Existem histórias com começo, meio e fim bem definidos que o leitor não tem nenhuma dúvida sobre o que aconteceu. Em outras, o autor, propositalmente, deixa a conclusão da história em aberto para que a imaginação do leitor complemente o enredo. ‘A Comemoração’ é um desses casos. Eu mesmo, que escrevi, não tenho certeza sobre o que aconteceu. Mas não resisti a dar a minha opinião, é claro que é apenas uma opinião…

A Comemoração
Ela & Ele
Comemoraram um ano de namoro tomando chá na Colombo numa fria tarde de inverno. Relembraram com saudade os momentos ternos e riram à vontade dos casos engraçados que juntos tinham vivido. Saíram de lá abraçados e, naquele final de dia, caminharam felizes pela rua Gonçalves Dias. Ele se abaixou para amarrar o cordão do sapato e ela seguiu caminhando. Quando ele se levantou, ainda deu tempo de vê-la dobrando a esquina da rua do Ouvidor. Foi a última vez que a viu.”
Ela
“Quando ele se abaixou para amarrar o cordão do sapato, continuei caminhando. E naqueles poucos metros que restavam para alcançar a esquina da rua do Ouvidor, me perguntei se estava feliz naquele relacionamento, se era aquilo mesmo que eu queria para a minha vida, para o resto da minha vida. Quando dobrei a esquina da rua do Ouvidor, já estava decidida. Me refugiei na primeira loja de roupas que encontrei. E de dentro da loja, pela vitrine, fiquei observando a rua. Vi quando ele passou apressado procurando por mim. Vi quando ele voltou e passou várias vezes em frente da loja. Como a minha atitude estava intrigando as vendedoras, resolvi comprar uma roupa. Experimentei várias e me encantei com um vestido azul que me caiu muito bem. Decidi sair da loja vestida com ele. Antes, porém, verifiquei se ele não estava mais à vista.
Caminhei apressada em direção da avenida Rio Branco e peguei o primeiro táxi que passou. E agora, no aterro do Flamengo, sentindo o vento frio que entra pela janela do táxi, levo comigo dois sentimentos conflitantes. Um pouco de remorso pelo que fiz e, ao mesmo tempo, feliz pela decisão tomada. O motorista perguntou se eu queria que fechasse as janelas e nem respondi, apenas sorri. Outra vez sozinha e feliz, à procura de um novo amor”.
Ele
‘Quando acabei de amarrar o cordão do sapato e levantei a cabeça, vi que ela estava dobrando a esquina da rua do Ouvidor. Me apressei, mas quando cheguei lá, não a encontrei. A rua estava movimentada, andei pra lá e pra cá várias vezes e nem sombra dela. Tentei me comunicar pelo celular, mas acho que o dela estava desligado. Chamei algumas vezes e desisti. No outro dia, a mesma coisa. Pensei, se ela quisesse falar comigo teria ligado. Confesso que fiquei, e ainda estou, perplexo. Tivemos algumas briguinhas sem importância, coisa de namorados. Mas já falávamos em casamento, e até já tínhamos escolhido os nomes dos nossos filhos.
Procurei um amigo meu que é muito experiente nesses assuntos de relacionamentos, já se casou quatro vezes, e ele me disse: “A fila anda!”Me aconselhou a partir para outra, a sair mais, conviver com gente.
“Sábado, vou a uma reunião em uma igreja que estou frequentando. É um pessoal muito legal, melhorei muito. O meu casamento atual já está durando um ano e meio”
“Igreja?! Você sabe que eu sou ateu.”
“Ateu!… Nelson Rodrigues já disse que ateu brasileiro acredita até em Papai Noel.”
“Em Papai Noel, acredito,”
brinquei.
“Vou te dar outra opção. Faço parte de uma ONG que está lutando contra a extinção da arara azul. Andamos pelas matas com máquinas fotográficas e equipamentos de escuta à procura das ararinhas. É muito divertido e, olha, muitas moças fazem parte do grupo. Quer ir? É domingo agora.”
É domingo, são seis horas da manhã, e estou me preparando para ir à procura da arara azul. A fila anda.’
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Excelente. Com a marca singular do querido poeta Silvio Ribeiro de Castro.