.
Da série : O Contador de Histórias
PALAVRAS
