–para as mulheres, sempre atrizes-
Muitos os meus nomes:
bruxa, vaca, piranha, gostosa,
puta, santa, rainha, mater-dolorosa.
Alguém decidiu por mim.
Conveniente, necessário
para todos: família, sociedade.
Concordei, sempre concordei,
carcereira de minha própria vontade.
Ah! muitas as minhas faces:
lebre, cobra, aranha-negra, camaleoa.
Camuflagem perfeita!
Minei pelas reentrâncias,
me esgueirei pelos subterrâneos,
sempre alerta, sempre à espreita.
Foi o jeito medonho
que encontrei para existir,
para não matar meu sonho.
Quando quiseram tirar o prazer
do meio das minhas pernas, disfarcei.
Falsa aparência.
Com paciência deixei a brasa
escondida lá embaixo, pronta pra ser acesa.
Trouxe o prazer para dentro do peito, do
pensamento.
Triângulo perfeito: sexo, coração e mente.
Quando me trancaram entre paredes
e tornei-me rainha do lar, busquei as
delicadezas.
Não me deixei esmagar.
Equilibrei-me num fio tênue de esperança,
que passavam um pouco além do meu quintal.
Quando batia o bolo com ar angelical,
me lambuzava de tortos pensamentos.
O comboio lá dentro: planc, planc, planc.
Pura arritmia.
Pensamentos só meus, ninguém mais sabia.
Quando me queimaram viva nas fogueiras,
gritei impropérios e maldições.
Saiam como açoites de minha garganta
e entravam pelas frestas das portas.
Chicoteavam os habitantes da vila.
As palavras bem lá no fundo:
“um novo tempo… um novo tempo…
sem castigo ou coação…”
Tornei-me lenda e mito.
Ganhei o sexto sentido:
os cinco já conhecidos e o da premonição.
Chegou o novo tempo.
Depois de tantos açoites, de tantos ais, estou aqui.
Santa? Puta? Rainha?
Não importa, rompi tudo, derrubei altares e catedrais.
Fui em busca do meu gozo, do meu sonho, do meu ser.
Hoje, estou aqui, repito.
Do jeito que sempre quis.
Sou mulher/personagem de minha vida: atriz.
Para a peça: “Mulher, poema do século”
Companhia Teatral Cláudio Feliciano
Belo texto, Parabéns.