Fundamentalmente sobre a prática política do debate e do discurso, os gregos antigos têm muito a nos ensinar. Mormente porque na modernidade esta prática foi abandonada em troca das técnicas de “marketing”, pois, na verdade, tratar-se-ia aqui, de convencer o eleitor-cliente a comprar um produto e não, em última instância, a convencê-lo a abraçar uma ideia, original ou não, defendida através da política.
O estilo de fazer política nas grandes nações ocidentais sempre procurou como exemplo a forma de fazer política dos gregos antigos, e, tornou-se um lugar-comum: a ideia de que o modelo de democracia grega inspiraria a forma de organização dos Estados ocidentais, no mundo contemporâneo. Mas, ao analisarmos a visão que os gregos tinham da política, veremos que isto não se ajusta à realidade do mundo em que vivemos.
A política, para eles, estava intimamente ligada às necessidades reais da totalidade dos cidadãos e da poli da antiguidade, e deste modo, os políticos deveriam estar totalmente afinados com tais interesses, devido a um modelo de democracia direta onde o cidadão intervém na vida público em todos os seus aspectos. Isto porque os gregos davam uma importância muito grande a Educação de seus cidadãos, entendendo-se ai o conceito de que ela não era meramente um processo de treinamento ou, como diria Platão, adestramento (como o de cães, por exemplo) de aprendizado de ofícios, ciências, etc.
Para o grego a Educação tinha um caráter de formação total do homem, em todos os seus aspectos, tais como filosóficos, morais, éticos, artísticos, estético, etc., para dar a base de intervenção no mundo real, através conceitos de visão do mundo que eles desejavam. Vendo a Educação, não como uma propriedade individual, mas pertencendo na sua essência à comunidade, aos interesses coletivos, os gregos procuravam formar um homem, nos conceitos que eles chamavam de Paideia, formando um homem capaz de construir um processo civilizatório que se sobrepôs a todas as civilizações da Antiguidade. Essa importância que os gregos davam à Educação se devia, também, ao fato do seu interesse em conservar e propagar a sua forma de existência social e espiritual. A natureza do Homem, em geral, na dupla estrutura corpórea e espiritual, com o que ele deveria interagir na realidade do universo, sendo influenciado e influenciando o mundo real, exigiu a formação de instrumentos para essa ação. Couberam então aos gregos, através da Educação, fazer a transmissão dos seus valores, conceitos éticos, estrutura jurídica, estética, etc., numa “visão de mundo” própria da sociedade que criaram. E, nesse sentido, influenciaram profundamente as sociedades que existiam na Antiguidade, bem como, com mais força ainda, a sociedade ocidental cristã.
.” A estrutura de toda a sociedade assentaria nas leis e normas escritas e não escritas que a unem e unem os seus membros. Toda a educação é assim resultado da consciência viva de uma norma que rege uma comunidade humana. Quer se trate de uma família, de uma classe ou de uma profissão, quer se trate de um agregado mais vasto, como um grupo étnico ou um Estado” (Werner Jaeger, in Paideia- A formação do homem grego, Edit. WMF Martins Fontes Ltda, 2010).
Os gregos utilizavam então a Educação como instrumento de formação de um elevado tipo de Homem. E sob a forma de Paideia, através da cultura, eles procuravam então se destacar dos demais homens de outras civilizações, criando então uma forma de existência que subsiste até hoje. Foram então, por isto, admirados entre todos os que estudam o seu comportamento. Não é por acaso que outras civilizações que se sucederam, tais como a dos romanos, e mesmo do mundo moderno, procurava como exemplo a sua forma de observar o mundo.
“Podemos agora determinar com maior precisão a particularidade do povo grego frente aos povos orientais. A sua descoberta do Homem não é a do subjetivo, mas a consciência gradual das leis gerais que determinam a essência humana. O princípio espiritual dos gregos não é o individualismo, mas o “humanismo”, para usar a palavra no seu sentido clássico e originário. Humanismo vem de homônimas. Pelo menos desde o tempo de Varrão e de Cícero, essa palavra teve, ao lado da acepção vulgar e primitiva de humanitário, que não nos interessa aqui, um segundo sentido mais nobre e rigoroso. Significou a educação do Homem conforme a verdadeira forma humana, com seu autêntico ser. Tal é a genuína Paidéia grega, considerada modelo por um homem de Estado romano. Não brota do individual, mas da ideia. Acima do Homem como ser gregário ou como suposto eu autônomo, ergue-se o Homem como ideia. A ela aspiram os educadores gregos, bem como os poetas, artistas e filósofos. Ora, o Homem, considerado na sua ideia, significa à imagem do Homem genérico na sua validade universal e normativa. Como vimos, a essência da Educação consiste na modelagem dos indivíduos pela norma da comunidade. Os Gregos foram adquirindo gradualmente consciência clara do significado deste processo mediante aquela imagem do Homem, e chegaram por fim, por um esforço continuado, a uma fundamentação, mais segura e mais profunda que a de nenhum povo da Terra, do problema da Educação.” (Werner Jaeger, in Paideia- A formação do homem grego, Edit. WMF Martins Fontes Ltda, 2010).
Sendo, então, a Educação a base da formação do Homem grego, não poderia então a política e os homens públicos se distanciarem desses padrões-de um Homem total-pois ao homem público era cobrado um comportamento ético, onde a Honra tinha um papel destacado. Servir aos interesses da comunidade era uma forma de conduta exigida aos homens públicos, sendo a separação entre o público e o privado um elemento determinante na carreira dos políticos.
Como a política na atualidade não se exercita no campo das ideias e sim no campo dos negócios, a preocupação com tais elementos deixou de existir, deslocando-se então do campo dos interesses da comunidade para meramente fazer parte de uma carreira pessoal, onde o público e o privado passam a fazer parte do mesmo componente. Os elementos da retórica e da representação passaram a servir unicamente a necessidade de se construir uma imagem sem qualquer compromisso com o bem-estar público.
Serra da Mantiqueira, julho de 2023
Arlindenor Pedro
Referências
Werner Jaeger, in Paideia- A formação do homem grego, Edit. WMF Martins Fontes Ltda, 2010).