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Um novo começo?-Arlindenor Pedro

arlindenor pedro
Por arlindenor pedro 14 leitura mínima

Continuando ….O filosofo Ibrain Vitor de Oliveira, na obra citada neste estudo, também se questiona:

“… se arché e telos se dissolvem, o que ainda resta? Qual discurso se sustenta neste “aberto”. O que ainda dizer ao mundo e ao homem hodiernos, já bastante confusos? Qual “saída” propor quando nenhum conceito e nenhum valor resistem longamente? É possível outro “suporte” que não seja o da calculabilidade da ratio? A imensa “abertura” da tensão (e dissolução) arque-teleológica não sucumbiria o homem em uma fulminante perda da “esperança”, deixando-o a mercê de um “mundo desencantado”? Se todo discurso, todo conceito esta destinado a se dissolver, aq oscilar, a filosofia não cairia ao arbítrio do irracional e, logo, da desordem irrefreável? “

Arché e Telos. Niilismo Filosófico e Crise de Linguagem em F.Nietzsche e M.Heidegge, Ibrain Vitor de Oliveira, 2004

São questionamentos que parecem nos sufocar a última palavra. Salienta-se, contudo, que, como diz Heidegger, “dissolução (Losgebundenheif) não é arbitrariedade vazia e desordem”. A imensa “abertura” da tensão, (e dissolução) arque-teleológica propicia, ainda, um “outro” modo de se portar diante da vida, do homem e do mundo. Não mais em direção da ratio que “presta contas”, enquanto fundamento e razão, mas no plano do fazer que deva apossar-se constantemente de outro início. Trata-se do eterno retorno dos incessantes outros inícios. Já não é o caso de se projetar rigorosamente uma arché e um telos possíveis, nos quais o mundo, o homem e a vida sejam circunscritos, organizados, “fabricados”, “manipulados”

. (in, Arché e Telos. Niilismo Filosófico e Crise de Linguagem em F.Nietzsche e M.Heidegge, Ibrain Vitor de Oliveira, 2004)

Mas, para onde buscar este recomeço? Direi aqui, que embora julgássemos superada esta etapa do processo histórico da humanidade, a busca da religião como parâmetro que possa antepor-se a uma sociedade extremamente racionalizada e sem perspectivas se mostra, para muitos, como o caminho para este recomeço.

Um mundo sem Utopias abre espaço para as teorias neoconservadora, segundo as quais avançamos para uma forma única de governo e sistema econômico-a democracia universal ou o livre mercado, com valores éticos definidos. Mas, apesar de ser apresentada como um momento novo para humanidade — um limiar de uma nova era-principalmente na roupagem pseudocientífico das ciências sociais, esta crença não passa de uma recente versão das ideias apocalípticas que remontam as eras mais antiga da história. Caminhamos então para grandes embates religiosos, onde neste campo, os novos profetas disputarão a hegemonia do pensamento do homem globalizado.

O professor inglês John Gray, em seu livro “Missa Negra-Religião Apocalíptica e o Fim das Utopias,” abordou a política do neoconservadorismo do grupo do ex-presidente George Bush e do seu principal aliado, o britânico Blair, ex-primeiro-ministro e o seu novo trabalhismo. Aliança que levou à invasão do Iraque e o confronto com os movimentos radicais islâmicos, numa guerra de característica plenamente religiosa.

Sabemos hoje que esta política se fez presente após o 11 de setembro e molda hoje o pensamento de amplas parcelas conservadoras em todo o mundo. Nesta obra ele efetua uma extensa análise deste movimento de direita, influenciado pelo pensamento de F. Fukuyama, acentuando, inclusive, a sua diferença de outro movimento de direita contemporâneo, o neoliberal de Margareth Thatcher, que ele classifica como um movimento utópico.

“Os neoliberais que moldaram as políticas ocidentais na década de 1990 eram em sua maioria economistas bem pensantes com uma fé ingênua em sua própria versão da razão. O avanço do livre mercado podia precisar de ajuda-por exemplo, com programas de ajuste estrutural de impostos a muitos países emergentes pelo Fundo Monetário Internacional; mas haveria de se disseminar e ser aceito em decorrência da crescente prosperidade que propiciasse. Este inocente credo não se adaptava às duras realidades do mundo posterior à Guerra Fria, e logo seria substituído pela fé mais militante do neoconservadorismo. Os neoconservadores entenderam que os mercados livres não haveriam de se disseminar pelo mundo num processo pacífico: ele teria de ser assistido por uma aplicação intensiva de força militar. O mundo posterior à Guerra Fria seria uma era de sangue e ferro, e não de paz.”

(in, “Missa Negra”, John Gray, 2008).

Continuando:

“Muitos dos neoconservadores que constituem a base de poder de G. W.Bush esperam um Fim promovido por intervenção divina. Encaram os conflitos mundiais-especialmente os que ocorrem em terras bíblicas-como prenúncio do Armageddon, uma batalha final da luta entre a luz e as trevas. Outros esperam ser poupados dessas provações numa Estase em que serão conduzidos ao céu. Em ambos os casos, o mundo imperfeito onde a humanidade tem vivido logo chegará ao fim”

(idem).

E, mais adiante, referindo-se as ideias de T.Blair:

“O neoconservadorismo diverge do neoliberalismo em questões cruciais, e foram especificamente convicções neoconservadoras que moldaram a visão de mundo de Blair. Ao contrário dos neoliberais, os neoconservadores não preconizam o retorno a uma era imaginária de governo mínimo. Têm consciência de que nem todos os efeitos do livre mercado são benéficos e se voltam para o governo para a promoção das virtudes negligenciadas pelo mercado. Blair sempre foi um firme defensor da “lei e da ordem”, desfraldando essa bandeira no Partido Trabalhista durante a liderança de John Smith. Até certo ponto era uma jogada estratégica para conquistar território aos conservadores, mas também combinava com seus instintos. Os neoconservadores nem sempre são admiradores dos valores vitorianos (como o próprio Blair) se consideram liberais em questões de moralidade pessoal-mas, rejeitam o ponto de vista de que o Estado pode ser moralmente neutro. O governo deve agir para promover o bem geral, o que requer que se aceite a necessidade de disciplina e punição. Requer também a promoção da religião. Ao contrário dos neoliberais, que geralmente adotam um perfil secular, os neoconservadores consideram a religião um elemento vital de coesão social — ponto de vista manifestado no apoio de Blair às instituições religiosas. Acima de tudo, os neoconservadores não se dispõem a contar com a evolução social. Em geral, mais inteligentes que os neoliberais, eles entendem que embora o capitalismo seja uma força revolucionária capaz de subverter estruturas sociais estabelecidas e derrubar regimes, isto não acontece por si só: é necessário o poder do Estado, e às vezes também a força militar, para apressar o processo. Em seu entusiasmo pela mudança revolucionária, o neoconservadorismo tem mais em comum com o jacobinismo e o lenilismo do que com o neoliberalismo e conservadorismo tradicional.”

(ibidem)

Mas isto não seria um retrocesso, tendo em vista os conceitos iluministas que permearam as grandes utopias do mundo moderno? Ter a religião como parâmetro, como o foi até a Idade Média, não seria voltar na escalada da humanidade na busca do conhecimento sobre o cosmos?

Na verdade, não tanto: em primeiro lugar é necessário saber que as principais Utopias do mundo moderno, que acreditávamos tinham destronado definitivamente as ideias religiosas como bases de sustentação do seu pensamento, não abandonaram os preceitos principais que são, em última instância, os conceitos milenaristas. Podemos afirmar que na sua essência os conceitos iluministas não superaram a visão milenarista desenvolvida pelas grandes religiões monoteístas.

Para os gregos, na antiguidade o conceito de politikós, estava associado a polis. Ser um polites, cidadão de uma polis, era para eles uma honra. Significava que tinha direito de debater e votar a respeito das questões que afetavam a vida dos cidadãos gregos e de toda a comunidade. Na atualidade, este conceito desvirtuou-se, passando o político a estar mais identificado com o conceito weberiano de “Boss”, sendo um mero agenciador de votos. Afastando-se das utopias com caráter secular, que predominaram com a vitória do Iluminismo sobre as concepções religiosas da Idade Média, a política volta hoje a ser exercitada, novamente, cada vez mais, em conceitos religiosos, abrindo espaço para o sectarismo da fé, do fundamentalismo religioso. Na verdade, é ali que passam a reinar os sonhos e as utopias, não para este mundo, mas para o mundo após a morte. Não se trata do mesmo tipo de relação que tinham os gregos antigos com a natureza e o oculto. Pelo contrário, trata-se de uma subordinação cega, que não abre nenhuma possibilidade de crescimento intelectual, onde o espirito livre e criativo de homem se faz ainda mais cerceado, levando-nos para uma era conturbada de escuridão cultural e de total escravidão aos mandamentos da fé estabelecida. Este é o perigo real, para onde caminhamos, enquanto o homem vai tomando consciência da falência da sociedade construída sob a égide do racionalismo, criada pela concepção de mundo da burguesia liberal. Sairá, então, o homem moderno, de uma prisão para retornar a outra, como viveu o homem medieval? Continuará num processo de martírio e sofrimento brutal, que irá destroçar nações, e inúmeras populações, isto se no caminho, pela força cientifica que tem, não exterminar, de forma insuperável, a própria raça humana da superfície da terra? Já vivemos, pois, os primeiros momentos dessa nova era, que para muitos já se faz inevitável?

Para que isto não ocorra, precisamos contrapor a esse racionalismo socrático-platônico, que imperou até então, à visão de outro homem, em equilíbrio com as forças da natureza. Um ser disposto a viver a vida-vivida, em todo o seu esplendor, onde o homem é uma totalidade, sendo ao mesmo tempo, como diria Nietzsche, filósofo, médico, poeta e legislador. Um homem que, munido da tocha do saber, possa levar a claridade da vida plena aos subterrâneos do mundo criado pelo esclarecimento, que, na verdade, nada esclareceu. Prevalecerá, então, um homem sabedor da perenidade da vida, aceitando-a com sua forma de ser dialética:, convivendo sem medo com a vida e morte, com o belo e o feio, com a alegria e a tristeza, com o uno e múltiplo, sem esperar nenhuma recompensa por atitudes ou esperar um irreal mundo sem defeitos e perfeito.

A vida seria, então, vivida na sua plenitude, pois saberemos que o que existe, na verdade, é meramente o eterno retorno. Um novo alvorecer da criatividade humana, através da arte livre e sem parâmetros, liberta do mercado, seria, então, o caminho que nos levaria a esse mundo utópico. O recomeço, em novas bases, à luz da experiência do que já foi tentado, com seus erros e acertos, torna-se imperioso, para a humanidade suplantar o momento histórico que ela vive (a sua pré-história) com um novo momento — o de uma humanidade emancipada. Mas para isto é preciso ir além daqueles que pensaram o capitalismo, formulando uma nova teoria para a construção de um mundo pós-capitalista.

Serra Mantiqueira, setembro de 2023

Arlindenor Pedro

Referências

Arché e Telos. Niilismo Filosófico e Crise de Linguagem em F.Nietzsche e M.Heidegge, Ibrain Vitor de Oliveira, 2004

Missa Negra”, John Gray, 2008

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Libertário - professor de história, filosofia e sociologia .
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