O Contador de Histórias
Apenas um poeta, nada demais, uma pessoa um tanto ou quanto estranha que enxerga poesia nas coisas e situações as mais banais. Um sapato de mulher jogado num canto do quarto, um solitário vestido esquecido no armário, o perfume ainda impregnado no travesseiro, lembranças que machucam e quase sempre se transformam em poemas. Como o som de um piano que alguém toca todas as manhãs na casa do vizinho, o riso de uma criança no corredor, a moça que vai para a praia e dá “bom dia” quando entra no elevador. O velho porteiro com as suas gaiolas de passarinhos, que sonha ganhar o prêmio da Mega-Sena e voltar para o Norte. O sol que brilha provocando reflexos nos vidros dos carros que passam velozes como se soubessem para onde estão indo, os taciturnos companheiros do metrô.
A rotina do trabalho no escritório, as máquinas que produzem números e cospem folhas e mais folhas de papel com conteúdos e significados obscuros. A história de cada dia que se repete mecanicamente como as engrenagens de um relógio que conta o tempo que passou, mas não informa o tempo que ainda nos resta.
E a noite que sempre chega acendendo as luzes da cidade e conduzindo a multidão que retorna do trabalho,silenciosa e mais taciturna ainda, para ser sugada pelas insaciáveis bocas do metrô.
A moça queimada de sol, vestida talvez para uma festa, que diz “boa noite
quando sai do elevador.
O doce aconchego da casa e a pálida esperança, ao abrir a porta, de encontrar alguém que foi embora um dia, mas prometeu voltar.
E então, o poeta tira a gravata, pendura o paletó numa cadeira, prepara uma bebida, abre um velho caderno e começa a escrever este melancólico poema.
SRC
