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Somos todos atletas-Alaor junior

arlindenor pedro
Por arlindenor pedro 6 leitura mínima
Hermes

Caro leitor, aproveitando os ‘finalmentes’ do clima olímpico e o volume de notícias que abordam o tema, trago uma reflexão que mexeu com meus pensamentos, e que espero, sirva também ao seu deleite, aliás, me permito a irônica analogia e reposiciono minhas palavras, ‘caro atleta’, afinal, se você como tantos de nós, pertence à massa de cidadãos
brasileiros que, diuturnamente, questiona e enfrenta as agruras ofertadas pelas elites capitalistas, não se acanhe em se considerar um atleta da modernidade, que suplanta a trivial exploração do sistema, ainda que o preparo muscular negue o direito aos pódios da vida.

Mas, vamos lá, hoje, acompanhando o noticiário da TV, fiquei muito feliz com o resultado das paraolimpíadas, focando especialmente na delegação brasileira que honrou seus objetivos na superação das expectativas e das próprias capacidades particulares dos envolvidos,frente às naturais limitações, que parecem não existir. Guerreiros. Que campanha interessante,aliás apaixonante!

A nossa cultura, por mais que tentemos esquecer os referenciais, nos joga às percepções que são permeadas pelas ideias do classicismo, perpetuadas na conceituação que forjou o ideário dos que nos colonizaram, e aí, no papo coloquial, podemos pensar nas
necessidades que incorporamos tais como religiosismos e crenças, imperatividade de sucesso e até a necessidade de um referencial divino e/ou heroico, que pode estar fundido em um sujeito, figura de espelhamento. A dinâmica do capitalismo em si, nos empurra à concorrência, pistas de métricas, exigências de cronogramas, indicadores, quase que uma obrigatoriedade à conquista, ao sucesso, por vezes desleal face os aportes financeiros.

Mas, passando por esses volteios, não consigo escapar à percepção psicanalítica de alguns fatos; a preponderância do inconsciente não pode ser descartada e traz o seu peso no equacionamento de ações e conclusões. Me ficou a pergunta: por que os resultados dos atletas. paraolímpicos, em termos de conquistas de medalhas e quebra de recordes, foram muito mais significantes que os dos atletas das olimpíadas? Consegue pensar em algo plausível que justifique essa questão?

Depois de refletir, fiquei pensando na dinâmica psicanalítica dos sujeitos, onde somos todos tomados pelas faltas, sim, somos sujeitos faltantes, incompletos por natureza, aqui no caso associado ao psiquismo, fomos todos marcados e trazemos uma cicatriz mítica de
períodos que ficaram perdidos no tempo, atravessado pela ilogicidade e atemporalidade inconscientes. Mas ainda assim, qual a relação com o tema? Sujeitos fisicamente plenos, enquanto atletas, demandam uma capacidade disciplinar e de superação que, aos olhos da espécie, os coloca em patamares diferenciados, pedestais que comportam os ‘quase semideuses’ das batalhas esportivas. Mas e os atletas paraolímpicos? Por mais que estejamos mergulhados em tempos de valorização das igualdades, sabemos que o trato destas é o respeito das peculiaridades e possibilidades das diferenças, e isso é mais que justo, tratamento equânime.

Então, penso que aos atletas paraolímpicos caiba um esforço hercúleo, que nada tem a ver somente com o prazer particular, na superação de dificuldades dilatadas, diga-se, da elaboração de faltas e vazios ainda maiores a serem alimentados e transpostos, o que me evoca
a reflexão da gênese de energia que os alavancou na busca das conquistas, que podemos frisar como saudável autoafirmação da competência para enfrentar toda a aridez da vida, a saber:
preconceitos, dificuldades no mercado de trabalho, locomoção, etc.

Mas onde o capitalismo entra nisso? Não sei por completo, mas compartilho com o atleta-leitor, um exemplo que muito me incomoda, a ação dos cartoleiros e empresários dos esportes que financiam salários e valores astronômicos de passes ao troco dos interesses das
suas marcas e empresas, lembrando o futebol. Até onde o conforto monetário já não é bastante ao atleta mortal? Você pode me falar que isso é uma observação bastante ácida. Sim, concordo, mas a vejo como real.

A marcação das identidades recebe contornos coloridos que enviesam as energias direcionadas aos objetivos essenciais de conquista. Onde está o seu desejo? Talvez uma certa indolência, acomodação, vaidade ou relaxamento brotem em paralelo, abalroando os egos mais
frágeis. Sei que são meras conjecturas e nem estou aqui julgando ou colocando todos na mesma quadra, porém entendo que a energia vital, psíquica, para a superação e consequente conquista dos que, de antemão mostran-se marcados pela limitação corporificada, possa ser o grande diferencial que os tenha mobilizado.


É claro que aqui não há uma argumentação que adote as raias da exceção, mas fica a reflexão à beira do trampolim. O que acha? Deixe registrado seu comentário.

Na ironia do capital, me remeto a Hermes, deus do comércio, dos ladrões (fiquei em xeque se deveria ou não mencionar esse título), dos esportes e dos atletas. Enfim, parabenizo a todos que obtiveram suas medalhas, mas também a todos que se colocaram e se colocam, diariamente, à prova, independente de resultado. Resido na certeza que premiação maior vem da ética, a virtude está aí, conhecer limites e superá-los. Que o simbolismo da tocha não se apague, continue iluminando nossas decisões e posturas, afinal a grande competição é
com a toxidade do capital. Que o dinheiro não seja o mero impulso…

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Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
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