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Manipulação social pelas Redes Sociais-Clifford Neves Pinto

arlindenor pedro
Por arlindenor pedro 12 leitura mínima

Primeiro, é importante estabelecer que a tecnologia e a ciência não são neutras, seja politicamente, socialmente oueconomicamente; elas são determinadas pelas coordenadas ideológicas hegemônicas (ŽIZEŽ, 2002), atualmente, a do capitalismo, ou seja, são atividades ou iniciativas organizadas pelos aparelhos privados de hegemonia com o objetivo de ampliar a extração de valor do trabalho e a espoliação politica do trabalhador de modo a ampliar a acumulação do capital pela classe proprietária dos meios de produção. Nesse contexto, vou citar um trecho da tese de mestrado intitulada “Agenda conservadora, ultraliberalismo e guerra cultural: brasil paralelo e a hegemonia das direitas no Brasil contemporâneo” da Mestre Mayara Aparecida machado Balestro dos Santos (2021):

Carlos Nelson Coutinho (2007) definiu esses aparelhos como organismos sociais coletivos voluntários e relativamente autônomos em face da sociedade política, porém articulados a esta, no sentido da edificação da dominação. Nessa matriz, não há hegemonia, ou direção política e ideológica, sem o conjunto de organizações materiais que compõem a “sociedade civil”. A reprodução do capital necessita de atores e intelectuais coletivos que, em níveis diferenciados, agem nos debates políticos e sociais, e, por conseguinte, a hegemonia pressupõe a luta de classes, ou seja, ela é historicamente construída e cotidianamente defendida.

Na sequência, cito Gramsci (2002):

o Estado tem e pede o consenso, mas também ‘educa’ este consenso através das associações políticas e sindicais, que, porém, são organismos privados, deixados à iniciativa privada da classe dirigente.

Tais aparelhos são escolas, universidades, imprensa, partidos políticos, organizações civis, etc. e, atualmente, também as redes sociais, baseadas na internet e WEB, e de propriedade de grandes empresas de tecnologia de informação e comunicação, denominadas big tech’s. Dito isso, Gramsci (2002) conclui: “Estado = sociedade política + sociedade civil, i.e., hegemonia couraçada de coerção.”. 

No livro Estado e Forma Política, o professor Alysson Leandro Mascaro (2013) desloca o estudo da teoria política, fazendo-a girar não em torno de suas instituições, definições jurídicas ou análises sobre as disputas em torno do poder estatal, mas sim a partir das formas sociais do capitalismo; Mascaro mostra que o Estado é a forma política do capital.

Após o estabelecimento das bases concretas que determinam a nossa contemporaneidade, podemos começar a discussão sobre o papel das big tech’s (Alphabet – google –, Meta, Apple, Amazon, Tik Tok, etc.) na manipulação social a partir da manipulação da construção da consciência e, por conseguinte, da cognição. Esse estudo foi compilado em um trabalho mais conciso em Crítica Ontológica Marxiana e o Combate à Fakenews (PINTO, 2023).

​As big tech’s atuam, através do Big Data, coletando a experiência do usuário ao navegar na internet, seja nas redes sociais ou na utilização de serviços baseados na internet. A partir disso e através da aplicação de processos baseados em algoritmos desenvolvidos para tratar essas informações coletadas, é possível transformá-las em dados específicos, ou seja, a experiência do usuário ao navegar pela internet é encapsulada em um produto direcionado para o marketing e tal procedimento é chamado capital de vigilância (ZUBOFF, 2019, 2021; DANTAS et al, 2022; IASI, 2023; FONTES, 2023; DEVINE, 2023). A partir desse produto, as big tech’s desenvolvem um ambiente de marketingassertivo que também amplia o intervalo de tempo de navegação do usuário. Nesse ambiente é possível promover produtos específicos para clientes específicos, de modo a ampliar a circulação, isto é, ampliar o lucro ao converter eficientemente produto em mercadoria e realizar essa em dinheiro. Nestes termos, as big tech’s são empresas privadas da esfera da circulação e não da produção . 

Como supracitado, as  big tech’s são empresas privadas que, no sistema capitalista, visam  acumular capital e, para manter esse status quo, também atuarão para garantir a hegemonia do capitalismo, ou seja, também vão utilizar as informações coletadas dos usuários para serem utilizados na manipulação social, política e econômica. E como isso ocorre? Isso ocorre ao construir um ambiente virtual que captura a atenção do usuário e, a partir disso, promove a produção e divulgação, sucessiva e cotidianamente, de fakenews para e dos usuários das redes sociais, conforme a experiência deste é capturada e encapsulada; lembrando que esse processo de encapsulamento da experiência é atualizado conforme o usuário navega na internet. Nesse contexto, as big tech’s promovem um ambiente virtual fértil para que os usuários elaborem versões deturpadas, alienadas e estranhadas, da realidade concreta. Essas versões deturpadas negam a crítica e a existência de um modo de vida fora do capitalismo e, como resultado líquido, passa-se a ter manifestações populares do tipo reformista, reacionária, vazias de conteúdos revolucionários, ou de violência sem uma causa revolucionária, por exemplo, o movimento indignados na Espanha (ŽIŽEK, 2011), o vandalismo de Londres em 2011 (NEVES et. al., 2017; pág. 49) e as manifestações do bolsonarismo (TERRORISMO EM BRASÍLIA, 2023; PROTESTOS NOS QUARTÉIS E TIROS DE GUERRA GANHAM CARÁTER DE VIGÍLIA PRÓ-BOLSONARO, 2022; EM ATO EM COPACABANA, BOLSONARO VOLTA A PEDIR ANISTIA A PRESOS DO 8 DE JANEIRO E EXALTA ELON MUSK, 2024).

O problema da manipulação social está na construção e manutenção de versões deturpadas da realidade concreta, potencializadas pelos algoritmos desenvolvidos pelas big tech’s, o que galvaniza o capitalismo à crítica, principalmente à crítica radical marxiana. 

O que fazer? 

​Utilizar a rede social para difundir, ensinar e fazer a crítica radical marxiana do e no capitalismo, mostrando as contradições do capitalismo e como isso afeta materialmente a vida do indivíduo. É necessário trazer a crítica para a experiência vivida pelo indivíduo, fazer a crítica radical ontológica das versões deturpadas da realidade concreta, isto é, restaurar a crítica ontológica do pensamento marxiano para a construção de um conjunto de coordenadas ideológicas contra-hegemônicas.

Governos progressistas mais à esquerda deveriam produzir conteúdo crítico ao status quo do capitalismo, promover e pautar o debate da internet e redes sociais, mas não só, ou seja, deveriam também incluir tantos outros temas nesse debate, de modo que as pessoas façam isso em seus cotidianos, tal como no futebol. Trazer para esse debate as possibilidades e a necessidade da soberania do Brasil e de sua população e, para tanto, desenvolver e promover redes sociais nacionais, provedor de e-mail e de toda a parafernália de tecnologia de informação e comunicação incluída, preferencialmente desenvolvidas por empresas estatais de tecnologia de informação e comunicação, baseadas na programação de código aberto e administração transparente. Simultaneamente, esses governos deveriam provocar o debate sobre redes sociais e soberania, propor leis que impeçam que empresas estatais, a administração da União, Estados e Municípios utilizem, mesmo para o marketing, sistemas operacionais proprietários, redes sociais, big data e-mail de empresas de capital estrangeiro e, simultaneamente, promover e financiar projetos de desenvolvimento de softwares do tipo open source (código livre, em uma tradução livre) nas universidades, de modo a substituir os softwares proprietários e qualificar os centros de pesquisas nacionais no e para o desenvolvimento do Brasil e de sua população.

​Atualmente, em abril de 2024, observa-se o surgimento da Bluesky, empresa de capital ainda estrangeiro e concorrente do X e, no Brasil e no mundo, já há preferência pela primeira em detrimento da segunda. Mas o problema persiste, pois a Bluesky é uma empresa privada e de capital estrangeiro e, portanto, seu objetivo ainda é o mesmo de suas concorrentes, extrair valor do trabalho, ampliar a acumulação capital e contribuir, como aparelho privado de hegemonia, para a manutenção do status quodo capitalismo como sendo um mundo insuperável, intransponível e absoluto, ou seja, que não é possível construir um modo de vida diferente e melhor que o estabelecido pelo capitalismo, em que a desigualdade seja eliminada e em que o trabalho deixe de ser a categoria central da atividade humana.

Referências

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre o pensamento político. Rio de Janeiro: 3a edição: Civilização Brasileira, 2007.

DANTAS, Marcos et al. O valor da informação: de como o capital se apropria do trabalho social na era do espetáculo e da internet. São Paulo: Boitempo, 2022.

DEVINE, M. Facebook spied on private messages of Americans who questioned 2020 election. Disponível em: https://nypost.com/2022/09/14/facebook-spied-on-private-messages-of-americans-who-questioned-2020-election/. Acesso em: 26 fev. 2023. 

EM ATO EM COPACABANA, BOLSONARO VOLTA A PEDIR ANISTIA A PRESOS DO 8 DE JANEIRO E EXALTA ELON MUSK. Portal g1 Rio. Publicado em 21 abr. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/04/21/bolsonaro-e-apoiadores-fazem-ato-na-praia-de-copacabana.ghtml. Acesso em: 26 abr. 2024.

FONTES, Virgínia.  Tecnologia e guerra de classes. Tv boitempo, conversas impertinentes. Disponível em: https://youtu.be/h3qnZusch9M. Acesso em: 19 jan. 2023.

GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. V. 3. Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p, 119.

IASI, Mauro. A internet é o novo ópio do povo?. TV Boitempo, #CaféBolchevique. Disponível em: https://youtu.be/mZ0B4s3wTAM . Acesso em: 19 jan. 2023.

MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo, SP : Boitempo, 2013.

NEVES, Tiago Iwasawa; Santos, Andreza Silva dos; de Mariz, Inácio Antônio Silva. A Violência E O Seu Real: Žižek E A Psicanálise. Revista Subjetividades, Fortaleza, 17(1): 45-54, janeiro, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v17i1.5148. Acesso em: 25 abr. 2024.

PINTO, Neves Clifford. Crítica Ontológica Marxiana e o Combate à Fakenews. Artigo aceito para a publicação na revista Em Pauta. Disponível em:  https://drive.google.com/file/d/19QphitHleoYMHDIGHF5hrXdUlRNJO853/view?usp=drive_link. Acesso em: 25 abr. 2024.

SANTOS, Mayara Aparecida Machado Balestro dos. Agenda conservadora, ultraliberalismo e

“guerra cultural”: “Brasil paralelo” e a hegemonia das direitas no Brasil contemporâneo (2016-2020). 147 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Marechal Cândido Rondon, 2021. p. 78-106. Disponível em:  https://drive.google.com/file/d/1kZWTpQmzxzT_BmsPgc_ngLf6tvAicIr7/view?usp=drive_link. Acesso em: 25 abr. 2024.

TERRORISMO EM BRASÍLIA: o dia em que bolsonaristas criminosos depredaram Planalto, Congresso e STF. Portal g1, 08 jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2023/01/08/o-dia-em-que-bolsonaristas-invadiram-o-congresso-o-planalto-e-o-stf-como-isso-aconteceu-e-quais-as-consequencias.ghtml. Acesso em: 26 abr. 2024.

PROTESTOS NOS QUARTÉIS E TIROS DE GUERRA GANHAM CARÁTER DE VIGÍLIA PRÓ-BOLSONARO.  Estadão: Brasília, Florianópolis, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Sorocaba, publicado em 21 nov. 2022. Reproduzido pelo portal UOL. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2022/11/21/protestos-nos-quarteis-e-tiros-de-guerra-ganham-carater-de-vigilia-pro-bolsonaro.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em: 26 abr. 2024.

ŽIŽEK, S. Lenin’s choice. In: Repeating Lenin. Zagreb: Arkzin, 2002. Disponível em: www.marxists.org/reference/subject/philosophy/works/ot/zizek1.htm. Acesso em: 25 abr. 2024.

ŽIŽEK, S. Blog da Boitempo. A tinta vermelha: discurso de Žižek no Occupy Wall Street

Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2011/10/11/a-tinta-vermelha-discurso-de-slavoj-zizek-aos-manifestantes-do-movimento-occupy-wall-street/. Acesso em: 25 abr. 2024.

ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância, por Shoshana Zuboff. Entrevista foi publicada originalmente na edição #60 da revista Contagious, em julho de 2019. Disponível em: https://medium.com/contagious-brasil/a-era-do-capitalismo-de-vigil%C3%A2ncia-por-shoshana-zuboff-fee5ac25b774. Acesso em: 19 jan. 2023.

ZUBOFF, Shoshana. A Era do Capitalismo de Vigilância: A luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Intrínseca, 2021.

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Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
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