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Do conceito do racional e irracional na política-Arlindenor Pedro

arlindenor pedro
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Filósofos são pessoas que vivem constantemente observando a realidade. Por força deste hábito, desenvolvem pensamentos originais, que mostram o mundo de uma forma até então não percebida. Desta forma, volta-e-meia, influenciaram, no passado, líderes políticos, que passaram a operar estas ideias como sonhos, como Utopias, que, na verdade, eram ideias, projetos que deviam ser realizados, para a sobrevivência dos povos que representavam. Não foi por acaso que na Antiguidade, Filipe da Macedônia teve a preocupação em tornar preceptor de seu filho Alexandre, a quem ele sabia um dia o substituiria, o filosofo Aristóteles, tendo como objetivo dar a ele uma perfeita visão do mundo, e dos interesses dos povos helênicos.

Para melhor aprofundar essa questão, ou seja: a real importância da ideia vista aqui como Utopia, para a práxis política de transformações da realidade social, gostaria de trazer aqui algumas reflexões de Karl Mannheim, dada a atualidade de seus trabalhos ao analisar a gênese do pensamento na sociedade contemporânea.

Mannheim é o criador da metodologia conhecida como “Sociologia do Conhecimento”, que, segundo o estudo do Doutor Leo Rodrigues Júnior, da Universidade Católica do Rio Grande do Sul, “Karl Mannheim e os problemas epistemológicos da sociologia do conhecimento: é possível uma solução construtivista?”, em última instância, visa: identificar, conhecer, explicar e validar os nexos existentes entre as

“Condições sociais, posicionadas historicamente, e as produções culturais de atores individuais e coletivos oriundas da interação do conteúdo cognitivo desses atores com a própria realidade coletiva (tipos de instituições, crenças, doutrinas, racionalidades sociais)”. (in, “K.Mannheim e os problemas epistemológicos da sociologia do conhecimento: é possível uma solução construtivista?”

Prof. Leo Rodrigues Júnior)

Embora hoje afastado da maioria dos centros acadêmicos brasileiros, é importante frisarmos, que o pensamento de Karl Mannheim influenciou um conjunto muito grande de intelectuais no nosso país, contribuindo para o avanço das Ciências Sociais, na área epistemológica do conhecimento.

Florestam Fernandes, e os pensadores da Escola Paulista de Sociologia,
além de outros, como Celso Furtado e Darcy Ribeiro, por exemplo, que fazem parte da galeria dos intelectuais que pensaram o Brasil no século passado, utilizaram suas obras, notadamente as mais conhecidas entre nós, como “Ideologia e Utopia”, “O homem e Sociedade” e “Diagnóstico de Nosso Tempo”, como ferramenta teórica para a construção de seus trabalhos.

Mannheim, na sua fase de produção teórica na Alemanha, além de importantíssimos trabalhos, publicou o livro “Ideologia e Utopia”, a que me referi anteriormente, que iria transformar-se em um importante clássico do pensamento histórico-sociológico, a altura das obras de Kant, Marx, Weber e Scheller. Ali, em determinado momento da sua abordagem sobre a política e os políticos, ele nos fala, a partir de observações do sociólogo austríaco, Albert Schaffle, que se torna necessário discernir as diferenças do campo da política, para outro campo, que Schafller definiu como: — “negócios rotineiros de Estado”.

Para Mannheim, que utiliza a dialética de Hegel como método analítico, a realidade está sempre em movimento, e, portanto, deve ser sempre analisada em um dado contesto histórico e social. Ele cita Schaffler

“… em qualquer momento da vida sócio-politica, dois aspectos são discerníveis — primeiro, uma série de fatos sociais que adquiriram um padrão definido, e ocorrem regularmente; e, em segundo lugar, aqueles fatos ainda em processo de transformações, nos quais, em casos individuais, as decisões deverão ser tomadas, dando origem a situações novas e singulares. À primeira Schaffler denominou” negócios rotineiros de Estado’(Lafendes Staatsleben), à segunda, a” política”.

(in, Ideologia e Utopia, K. Mannheim, 1976,)”.

Mannheim entende que, quando na vida rotineira de um funcionário, as ocupações correntes são resolvidas conforme as regras e regulamentos existentes, estaríamos, segundo o pensamento do sociólogo austríaco, no campo da administração e não o da política — a administração seria o domínio dos “assuntos rotineiros de Estado”. Estaríamos no campo da política quando seria necessária uma ação não prevista, talvez mesmo inovadora, que atuaria num campo mais irracional do que o racional, que opera com padrões já definidos. Para Mannheim:

“… todo o processo social pode ser dividido em uma esfera racionalizada, que consiste em procedimentos estabelecidos e rotinizados para lidar com situações que se repetem de uma maneira ordenada, e a irracional, que a circunscreve”

Idem

Estaríamos, segundo ele, distinguindo entre estrutura “racionalizada” da sociedade e matriz “irracional”. Ele observa, também, que:

“A característica básica da cultura moderna é a tendência a absorver o máximo possível na esfera racional, submetendo-o ao controle administrativo — e, por outro lado, reduzir o elemento” irracional “à insignificância”

. (idem).

Um bom líder político operaria essencialmente no campo do que ele chama de “irracional”, isto é, do não previsível, do inusitado, do instinto, da criatividade.

Para melhor entendermos esta questão, façamos uma volta à Grécia Antiga e ali poderemos verificar que a filosofia pré-socrática deixara uma questão teórica sem solução, que se materializava na oposição dos pensamentos de Heráclito e os pensadores da Escola Eleática, notadamente Parmênides de Eleia.

Heráclito afirmava que o ser seria múltiplo e uno na sua existência. Para ele a ordem do mundo seria o devir (entendo-se isto como movimento), como a guerra dos contrários. O conflito seria o pai de todas as coisas e o movimento o motor da existência. Na luta dos opostos, em que sempre um dos polos buscaria a sua supremacia, haveria este movimento. Para ele a permanência e identidade não passariam de ilusões. Tudo é movimento e luta dos contrários: a guerra, a discórdia e contestação movimentariam mundo. Ao contrário: a paz, a permanência, seria o desequilíbrio, pois para ele a oposição seria concordar com consigo mesmo. Para ele a realidade não é tranquila e inerte, pelo contrário: ela seria inquieta e móvel. Tudo é um porquê, o um é tudo. Do interior de cada oposto, do seu contrário, nasce o seu oposto. Como o oposto pode existir sem o seu oposto, perguntaria? A physis seria harmônica pela existência e luta dos contrários. Seria da essência da natureza ela estar oculta dos olhos dos homens, só se mostrado as aparências, pois os sentidos tenderiam ao engano. A verdade só seria desvendada pelos olhos do espírito, que observaria o seu movimento, a sua essência.

Heráclito lançou as bases da dialética que mais tarde, no século XIX seria desenvolvida por Hegel e mais adiante por Karl Marx, através do materialismo dialético.

Já Parmênides, um dos mais proeminentes filósofos da Escola de Eleia, discordava disto. Ele seria, segundo alguns autores, o criador da lógica e da ontologia, aqui entendida como o conhecimento do ser. De seu pensamento conhecemos apenas uma parte desenvolvida num poema sobre o conhecimento, onde ele faz a diferenciação do conceito de conhecimento do conceito de opinião-conceito dispersivo sem base real de comprovação. A verdade é o não oculto, o demonstrável, que não ficaria no campo das ilusões. Desta forma, opunha-se ao pensamento de Heráclito. Para ele, haveria identidade entre pensamento, linguagem e realidade, isto é, entre pensar, ser e dizer. Ele afirmava que o ser é o que é pensado, o que é dito. Em oposição a ele, segundo Parmênides, existiria o não ser, portanto o não pensado e não dito. Logo, o não ser não existiria.

Para ele o ser é; e o não ser não é. O ser seria o pensável, o dito; já o nada é o não ser, é o impensável, o não dito. O nada é o irreal, não é inteligível, não é comunicável: é o indizível, não pode ser falado. A afirmação do ser traria, então, no seu seio o seu contrario-o não ser. Para Parmênides o ser é uno, pois se houvesse outro ser, o que seria outro ser? O não ser? Mas para ele o não ser não existe, não pode ser pensado, não pode ser dito. Portanto, o ser é uno e não múltiplo. O ser é indivisível ou contínuo, pois se ele de dividisse, o que seriam as partes divididas? Outros seres? Não porque ele é uno. Não sendo isto o que seriam então? O não ser? Mas o não ser não existe, não pode ser pensado, não pode ser dito. Portanto, diria ele, é indivisível. O ser também é pleno, pois se houvesse intervalos no seu interior, o que haveria? O vazio, o vácuo? Mas o vazio, o vácuo é o não ser. O não ser não existe, não pode ser pensado, não pode ser dito. Portanto, ele é pleno. A razão, portanto, só poderia então observar este primado: o ente é, ao ser e o nada não é, ao ser não ser! Fora disto tudo seria classificado como não ser, e, portanto, não existiria, seria irreal, estaria no campo das opiniões, impossibilitada de ser demonstrável. Estaria no campo das aparências, vista aqui como aquilo que pode deixar de parecer quando está aparecido. É o que poderia não ser tal como nos parece. Seria então o não existente, o objeto não determinado-uma ilusão, pois se o ser é o que parece sempre idêntico a si, onde melhor se mostra a sua real aparência? Onde poderíamos ver o não ser?

Segundo o filósofo, na opinião, no devir, na mudança. É esta questão, que, mais tarde, irá influenciar o debate entre os sofistas e Sócrates, dado que os primeiros, por sua posição relativista, fugiram daquele problema, que imaginavam insolúvel, concentrando no desenvolvimento da retórica, como elemento prático a ser utilizado pela política. Sócrates teria o homem como o centro de suas preocupações, opondo-se, desta forma, as preocupações teóricas da Escola Eleática e dos filósofos pré-socráticos, com o cosmos como o centro de suas indagações.

Quando Sócrates interveio neste debate, levou-o para o campo da antropologia, tendo como oponentes os filósofos sofistas, que deram prosseguimento às ideias de Zenão, filosofo da Escola Eleática, que criara as bases da retórica. Na verdade, e isto era dito pelo próprio Sócrates, os sofistas pouco se importavam com o conteúdo das ideias. Mercantilistas, e já apontado para as características de nossos políticos modernos, estavam mais preocupados em ganhar os debates, numa sociedade onde ele tinha grande valor do que contribuírem para o avanço do conhecimento. Sócrates achava que o homem deve ser racional, buscando sempre a verdade e a essência da natureza. Isto se daria, em primeiro lugar, através da busca incessante da verdade, que segundo ele, começaria pelo próprio ser que está indagando.

Conheças-te a ti mesmo”, era uma de suas máximas. Seguiria, portanto, um caminho de racionalismo, abrindo as portas para a formação do pensamento ocidental.

Penso que pela sua forma de observar o mundo, colocando o homem como o centro de suas atenções, negando o irracional, ou o instinto, como modelo de pensamento e ação, Sócrates seria o precursor do Iluminismo e da visão de mundo da sociedade moderna. Apolíneo, ele se confronta com a visão de mundo dionisíaca, preponderante entre os pré-socráticos, visão esta, que na atualidade vem sendo resgatada por pensadores como Nietzsche e Heidegger. Suas ideias, ou as ideias de Platão, tiveram grande influência no pensamento cristão, haja vista o contido no diálogo de Fedro. Ali, às vésperas de sua morte, Sócrates desenvolve a concepção da imortalidade da alma, mais tarde assimilada pelas grandes religiões monoteístas. Ou em outro diálogo, onde se desenvolve a concepção, mais tarde também assimilada pelo cristianismo, de que a injustiça perpetrada contra alguém, fará muito mal àquele que efetuou a injustiça e não àquele que foi injustiçado.

Platão acentuou, também, através de suas obras, a busca de Sócrates pela verdade objetiva, procurando dar instrumentos ao homem de análise racional da natureza, livrando-o das imagens subjetivas e irreais, que muito bem exemplificou no seu conhecido Mito da Caverna. Em muitas das suas obras, ele nos mostrou um Sócrates duelando contra os Sofistas, que segundo ele não tinham compromisso com a verdade, em, sim, com a pura representação. Sócrates achava que a justeza de uma ação estava intimamente ligada a verdade objetiva, isto é, ao conhecimento. No seu racionalismo, Sócrates, despreza os elementos irracionais existentes no homem, buscando a construção de um homem racional, total conhecedor da realidade que o circunda.

Na verdade, poucos sabem sobre Sócrates, embora exista uma vasta literatura sobre os seus pensamentos. O que chegou de sua época até nós, o foi, principalmente, através dos escritos de Xenofontes, Platão e Aristóteles, dado que Sócrates tinha a postura de nada escrever do que pensava. Ele fazia a apologia da oratória, embora se contrapusesse aos sofistas. Seu método interrogativo levava a aporia, onde tantas perguntas demoliam o pensamento oponente, levando-o a um beco. Seu pensamento tornou-se, como já citei anteriormente, um dos mais importantes na formação da cultura ocidental.

O episódio do seu julgamento e da sua morte transformou-o num ícone político na defesa de ideias, sendo esse episódio um dos mais importantes da história, a altura do julgamento de Cristo na Palestina, onde o martírio foi usado como arma contra a intolerância. É importante frisarmos, que foi através dos escritos de Platão que Sócrates foi imortalizado e, através desses diálogos platônicos, encontramos um Sócrates em oposição com o mundo em que vivia.

No seu livro sobre Sócrates, “O Julgamento de Sócrates”, I.F Stone, faz uma análise sobre o pensamento socrático, que, segundo ele, estava em desacordo com o que pensavam os gregos no período clássico de Atenas. Dizia Stone:

“Foi Platão quem criou o Sócrates de nossa imaginação, e até hoje é impossível determinar até que ponto essa imagem corresponde ao Sócrates histórico e até que ponto é produto do gênio criativo de Platão”

A busca do Sócrates histórico, como o do Jesus histórico, continua a gerar uma literatura cada vez mais imensa, um vasto mar de especulações e polêmicas e eruditas. Mas a dívida de Sócrates para com Platão não é maior do que a de Platão para com Sócrates. É graças ao gênio literário de Plantão que Sócrates ocupa a posição preeminente de santo secular da civilização ocidental. E é graças a Sócrates que as obras de Platão continuam tão consumidas até hoje.

Platão é o único filósofo que transformou a metafísica em drama. Sem o personagem enigmático e intrigante de Sócrates como protagonista de seus diálogos, Platão não seria o único filósofo que continua deliciando inúmeros leitores em todas as gerações. Ninguém lê Aristóteles, Tomás de Aquino ou Kant como literatura.

Um dos biógrafos de Platão na Antiguidade, Olimpiodoro, afirma que a intenção original de Platão era a de tornar-se dramaturgo, um poeta trágico ou cômico. Em sua época, o teatro era a expressão máxima do gênio literário ateniense. Segundo Olimpiodoro,

“quando conheceu Sócrates e ficou fascinado por ele, Platão queimou suas investidas no campo da poesia trágica e passou a dedicar-se à filosofia..

” ( I.F. Stone, in “O Julgamento de Sócrates”, São Paulo, 1988)

Stone nos relata que Sócrates, através de seus ensinamentos, combatia tanto as concepções dos democratas gregos, quanto à dos aristocratas, no que se refere ao gerenciamento da comunidade, da polis, e que nutria um profundo desprezo pela forma dos gregos tratarem a política. Ele não via na democracia ateniense méritos capazes de levar os jovens a defendê-la, e neste sentido, abriu caminho para concepção de ideias autoritárias e de afastamento do cidadão da política do Estado. Regra geral, as divergências de Sócrates com seus contemporâneos, se davam em três pontos fundamentais.

A primeira assim se apresentava: a natureza da comunidade humana seria a polis, como afirmavam os gregos naquela época, ou seria, como ele disse tantas vezes, um rebanho que precisa de um pastor para condução? Sócrates tinha a visão de que a comunidade deve ser dirigida por “aquele que sabe”, cabendo aos demais obedecer. Desta forma, ele era contra o processo eleitoral de escolha de governantes, ou mesmo o sistema de sorteios, como efetuavam os gregos. Ele não advogava a monarquia, e sim uma nova forma de governo, de um só indivíduo esclarecido, que deveria tomar as decisões na comunidade. Desta forma, se contrapunha frontalmente com o sistema político grego, a democracia, e forma coletiva de governança.

Outro ponto de divergências com seus contemporâneos era a relação entre conhecimento e virtude, que, para ele, se identificavam. Virtuoso é quem sabe! Então, ele achava que o verdadeiro conhecimento, e, portanto, a virtude, só poderia ser atingida através da sua definição absoluta. Se não se podia definir uma coisa absolutamente, então não se sabia exatamente o que ela era.

Ora, os gregos acreditavam que a virtude se dava pela política, pela participação. Para eles todos os cidadãos possuíam, por sua própria natureza de animal social, aquelas virtudes elementares necessárias para a vida comunitária. Essa virtude política dava aos homens um sentido de justiça e uma consideração suficiente para discernirem o que era certo ou errado, viabilizando a polis. Sócrates não pensava assim, e combatia a polis, pois para ele seus participantes não conheciam a verdade, não sabendo, racionalmente, defini-la. Tudo que não alcançasse uma definição absoluta era por ele considerada “doxa”, ou simplesmente uma opinião, em oposição ao verdadeiro conhecimento, por ele denominado “episteme”.

Finalmente, o terceiro grande ponto de divergência, era que Sócrates pregava e praticava a não participação na vida política da polis. Segundo Platão, esta sua postura prendia-se a ser a forma de manter-se a “perfeição” da alma, e segundo relatos, de uma opinião que vinha de seu “eu” interior. Isto ia de encontro ao pensamento de muito dos gregos daquela época, que acreditavam que o cidadão se educava e se aperfeiçoava por uma participação integral na vida e nos negócios da cidade. I.F. Stone cita aqui Aristóteles, sendo um dos que se contrapunha a essa forma de pensamento de Sócrates: “Escreve Aristóteles.

“ O homem, quando aperfeiçoado, é o melhor dos animais; mas quando isolado da lei e da justiça, é o pior de todos. Quando desprovido de virtude, é um ser perverso e selvagem “O sentimento de justiça sem o qual ele não pode elevar-se acima de seus impulsos selvagens”, diz Aristóteles, “pertence a polis; pois justiça, sendo determinação do que é justo, é uma ordenação da associação política”.

O homem solitário vive num mundo onde a própria palavra “justiça” não tem significado. Onde não há “outros”, não surgem conflitos que exijam uma solução “justa”. O problema da justiça só se coloca numa comunidade. (I.F. Stone, in “O Julgamento de Sócrates”, São Paulo, 1988).

Esta postura de Sócrates colocou-o em oposição frontal à sociedade ateniense, e isso resultou num processo político, onde ele foi condenado e levado à morte. Naquele momento, no ano de seu julgamento, Atenas se recuperava de uma tentativa de golpe. Opositores tentaram derrubar a democracia e instaurar um governo de tirania, a exemplo do que houve em 411 AC ou em 404 AC, quando o governo dos 30, pró-Esparta, foi instaurado.

Notemos que nesses episódios, alguns dos alunos de Sócrates estiveram envolvidos, o que fez crescer desconfianças sobre a natureza de seus ensinamentos. O pensamento e a postura política de Sócrates abriram caminho para a sociedade racionalista, que resultou nas grandes tragédias autoritárias da humanidade, relegando o diferente, aquilo que não pode ser definido, o que está fora do previsto, para a marginalidade, pois era imperfeito.

Mas, será que esses elementos irracionais presentes na mente humana devem ser descartados na formulação de seu pensamento e modo de agir perante a natureza? Será mesmo que a chamada realidade objetiva pode ser realmente captada e entendida em todos os seus contornos por aquele que a observa, numa atitude inteiramente racional, onde o que não pode ser totalmente definido deve ser descartado? E mais: será então que o livre-arbítrio, plenamente racional, é o motor de nossas ações. Qual o peso dos sonhos, dos mitos que povoam o nosso imaginário, nas nossas ações cotidianas? Afinal a estrutura evasiva e surpreendente da tragédia não está, de fato, mais próxima da realidade, do nosso dia-a-dia? Combatendo a democracia ateniense, com todas as suas limitações, Sócrates pela sua influência e até pelo seu martírio, que ele quis que acontecesse, não levou a filosofia a optar pela falsa solução dos “que sabem”, em detrimento dos que “não sabem”?

Serra da Mantiqueira, julho de 2023

Arlindenor Pedro

Referências

K.Mannheim e os problemas epistemológicos da sociologia do conhecimento: é possível uma solução construtivista?” (Prof. Leo Rodrigues Júnior)

Ideologia e Utopia, K. Mannheim, 1976

I.F. Stone, in “O Julgamento de Sócrates”, São Paulo, 1988

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Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
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