para minha avó Laura Macedo, que completaria 127 anos no dia 15 de julho
Meia noite e meia.
Tudo em ordem.
Gotas de chuva tremulam nas poças do jardim.
A madrugada me envolve.
Cenário perfeito.
Nem acredito: sozinha, enfim!
Fecho a treliça da janela.
Delícia!
O silêncio é todo meu.
Me entrego : corpo/alma/palavra.
A casa respira Poesia.
Ao meu lado, Neruda, Bandeira, Adélia, Cecília.
Eu, no meu poético egoísmo, escrevo e me entrego.
Teço/destroço/ desconstruo/finjo/invento.
Crio anjos/demônios/amores/mares/humores.
Tudo posso, nesse momento.
A cabeça gira, o corpo sai de mim, mergulho no abismo.
Posso flutuar!
Madrugada adentro, esqueço dia/ hora/tempo/ lugar.
Amanhece, primeiros raios de sol.
Volto à realidade, desperto do meu sonhar.
Não mais solidão, abismos, devaneios.
Daqui a pouco, o marido levanta e as crianças acordam.
Botar a mesa/arrumar merenda/passar camisa/fazer almoço/varrer casa/lavar roupa/pintar cabelo/ passar batom …
supermercado…
Sei não…melhor levantar e coar o café.
Rápido, rápido, está na hora!
Você pode, você consegue, você é forte.
Você é mulher!
Laura Esteves

Laura Esteves nasceu e vive no Rio de Janeiro. Pertence ao grupo “Poesia Simplesmente”, que realiza o ” Festival Carioca de Poesia” e o evento “Terça conVerso no café”, no Teatro Gláucio Gill, em Copacabana.
Seu primeiro livro de poemas, “Transgressão”, foi editado pela Sette Letras, em 97. O segundo, um romance memorialista lançado em dezembro de 98, “O sabor, o saber e o sonho: a fome secular dos Oliveira”, conta a saga de uma família, desde a seca de 1877 até os dias de hoje. “Como água que brota na fonte, poesia”, (Editora Barcarola, outubro de 2000) foi seu terceiro livro individual. Em 2005, publicou um livro de contos: “A mulher, a pedra” (Editora Ibis Libris). Em 2006, lançou “Rastros – poemas escolhidos” (Edições Sindicato dos Escritores).
Laura colabora com o Jornal “Rio Letras”, é curadora do Fórum Poesia
(UFRJ ) há três anos e foi uma das premiadas do “Concurso Contos do Rio” (2004), do jornal “O Globo”.