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Em tempos de violência cultural, crescem os “assacenatos”-Alaor Junior

arlindenor pedro
Por arlindenor pedro 5 leitura mínima

“As oportunidades são dadas, não aproveita quem não quer”.

Já ouvi esse f[l]ato (me perdoe o verbete, plausível à dignidade do ambiente do blog) argumentativo, vociferado com todo seu preciosismo doentio, de algumas ‘bocas de Linguado’ (os coitados dos peixes que entendam a tristecomparação), aboletadas no seu conforto aveludado,estampando a tortuosidade do caráter na afirmação maliciosaque visa, nada mais que jugo de terceiros e autopromoção.Você concorda ou realmente acredita na assertiva que encabeça o parágrafo? Mas, sigamos. Mergulhemos na narrativa…

O capitalismo e seus asseclas sustentam as mentiras baseadas em discursos hipócritas que lhes favorecem, como por exemplo a supremacia masculina, ápice do patriarcado, a estratificação social por classes econômicas, e ainda pode ser citado o conceito de meritocracia, justificado no traiçoeiro álibi, de que os menos abastados (proletariado) não aproveitam as oportunidades, seja por ignorância, por indolência e até pela comodidade que os confina nas condições que tanto reclamam, mas que nas águas mais profundas e turvas, representam os interesses e o íntimo desejo da elite dominante em perpetuar o poder, através da dinâmica da exploração das massas, aliás cardumes. Está sedimentada a barreira de corais. Aspereza e irregularidade, perigo aos inábeis. Ambiente oportuno aos tubarões, sempre prontos ao bote.

E são nesses discursos salivados que a emboscada se mostra, verdadeiros anzóis, afiados, camuflados com iscas repletas de ilusões que capturam os incautos, geralmente por facilidades que fingem preencher necessidades básicas, mas que dilatam as relações de dependência, típicas do assistencialismo barato, privando os sujeitos de qualquer autorrealização nas etapas mais elevadas da pirâmide. Maslow que o diga… A toxidadeda exploração burguesa, enquanto detentora do capital, passa pelo ato que tanto ‘arrotam’: de dar a oportunidade, simplesmente por fazê-lo, com interesses outros, como os promocionais do próprio umbigo, encerrando em si uma vaziez. A pergunta é: de que adianta franquear ao indivíduo essa ou aquela oportunidade, se não lhe são dadas as mínimas condições de aproveitá-la? Eis aí o embuste do virtuosismo, a tal da preocupação mofada, isca aquarelada na moldura com bom verniz, é o ‘Assacenato’, assassinato do Mecenato, com todos os ‘ismos’ e rimas possíveis.

A vassalagem carece de arte, aliás artes plurais, principalmente as para sobreviver numa sociedade regida por um sistema com pH ácido, água imprópria, onde o conceito de humanismo é tendencioso, e a visão antropocêntrica não binocular, mas unilateral, destinada a privilegiar os interesses dos poderosos, protecionismo aos suseranos. Nadamos e nadamos, mas não abandonamos os mares medievais. O fato é que o verdadeiro Mecenas é morto, os poucos que restam vão se desfazendo na utopia, ou sufocados por realidades que destilam boicotes, preconceitos, sanções dos pesqueiros dados à politicagem que polui as águas da igualdade. 

O capitalismo é rede de arrasto, tenta manter o cardumeconfinado sob a mesma trama, malha bem fechada, eficiente na turbidez, ou melhor, na turvação dos ideais da maioria. A verdade é que a arte esclarece, e esse é o grande incômodo no manejo dos cardumes. Em contraponto às ferramentas de domínio, o exercício oportunizado da arte produz sujeitos cônscios e com argumentos consistentes que evitam as iscas em ambientes rasos. Se isso for oferecido, os peixes menoresaprendem a se desviar das tramas mais sutis dos algozes dastarrafas, havendo a engorda cultural e a diminuição da miopia frente a ameaça das chumbadas, que são bem pesadas.

E isso não é história de pescador, muito pelo contrário, está muito mais para uma narrativa filosófica, aliás filológica, afinal, aqui nos permitimos financiar a arte da palavra, sim como bons Mecenas, com ideais mais apurados, não alinhados à exploração, mas à reflexão e ao burilamento da visão de mundo. Se o papo remonta à pesca, nos debruçamos em paráfrase sobre a sabedoria da linguagem popular, concluindo que ofertar o peixe, pode ser muito importante por tempo limitado, porém, o valor maior está no financiamento da arte do pescar e no ensino da utilização de ferramentas para otimização desse processo e natural elevação da autoestima do aprendiz. Se o capital trabalha com intervalos fechados, na minimização de indivíduos agraciados, escolhidos entre os pares para compor os conjuntos seletivos, aqui se rema no avesso dessa corrente, dando a todos a liberdade de aproveitar a maré alta. E é bem isso, falam que peixe morre pela boca, eu ouso reafirmar que tudo que é calado, empedra e produz engasgos. Que se tenha o pleno direito à fala, e que o exercício da denúncia seja movido, pelo menos, por ideais mais altruístas.

Alaor Junior 20/03/24

 

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Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
6 Comentários
  • Perfeito Alaor, seu texto é bem dissertativo sobre as mazelas do capitalismo praticado por essa elite dominante. Eles até hoje utilizam do “como se fosse da família” para exploração das mulheres que trabalham como domésticas.
    Excelente texto

  • Compreendo a profundidade e a paixão expressas em suas palavras. Seu texto oferece uma análise perspicaz das dinâmicas de poder e oportunidade em nossa sociedade, especialmente destacando as armadilhas do discurso meritocrático e da exploração capitalista.

    Ao refletir sobre a afirmação de que “as oportunidades são dadas, não aproveita quem não quer”, é evidente que suas palavras ressoam com uma verdade mais profunda. Você destaca habilmente como as estruturas sociais, econômicas e políticas frequentemente distorcem essa narrativa, obscurecendo as verdadeiras barreiras que muitos enfrentam ao tentar aproveitar as oportunidades que supostamente lhes são oferecidas.

    Seu uso da metáfora aquática, comparando indivíduos a peixes em um oceano de desigualdade e exploração, é particularmente impactante. A imagem dos “tubarões sempre prontos ao bote” nos lembra das forças predatórias que operam em nossa sociedade, enquanto os “cardumes” lutam para navegar em águas turbulentas.

    Além disso, sua defesa apaixonada da arte como uma ferramenta de empoderamento e resistência oferece uma visão inspiradora de como podemos desafiar as normas estabelecidas e buscar uma sociedade mais justa e igualitária.

    Seu texto é um lembrete poderoso de que devemos questionar as narrativas dominantes e buscar formas de capacitar aqueles que são marginalizados e oprimidos. Obrigado por compartilhar sua voz e sua visão única.

    • É bem típico do sistema de desigualdade a inversão dos valores, culpar a vítima, em defesa plena dos algozes, apoiados na meritocracia, sem se levar em consideração a pirâmide das necessidades humanas.

      • Pois é Anna, onde impera a falta de caráter sempre sentiremos os cheiros das covardias. Agradeço a sua participação.

    • Meu caro sobrinho, agradeço a sua participação, é nítido que está no caminho da cátedra, não perca essa visão de mundo. Obrigado!

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