Com o termo “sistema”, quero me referir ao arranjo político-econômico-institucional que se formou a partir da promulgação da Constituição de 1988, arranjo esse que desde então dominou o nosso cenário político, até ser implodido pelo ‘impeachment” de Dilma.
No plano político, o “sistema” se estruturou pela polarização PSDB-PT. Ambos os partidos guarneciam as fronteiras do “sistema” da entrada de intrusos, como os tucanos sendo o máximo possível à direita e o PT o máximo possível a esquerda.
No plano econômico, o “sistema” vivia do movimento pendular, ora de avanço na implantação da agenda neoliberal de desmonte do Estado e de liquidação de direitos, ora de implantação de políticas públicas de compensação social.
Lula e o PT mostraram-se mestres na gestão desse movimento pendular, e a sua fortuna eleitoral dá testemunho disso.
No plano institucional, o “sistema” se caracterizou por uma situação de razoável autonomia e respeito entre os Três Poderes… Nunca experimentamos na história da nossa República uma conjuntura de tanta estabilidade como aquela proporcionada pelo “sistema”.
Só que, aconteceu de o PSDB não querer mais sustentar o “sistema”, achando que, com a exclusão do PT do jogo, eles, os tucanos, iriam ser conduzidos para o centro da cena política.
Essa vã esperança somou-se ao interesse da plutocracia rentista de acelerar ao máximo a implantação do que restava a ser implantado de sua agenda de desmonte e de liquidação. A consequência desse encontro de interesses – e de outros que emergiram na ocasião – foi o “impeachment” de Dilma.
A aceleração da implantação sem compensações sociais não poderia ser aceita pelo PT, e ele, por isso, tinha que ser contido e/ou expulso. Mas a vida é real, e de viés, a movimentação em torno do “impeachment” levou de roldão também os tucanos.
Com a fronteira à direita do “sistema” desguarnecida, ninguém pôde conter a “invasão dos bárbaros” – e deu no que deu: Bolsonaro e bolsonarismo.
Com Paulo Guedes fazendo a ponte com a “Faria Lima”, Bolsonaro convenceu a plutocracia rentista que ele tinha melhores condições do que os tucanos para acelerar a implantação do que restava da agenda neoliberal, sem ter que fazer as compensações sociais exigidas pelos petistas.
Juntaram-se a fome e a vontade de comer…
No governo, Bolsonaro cumpriu os compromissos econômicos que assumiu junto à plutocracia rentista; mas no plano político a coisa desandou.
Quando ficou claro que Bolsonaro tinha um projeto de poder de tipo revolucionário, com vistas à implantação de um estado totalitário entre nós, parte expressiva da plutocracia decidiu não aderir à aventura da extrema-direita, pelo menos por ora.
De solução de ocasião, Bolsonaro virou um problemão para a parte mais significativa do “andar de cima”. Com conter Bolsonaro e o seu projeto de poder?
Resposta: só com o restabelecimento do “status quo ante”, isto é, nos meus termos: só com a recomposição do “sistema”, agora não mais configurado pela polarização PSDB-PT, e sim pela aliança entre tucanos e petistas.
A chapa Lula-Alckmin não quer dizer outra coisa senão isso… Lula e Alckmin, cascudos e experientes que são, sacaram o que estava em jogo.
A parte não extremista de direita da burguesia – vide Grupo Globo – percebeu que só com a recomposição do “sistema”, Bolsonaro poderia ser batido eleitoralmente. E percebeu ainda que só em torno a Lula o “sistema” tinha condições de ser recomposto.
(As “des-condenações” de Lula vão nessa direção…)
Se o preço a pagar seriam medidas de compensação sociais (as assim chamadas “políticas públicas de inclusão”), a plutocracia rentista não bolsonarista estava disposta a pagar, desde que sob negociação.
Nessa recomposição do “sistema”, como em tudo mais, a esquerda, por lhe faltar programa, está mais por fora que bunda de índio.
PS
Considero o PT como uma força política eleitoral de “centro-esquerda”, e falta-me vocabulário para caracterizar o PSOL.